A música saltava do GBox, a caixa de música electrónica com a qual a tecnologia permite pedir esmola, aliás, amealhar moedas de forma disfarçada. A música enchia o bar. Passeava e preenchia todos os espaços livres, até garrafas e copos vazios dos alcoólatras que, tendo atingido o limite máximo de dívidas, não tinham mais negócio possível com o bar-man. Dançavam toda a música que vinha, animada e desanimada. Aguardavam, com a paciência de esperar pela chuva, a possível chegada de conhecidos e desconhecidos que se importassem em encher os seus copos vazios pululados pelas moscas embriagadas a esvoaçarem aos cambaleios.
Pausa. Ninguém continuou a dançar quando a Sarita, lindíssima suburbana, se fez aparecer pela entrada do bar. Ninguém dançava apesar do alto som da música “xíkurhà”, não sei se dzukuta ou pandza, de Ziqo e Danny-og. Até mulheres pousaram os olhos na entrada onde se destacava o rosto da jovem mais linda do subúrbio. Parecia obra das mãos de um artífice dentro daquelas vestes elásticas que percorriam, com santa obediência, todos os contornos do corpo até aos mínimos detalhes.
Ciente da sua beleza e cheia de auto-estima, Sarita endireitou as roupas, de tecidos obedientes àquela rara escultura: seios em pé, traseiro dançante a cada mínimo movimento de qualquer parte daquele corpo esbelto, pernas esguias. Parou demoradamente no portão que se fez seu palco. E os bebirões, no interior do bar, uma plateia encantada.
A passos calculados, Sarita dirigiu-se ao balcão, onde o bar-man gemia, perceptivelmente, a cada passo com que Sarita se aproximava. Uns acompanhavam-lhe os passos e curtiam-lhe a denguice do traseiro e dos seios, peças raras as da Sarita. Outros reanimavam-se da tensão e retomavam a dança de “xíkurhà”, a música que estava a bater.
– Dê uma preta – disse Sarita ao bar-man que se precipitou para o frigorífico, donde retirou uma garrafa de cerveja preta, gesticulando obediência que se devia à Rainha Nzinga Mbande nos reinos de Ndongo e de Matamba, lá nas terras dos nossos irmãos angolanos. Irmãos porque, à nossa semelhança, têm uma longa história com os portugueses.
Pousada na mesa, a garrafa suava. Suava como suavam aqueles dançantes de não sei se dzukuta ou pandza. A garrafa de cerveja preta deixava escorrer, pelo rosto liso, o suor frio que aumentava o apetite da bela Sarita, “miss” das barracas, assim era conhecida por serem raras as noites que ela não despendia nas casas de álcool, música entre outros prazeres lascivos como diriam os fiéis à Bíblia sagrada.
– Mais uma – disse a “miss”.
O copo viu-se afastado da Sarita. A garrafa por si beijava aquela bonita boquinha redonda, adornada de batom. Era uma rosa vermelha aberta, fresca, mas perfumada com álcool e rodeada de espuma de cerveja.
– Mais uma – disse entre risos de embriaguez.
Mais uma, mais uma, mais uma… embebedava-se a “miss”.
– E a minha casa? – perguntou a “miss” a um bêbado qualquer.
– É alí – respondeu o bêbado apontando a porta do banheiro. Sarita tinha imensa vontade de descarregar a indolência da embriaguez numa cama confortável. Cambaleou para o banheiro onde se estendeu no chão à maneira de cair num colchão de espuma.
Depois foi uma bicha de adolescentes, jovens e idosos, todos alcoólatras, a seguirem rumo ao banheiro donde saíam leves e satisfeitos, ainda a ajeitarem as fivelas aos cintos das calças.
Quanta festa com a “miss”!