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A Polícia pode estar certa ao negar a existência da gangue de “engomadores”

A existência de um grupo de assaltantes de residências composto por 20 elementos, por isso, conhecido pelo cognome “G20”, tornou-se uma conversa vulgar. No bazar, “chapa 100”, dentre outros lugares, tornou-se corriqueira a menção a essa suposta quadrilha que, para além de assaltar domicílios, agride fisicamente, viola sexualmente e passa a ferro o corpo das suas vítimas como forma de coagi-las a revelar os locais onde guardam dinheiro e outros bens valiosos.

Dos vários casos que registámos a partir de denúncias de cidadãos, de contactos com a Polícia e com as unidades hospitalares de Maputo e Matola, verificámos a ocorrência de vários crimes relacionados como assaltos, agressões físicas e violações sexuais de cidadãos de ambos os sexos.

Entretanto, não foi possível identificar, até ao fecho da presente edição, a existência de alguma vítima que tenha sido torturada com um ferro de engomar pelo “G20”, excepto um cidadão cujo caso é confirmado pela Polícia, e que teve lugar em Julho passado, no bairro de São Dâmaso, no município da Matola. Não tivemos evidências ainda de avisos que alegadamente têm sido afixados em algumas casas a anunciar que os proprietários das mesmas serão as próximas vítimas dos meliantes.

Aliás, semanas dias depois dos patrulhamentos feitos por populares como forma de estancar a criminalidade nas suas comunidades, começou-se a ouvir várias correntes de repúdio, uma vez que havia desmandos e aproveitamentos no meio desse trabalho. O que no princípio era uma tarefa comunitária aparentemente organizada, transformou-se numa bandalheira que culminou com algumas mortes de pessoas inocentes, das quais o escritor Alex Ferreiras (de nome artístico Alexandria), por ter sido confundido com um integrante do bando em apreço.

Desde que se começou a falar do assunto que actualmente agita, pavorosamente, os moradores dos municípios de Maputo e da Matola, para além de informações que têm sido propaladas por diversos órgãos de comunicação social, sobretudo pelas redes sociais, o @Verdade recebeu várias denúncias de cidadãos que supostamente teriam sido torturados com o ferro de engomar pelo “G20”. Contactámos uma parte significativa desses compatriotas, porém, o que constatámos é que ninguém se identifica como vítima “engomada”, mas sim, assaltada, agredida fisicamente ou violada sexualmente.

Os roubos nas residências e as agressões físicas na via pública já se transformaram em assuntos corriqueiros em diversos pontos do país, principalmente nas cidades de Maputo e Matola. Disso a população queixou-se várias vezes e passou a não fazer caso a partir da altura em que a Polícia se revelou incapaz de estancar tais actos. Mas a ira da população exacerbou-se quando uma notícia dando conta da existência de um grupo assaltantes, “engomadores” e “violadores sexuais” correu mundo em princípios de Julho passado.

O patrulhamento colectivo, diga-se, até certo ponto desorientado, foi a primeira reacção popular. Todavia, a corporação foi sempre firme num aspecto: o da ausência de “engomadores”. “Pelos dados que a Polícia tem em seu poder, este estado de medo não encontra justificação nos factos que ocorrem. A sua justificação deriva de uma situação de boatos que são desenvolvidos por pessoas desonestas. Não é uma situação real… é boato. E, por causa disso, a nossa população está a sofrer”, disse o ministro do Interior, Alberto Mondlane.

Se na altura em que tais afirmações foram televisionadas, radiodifundidas e postas a circular, também, pela imprensa escrita, soavam como uma desculpa perante a recorrente inoperância da Polícia, hoje, com certeza, se pode dizer o contrário: a corporação tinha razão. Não existem “engomadores” até que algum cidadão prove o contrário.

Para reforçar essa tese, a nossa Reportagem visitou as duas maiores unidades sanitárias da capital moçambicana (hospitais Geral José Macamo e Central de Maputo) para apurar se alguma vítima “engomada” pelos malfeitores teria sido assistida numa delas. Para nossa surpresa, nenhum livro de registo dá conta disso. Contudo, foi-nos confirmada a existência de pessoas que beneficiaram de observação médica por terem sido agredidas fisicamente e violadas sexualmente pelo referido “G20”.

