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Prevenção e combate do casamento prematuro e da gravidez precoce são uma prioridade em Moçambique, mas não há dinheiro

Prevenção e combate do casamento prematuro e da gravidez precoce são uma prioridade em Moçambique

Foto de ArquivoNão é novidade que Moçambique está entre os dez países com mais casos de casamentos prematuros em todo mundo, afinal os dados mais recentes que existem datam de há cinco anos. Um relatório do UNICEF indica que entre 1997 e 2011, “o crescimento da população (moçambicana) ultrapassou os progressos alcançados na diminuição das taxas de casamento prematuro e da gravidez precoce, o que significa que o número absoluto de mulheres casadas/grávidas antes dos 15-18 anos aumentou”. É evidente que esta luta não tem sido prioridade dos sucessivos Governos do partido Frelimo pois, embora seja uma violação dos direitos das crianças, só em finais do ano passado é que o Executivo aprovou uma estratégia para a sua prevenção e combate, que deveria ter começado a ser implementada em 2015 mas só esta semana começou a ser divulgada na capital do país. Contudo não há o dinheiro para a materializar.

“14,3% de raparigas entre os 20 e 24 anos de idade casaram-se antes dos 15 anos. A proporção de raparigas na mesma faixa etária casadas antes dos 18 anos é de 48,2%”, constatou um relatório de análise estatística sobre os casamentos prematuros e a gravidez precoce em Moçambique do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) que indica ainda que “a proporção de raparigas adolescentes casadas e grávidas diminuiu ligeiramente entre 1997 e 2011. No entanto, a melhoria estatística e significativa ao nível de 5% ocorreu em apenas dois indicadores (casadas antes dos 15 e casadas antes dos 18 anos)”.

Porém, refere o estudo “o crescimento da população ultrapassou os progressos alcançados na diminuição das taxas de casamento prematuro e da gravidez precoce, o que significa que o número absoluto de mulheres casadas/grávidas antes dos 15-18 anos aumentou apesar da ligeira melhoria na percentagem de raparigas afectadas”, pode-se ler no documento que se vangloria de ter influenciado directamente a definição do casamento prematuro como uma prioridade nacional do Governo de Moçambique e ainda haver contribuído na definição dos pilares da estratégia nacional para a eliminação e prevenção do mal.

Com a “papinha toda feita”, pelo UNICEF e pela Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), o Ministério do Género, Criança e Acção Social começou nesta segunda-feira(11) a divulgação da estratégia que deveria ter iniciado em 2015 mas só foi aprovado pelo Conselho de Ministros a 1 de Dezembro passado.

Constam da matriz de acções sete vectores: Comunicação e Mobilização Social; Acesso e Educação de qualidade e retenção; Empoderamento das crianças do sexo feminino; Saúde Sexual e Reprodutiva; Mitigação/Resposta e Recuperação; Quadro Político Legal; e Coordenação multi sectorial e advocacia. Tudo orçado em 2.640.192.556 meticais.

Existem em Moçambique três modelos de casamento prematuro

Foto de ArquivoDe acordo com o estudo do UNICEF “o casamento prematuro e a gravidez precoce têm um impacto negativo sobre uma série de indicadores de bem-estar para as mulheres. Em particular, constatou-se um efeito forte e significativo do casamento prematuro na educação das raparigas”.

“Da mesma forma, constatou-se que a gravidez precoce está associada ao maior risco de desnutrição e morte entre os filhos de mães adolescentes” conclui o documento que estamos a citar.

Estudos realizados pela WLSA Moçambique, uma Organização Não Governamental, concluíram existir uma relação entre os casamentos prematuros e os ritos de iniciação pois, “Durante os ritos são transmitidos às meninas conhecimentos sobre a relação sexual e a forma como devem comportar-se para agradar a um homem; Às meninas é ensinado que não devem ter medo dos homens e como devem agir quando lhes são entregues; O sexo das meninas é arroz e milho. Muitas famílias dizem às crianças, depois dos ritos que elas têm de comprar o material escolar e trazer comida para casa; As meninas aprendem a obedecer e a nunca dizerem não, quando o parceiro lhes pede sexo; e As meninas aprendem que o mais importante na vida é ter um marido e filhos”.

Existem no nosso país, particularmente nas regiões Centro e Norte, três modelos de casamento prematuro: “Após a realização dos ritos (de iniciação), um homem ou a sua família procura a família da menina e aí decide-se qual a quantia, e de que modo deve ser feita a entrega daquela; Uma mulher está grávida e ela e o seu marido são procurados por um homem que diz: se for menina, essa é minha, começando, logo depois do nascimento a cobrir as despesas que são feitas com a criança; e Um homem sabe que há uma menina numa casa e combina o casamento com os pais dela, depois da realização dos ritos (de iniciação), mas cobrindo desde logo as despesas para garantir que a criança lhe será entregue”, refere o estudo da WLSA Moçambique que estamos a citar.

Sob a capa de preservar a tradição perpetua-se a ideologia patriarcal dominante

Foto do UNICEFFalando durante o lançamento da estratégia a ministra Cidália Chaúque revelou que o seu pelouro não tem os fundos necessários para a materializar.

O @Verdade constatou que o dinheiro necessário implementar a estratégia é cerca de 20 vezes maior do que todo o orçamento combinado para o funcionamento e investimentos, a nível central, do Ministério do Género, Criança e Acção Social durante 2016.

É irónico notar que umas das acções previstas da matriz, desta estratégia nacional de prevenção e combate dos casamentos prematuros em Moçambique 2016 – 2019, é a realização de 1750 representações teatrais por ano através das quais se pretendem “difundir mensagens”, algo muito similar a peça de teatro de rua que algumas mulheres quiseram realizar nas cercanias da escola secundária Francisco Manyanga, na cidade de Maputo, e foram acolhidas pela repressão policial que culminou com a deportação com uma das cidadãs envolvidas na actividade de sensibilização.

Uma publicação, dos académicos Conceição Osório e Ernesto Macuácua, concluiu que em Moçambique, “sob a capa de se conservar a tradição assiste-se a um reavivar de manifestações culturais (os ritos são alguns dos exemplos mais paradigmáticos) que ilustram a necessidade de preservar uma ordem configurada pela ideologia patriarcal dominante. Como bem sublinha Lenclud (1987:118), a utilidade particular de uma tradição é possibilitar e oferecer a todos que a enunciam e reproduzem no quotidiano, os meios de afirmar as suas diferenças e de assegurar a sua autoridade e poder”.

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