Daqui a três dias faz um ano, lembras-te Sofia? Tu a trabalhar na grande maçã e eu aqui, feito parvo, à espera que tu voltasses quando acabasse o teu contrato milionário com a corretora americana que te descobriu no MBA onde, para variar, eras a melhor aluna e onde, para variar, eu era o pior.
Nem sei mesmo como é que passei os exames de admissão, nunca fui bom em números ao contrário de ti, meu pequeno génio da Economia, que no primeiro ano já discutias com o professor de Introdução à dita a inviabilidade prática da teoria da mão invisível, enquanto passavas a tua de forma quase imperceptível pelo intervalo das minhas calças.
O resultado dessas festas aparentemente distraídas e consequentes tornava-se obviamente visível, contingência que me obrigava a ficar sentado muito tempo depois de todos terem saído do anfiteatro, com o pretexto de estar a passar a limpo apontamentos. Foram cinco anos de contida loucura e desespero profundo.
O desespero de te desejar, depois de te possuir, depois de fingir que nem sequer gostava muito de ti para lá dos orgasmos sintónicos que juntos nos faziam voar como dois pássaros bêbados, e depois o desespero de te ver a sair com outros rapazes, sem nunca saber que só lhes escorregavas a mão por entre as calças ou se também os ensinavas a voar.
E o desespero de te ver sempre à frente, mais rápida, mais esperta, mais adulta e com melhores notas na pauta, a rires-te com a arrogância típica dos génios ao ler os meus esforçados dozes e trezes, que eu nasci poeta e que nunca devia ter tirado economia, mas um filho de um engenheiro civil em Letras era demais para o coração do meu pai, coitado e nem isso o safou do enfarte um semana antes de me saber formado nessa maldita ciência a que chama economia.
Quando me disseram que dois aviões tinham furado as torres do World Trade Center, por momentos imagineite, dramática e desesperada, presa nos últimos andares e fiquei muito quieto, sentado na sala de reuniões onde esperava um cliente daqueles que preferem falar de investimentos à hora do almoço do que investir no prazer de um bife e vou-te ser muito sincero, minha diabólica Sofia, por momentos saboreei a tua hipotética morte.
É que me pus a passar a limpo todas as patifarias que me fizeste, contando com a de me deixares à porta da igreja há três anos, sem esquecer as tuas aventuras com o Carlos, o Manel, o Francisco e o Pedro, isto para começar a rebobinar desde o primeiro anos e ainda nem chegámos à segunda época. Mas depois da reunião com o senhor que não aprecia bifes nem do lombo, a tua mãe ligou a dizer para eu não me preocupar, porque nessa semana, por acaso, tu tinhas ido a Londres a uma reunião.
E juro-te Sofia, que me apeteceu apanhar o avião e fazer-te uma surpresa no Hyde Park, subir à pedra onde os malucos pregam ao domingo e dizer-te que apesar de me teres mentido, me teres enganado e me teres estragado a vida e fechado o coração para o mundo, eu gosto de ti, mesmo fria, mesmo doida, mesmo assim.