Com a falta de evidências de indivíduos que tenham sido castigados com o ferro de engomar e de registo de entrada dessas vítimas em diferentes unidades sanitárias, há que dizer que, em parte, a Polícia está certa quando afirma que não existe nenhum “engomador”. Isso não passa de um boato propalado com o intuito de aterrorizar os moradores e criar insegurança e medo nos bairros.

Dez minutos de pânico

Por volta da 01h:25 da madrugada de domingo, 11 de Agosto corrente, Fernando, residente no bairro da Polana Caniço “A”, na cidade de Maputo, viveu momentos de terror, durante 10 minutos, concretamente na Rua da Soveste.

Naquele dia, o nosso interlocutor, a esposa e os amigos – que se faziam transportar numa viatura particular, idos de uma festa algures no bairro das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) – foram interpelados por perto de uma centena de indivíduos compostos por adultos, alguns bêbados, jovens e crianças, e munidos de instrumentos contundentes, dos quais catanas, ferros e facas de cozinhas. O grosso dessas pessoas era do sexo feminino. “Elas são dos bairros de Maxaquene e da Polana Caniço. Mandaram parar a viatura na qual viajámos e disseram que estavam a “caçar” os malfeitores que tiram o sono à população”.

Na altura em que Fernando e os seus companheiros eram abordados pelos supostos vigilantes, a poucos metros do lugar onde se encontravam (na esquina de “Compone”) havia agentes da Lei e Ordem que não puderam fazer nada devido à superioridade numérica do grupo. “A Polícia foi obrigada a abandonar o local. Quando procurámos saber o que se passava, mandaram-nos abrir as portas do carro, fomos revistados, arrancaram-nos os telemóveis, dinheiro e ameaçaram-nos de morte”.

De acordo com Fernando, alguns automobilistas que tentavam fugir quando recebessem ordens para imobilizar as suas viaturas eram perseguidos e os seus carros eram danificados de forma brutal e gratuita. “Acho o patrulhamento devia ser feito de uma outra maneira, bem estruturada e sem envolver as crianças porque podem crescer com essa mentalidade de vandalismo”, lamenta.

Que grupo é esse capaz de abranger Maputo e Matola?

Hermenegildo Tamele, residente no bairro de Magoanine “C”, é também um dos vários cidadãos que partilharam connosco as suas experiências amargas por causa do patrulhamento popular nocturno. Ao nosso Jornal, ele contou que na madrugada de segunda-feira, 12 de Agosto, foi interpelado por um grupo de pessoas igualmente munidas de instrumentos contundentes, numa altura em que regressava de um espectáculo. O entrevistado abandonou a festa porque não se sentia bem de saúde, porém, nas imediações de Magoanine, ele e o taxista foram intimados por supostos vigilantes.

“Um dos membros do grupo que nos interpelou ordenou para que eu me identificasse e perguntei quem era a pessoa que exigia os meus documentos. Procurei saber ainda se nos meus documentos estava escrito ladrão ou era possível reconhecer um malfeitor através do seu bilhete de identidade. Um dos integrantes do grupo que nos mandou parar estava muito agitado, proferiu ameaças e insultos”.

Entre os referidos vigilantes e Tamele houve uma discussão cuja consequência foi a destruição de um dos vidros laterais do táxi que o transportava para casa. “O motorista estava a tremer de medo, porém, passado algum tempo, as pessoas que nos mantinham naquela situação começaram a abandonar o local onde nos encontrávamos e a proferir insultos à distância”.

Depois desse episódio, a primeira reacção do nosso interlocutor foi contactar o ocorrido à Polícia mas esta apresentou a falta de combustível como a dificuldade com que se debatia naquele momento com vista a ir atrás das pessoas que pretendiam agredir Tamele. Juntaram-se algumas moedas para abastecer o carro e foi-se à procura dos indivíduos que acabavam de perturbar a ordem pública. “Das 03h:00 de madrugada às 08h:00 estávamos a andar de um lado para o outro em Magoanine. Conseguimos identificar alguns indivíduos, que foram presos”.

