Embora o género feminino seja um tanto subjugado, para ele esse costume é intolerável. Ainda nova perdeu a sua fonte de inspiração – o seu pai – , vítima da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Por essa razão, cresceu amargurada. Hoje é uma figura que dispensa qualquer tipo de apresentações, mas, para quem não a conhece, a pessoa em causa chama-se Rosália Mboa. Ela dança e canta com um gosto imensurável. Através das suas, nostálgicas, músicas, a artista expressa a angústia, o amor e tudo o que sente e vê, neste Moçambique que se julga de todos e onde muitos já perderam a esperança de vencer.
Coincidentemente, em Moçambique, nas décadas passadas, a música foi um dos instrumentos usados, diga-se de passagem, para afogar as mágoas. Algumas das incontornáveis figuras dos nossos ritmos ligeiros foram sujeitas às mesmas condições desastrosas. À guisa de exemplo, a finada diva Elsa Mangue viu, na primeira arte, uma forma de exteriorizar os seus sentimentos, quando, ainda nova, foi separada da sua mãe e lhe foi negada o direito à educação.
Entretanto, à semelhança desta e de outras mulheres, cujo destino não lhes reservou graças nos primeiros anos de vida, encontramos a nossa artista de hoje: Rosália Mboa. Sobre ela há muito a contar, a estudar, a assimilar e a acatar.
A sua história remonta à época antes da independência nacional. A relação com a música começa aos nove anos de idade, quando integra o grupo coral da Igreja Fiel Africano. Na verdade, foi devido à sua magnífica voz que os membros do grupo, composto por jovens e adultos, aceitaram a pequena para lhes acompanhar nos cânticos.
“Quando comecei a cantar na igreja o meu pai ainda estava vivo, mas, volvido algum tempo, ele foi preso pela PIDE e, posteriormente, morto. Fiquei muito traumatizada pelo falecimento dele, porque a sua morte mudou a minha vida. Eu cresci de modo diferente daquilo que ele desejava. Eu sentia a sua falta, e adolesci a saber que o que estava a acontecer comigo não se poderia dar se ele estivesse vivo”.
Se, por um lado, a dor da perda não se detalha, por outro, os resultados alcançados devido à mesma são imprevisíveis. Por essa razão, segundo conta, o que, hoje, a artista se tornou é graças a Deus. De todos os modos, o sofrimento após a morte do seu progenitor fê-la ter mais audácia. As nostalgias que nunca se apagaram dos seus pensamentos influenciaram-na a ponto de ela criar a sua primeira música que glorifica a figura do seu eterno ídolo. O título é “Quem matou o meu pai?”.
Este tema ilustra um acto de desespero, um acerto de contas entre a artista e os assassinos. E ela acrescenta: “na verdade, conquanto soubesse, não estava à espera de uma revelação do assassino, mas, sim, era para todo o mundo saber que, embora tenha nascido pobre, tive um pai maravilhoso, civilizado…”.
A lírica que ostenta o desaparecimento físico do seu progenitor não pára neste tema. Em “Herói”, por exemplo, a cantora questiona as possíveis causas do mais bárbaro assassinato da sua vida. “Há quem se alegre com a sua morte. Há que tenha a resposta. Mas você sempre será o meu herói”.
O ritmo é de clamor e tristeza. É por essa razão que, lembrando-se da solidão, Rosália implora para que o seu coração tire essas marcas indeléveis. Cantando em Changana, Mboa questiona sobre o suposto pecado cometido pelo seu pai e que é desconhecido por, quase, todos.
Embora tenha sofrido, Rosália não é só de prantos. Em “Regalia”, a artista manifesta uma crítica social. A corrupção e a sabotagem dos recursos do Estado que, mais uma vez, se circunscrevem às suas melodias, afligem-na de tal sorte que canta: “abusa as regalias, não tem responsabilidades”.
E isto sempre é contínuo. Cada música é uma verdadeira face da sociedade moçambicana.
“Deus deu a Todos”!
Dadas as circunstâncias, ou se calhar a coincidência, ainda neste mês da mulher Rosália Mboa vai lançar o seu novo trabalho discográfico. É, na verdade, uma continuidade do que a artista vem fazendo desde a década de 80. “Deus deu a Todos”, composto por 11 faixas, todas novas e concebidas nos últimos três anos, é como se chama a obra, a ser lançada, no dia 30, no Café Bar Gil Vicente, em Maputo.
Segundo conta, o título do trabalho é o espelho real da nossa condição humanitária. “Deus deu a todos. É nosso dever respeitarmo-nos mutuamente. Não importa a categoria. Ninguém é polivalente”, conclui.