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Editorial: A mão de Deus em forma de cápsula

No momento em que escrevo estas linhas – quarta-feira às 20h00 – estão resgatados das trevas da mina de San José, no deserto de Atacama (Chile), 18 mineiros que permaneceram 69 dias a 700 metros de profundidade. Mais de metade, portanto – ao todo são 33. A operação, até agora, tem excedido todas as expectativas no que concerne ao tempo entre um e outro resgate.

Durante todo o dia, devido à azáfama do fecho da edição, tenho lançado olhares para a televisão, sintonizada na CNN. Esta estação norte-americana de informação tem ocupado praticamente 100% do tempo de antena das últimas 24 horas com o acontecimento.

Foi de facto emocionante e comovedor assistir à subida daquela cápsula de 50 e poucos centímetros de diâmetro e ver sair, de dentro dela, alguém que esteve 69 dias sem ver a luz do dia e com o espectro da morte como uma espada de Damocles permanentemente sobre a cabeça.

Aquela cápsula parece ter sido guiada pela mão de Deus, como a bola saída da mão de Maradona que foi parar ao fundo das redes de Peter Chilton, o guardião inglês, colocando a Argentina nos quartos-de-fi nal do Mundial de México de 1986.

Para estes 33 bravos é como se as respectivas mães tivessem novamente dado à luz num segundo parto, porque sem dúvida que se trata de uma segunda vida, em todos os aspectos, emocional, físico e profi ssional. Para eles nasce hoje uma segunda vida feita de fé, esperança e confi ança em como é possível atravessar todos os obstáculos.

Bonito foi ver também a unidade nacional em torno deste drama. O Presidente, Sebastián Piñera, teve um comportamento exemplar ao não arredar pé do local do resgate e fazendo questão de cumprimentar e abraçar um a um os mineiros resgatados, tendo para todos eles palavras de incentivo.

Como eu gostaria de ver uma atitude semelhante nos nossos governantes perante uma catástrofe parecida. Já tivemos algumas bem piores, com dezenas de perdas de vidas humanas, e a resposta foi a indiferença. Aliás, estas situações extremas são um bom barómetro para medir a proximidade entre governantes e governados e aferir das preocupações dos primeiros em relação aos segundos.

Nisso o Chile deu um exemplo ao mundo, reunindo as mais altas fi guras de Estado à volta da mina. Por isso hoje senti-me chileno dos pés à cabeça, vestindo tanto o capacete dos mineiros como a gravata presidencial.

Hoje, o Chile mostrou-se à altura de pena de Pablo Neruda, da bondade de Salvador Allende, da guitarra de Victor Jara e de Violeta Parra, da coragem “de los desaparecidos”, do espírito observador de Luis Sepúlveda, da destreza da selecção de futebol no Mundial de 1962 e do país com maior espírito e tradição democrática da América Latina que só a ditadura de Pinochet interrompeu. Parabéns.

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