Num outro desenvolvimento, Tamele disse que não está a favor das patrulhas que são feitas pelos moradores dos bairros de Maputo e Matola porque no meio disso há muito oportunismo, vandalismo e um barulho ensurdecedor durante as noites por causa de apitos e vuvuzelas (instrumento popular de sopro de plástico).

“Acham (os residentes) que o ladrão pode colar panfletos nos bairros a dizer que vem fazer um assalto. Que louco é esse? A criminalidade sempre existiu e não é um problema de hoje. E não acredito que seja o mesmo grupo de pessoas que tem estado a criar desmandos, medo e insegurança nos bairros. Será que esse grupo de malfeitores é tão grande que consegue abranger as cidades de Maputo e da Matola ao mesmo tempo?”, perguntou o cidadão.

Um sofrimento pela vida

A vigilância feita nos bairros de Maputo e Matola tem sido um autêntico sofrimento para as pessoas que integram as equipas de patrulha, sobretudo para aqueles que trabalham, estudam e cujo regresso a casa é feito poucas horas antes da concentração para as rondas. São noites consecutivas sem poderem dormir. Por isso, em alguns bairros, a vigilância cessou.

É difícil imaginar com tem sido a vida de uma pessoa que participa na patrulha por volta da meia-noite, regressa ao seu domicílio por voltas das 04h:00 da manhã e às 06h:00 já deve estar na estrada em direcção ao trabalho ou à escola. Por vezes, o percurso da paragem para a residência desse compatriota leva meia hora. Com os crónicos problemas de transporte, esse indivíduo viaja de pé, em situações desconfortáveis e sem condições para cochilar por alguns minutos.

A mesma pessoa, quando chega no seu posto de trabalho, dependendo das funções que exerce, não tem hora de descanso. No fim do dia, a distância a percorrer de regresso é a mesma. Para o caso das mulheres, algumas, em casa devem ocupar-se de determinadas tarefas domésticas antes de irem à patrulha. Que vigilância está a fazer esse indivíduo nas condições físicas e psicológicas em que se encontra? Eis a pergunta dos nossos interlocutores, que ao mesmo tempo defendem que enquanto os moradores “passearem” de um lado para o outro a tocar batuques, apitos e vuvuzelas nenhum malfeitor irão deter porque da forma como procedem despertam a sua atenção.

Para além desse sofrimento a que os habitantes se sujeitam para escaparem das incursões malévolas da gangue “G20”, há cada vez mais pessoas a defenderem a ideia de que as patrulhas populares devem cessar ou serem mais ordeiras, pois há gente inocente a morrer, a ser castigada e a contrair lesões graves em consequência de estar a ser confundida com os assaltantes.

Há criminalidade mas não como se tem propalado

O Presidente da República, Armando Guebuza, disse que os episódios de delinquência que atormentam os moradores de Maputo e da Matola não devem ser vistos como um alastramento do crime para proporções descontroláveis, mas sim como uma vaga de agitação. Face à situação, o estadista moçambicano apelou para que as comunidades se mantenham mais serenas e vigilantes, e que continuem a colaborar com a Polícia da República de Moçambique (PRM), que está empenhada em clarificar e resolver esses problemas o mais depressa possível.

Guebuza reagia a partir da vila de Luenha, sede distrital de Changara, a 90 quilómetros da cidade de Tete, última escala da Presidência Aberta e Inclusiva que efectuava àquela parcela do país.

Houve, de facto, segundo o Presidente, casos recentes de crimes violentos que foram aproveitados por alguns indivíduos para ampliarem e multiplicarem o seu efeito, até porque essa é a finalidade de um panfleto (supostamente afixado nas casas a anunciar assaltos), e, como resultado disso, as pessoas querem de volta a tranquilidade, desiderato que é justo e legítimo. “Mas não podemos concluir que é uma onda de criminalidade, mas sim, de agitação”.

Guebuza disse, também, não acreditar que a PRM não esteja a fazer nada, porque hoje, ontem e anteontem e antes disso estava envolvida em jornadas de patrulhamento com as populações e a pedir que elas aceitassem a sua direcção nessa acção a nível dos bairros. Muitos aceitam, mas ainda há alguns grupos que têm dificuldades em enquadrar-se nessa ordem. Todavia, o apelo é que as comunidades mantenham a serenidade, aumentem a vigilância e continuem a colaborar com a Polícia.

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