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A juventude ao deus-dara

Muitos jovens, quando me ouvem dizer que quando deixei de estudar fi-lo sem querer, mas sim por outras razões, ficam sempre à espera de ouvir a minha história. No longínquo ano de 1977, estudava na Escola Secundária Josina Machel, e fui contactada para fazer parte dos jovens quadros do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um ministério novo, de raiz.

O dever pátrio chamava! E aí fui eu com os meus 18 anos trabalhar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Trabalhei, foi-me dada formação e, durante alguns anos, não tive a oportunidade de estudar. Naquela altura só podia estudar durante o período diurno e, para isso, não havia tempo. Entrávamos às 07h30 e saíamos muitas vezes às 22h00, 24h00, 02h00, etc., dependendo do trabalho.

Em 1985 pedi ao meu chefe para voltar à escola a fim de terminar a minha 11ª classe (que agora corresponde à 12ª). Ele aceitou mas, para meu espanto, a escola disse que não tinha lugar para mim. Ele teve de explicar ao Ministério da Educação que eu fazia parte do grupo que sacrificou os estudos por este país e que agora tinha, pelo menos, o direito a continuar os meus estudos. Eles arranjaram 9 ou 10 lugares, não me lembro bem.

Fui eu e mais alguns colegas do Ministério que também não estudavam há algum tempo. Não foi fácil, depois de oito anos voltar à escola. Naquele ano, decidi fazer um filho, casar-me e ao mesmo tempo acabar a 11ª. O curriculum tinha mudado e, por isso, tinha de fazer as duas secções, letras e ciências. Antes de interromper, eu estava só a fazer ciências, pois o meu objectivo na altura era fazer medicina. Eu sabia que as oportunidades só vêm uma vez na vida e, por isso, sabia que tinha de passar, que tinha de estudar, e que tinha de passar de uma só vez.

Não foi fácil, algumas vezes tinha de trabalhar aos fins-de-semana e feriados. Esse tinha sido o meu acordo. E sempre que fosse preciso me chamariam. Depois de muitas lutas e quase no fim da minha gravidez, eu passei a todas as secções depois de me submeter a exame a todas as cadeiras. Naquela altura não se dispensava por disciplina. Ainda me lembro de que da minha turma de trabalhadores eu fui a única que ficou aprovada logo à primeira. Eu morava no Museu e estudava na Francisco Manyanga. Não havia transporte público, praticamente, por isso, com a minha gravidez, ou apanhava boleia de alguma alma caridosa que tinha pena da minha barriga, ou ia a pé e voltava a pé. No ano seguinte deveria ter continuado no ISRI.

O meu chefe pediu para eu ficar a trabalhar um ano, porque a minha colega era doentia e ele precisava de apoio. Claro que fiquei sem estudar e continuei a trabalhar. Depois foi uma mudança radical na minha vida. Aconteceu o Mbuzini, fiquei traumatizada com a morte de tantos colegas e amigos e pedi para deixar o Ministério. O meu pedido foi aceite. Comecei a trabalhar numa instituição das Nações Unidas. Na altura, se não estou enganada, o único curso que havia à noite era o de Direito. Eu para Direito de certeza que não iria.

Não podia continuar a estudar porque a instituição não autorizava que se frequentasse o curso diurno. Eu sempre dizia para mim própria: “Eu vou esperar, há-de haver um dia em que eu vou continuar a estudar.” Os anos foram passando, com responsabilidades sociais mais pesadas e, finalmente, achei que já podia voltar aos bancos da Escola. Vou estudar Turismo, foi a minha primeira ideia. Fiz exame de admissão ao ISPU, A Politécnica agora, passei no exame. Matriculei-me, mas só depois verifiquei que o primeiro ano era no período da tarde, durante horas de trabalho e, estando numa instituição privada, isso não era possível.

Tive de cancelar a matrícula. Parecia que ainda não era daquela vez. Então sugeriram-me para mudar para Administração e Gestão de Empresas, pois muitas das cadeiras eram as mesmas. Aceitei o desafio. Por questões laborais, decidi no primeiro ano fazer metade e no ano seguinte fazer outra metade. Agora estou no fim do terceiro ano e, graças a Deus, sem nenhuma cadeira pendente. Algumas pessoas amigas que sabiam que eu sempre quis estudar disseram: “Tu realmente conseguiste”. Eu disse-lhes: Para que alguém, um dia consega alguma coisa, primeiro tem que dizer: “EU vou conseguir isto” e lutar, lutar até conseguir.

Ainda não sei se vou conseguir acabar o curso em tempo útil como gostaria, mas vou fazer os possíveis. Felizmente tenho pessoas amigas que me apoiam e me dão força e não as posso desiludir. Mais ainda, tenho já um desafio de antigos colegas do Ministério dos Negócios Estrangeiros que estão no ISRI para ir lá tirar uma pós-graduação. Eu vou aceitar o desafio. Logo que terminar o curso na A Politécnica, vou ao ISRI tirar a pós-graduação. Aí posso considerar encerrado este capítulo de formação académica.

Não é fácil, para alguém que é trabalhadora, mãe, esposa, colaboradora social, estudante, conseguir conciliar tudo isto, mas, sem sacrifício, nunca se consegue nada. Normalmente acordo às 04:30- 05:00 horas. Vou à ginástica ou estudo. Preparo-me para o trabalho. Fico no trabalho até às 17:00 horas. Às 17:00 horas vou para a escola que começa às 17:30 horas. Aí fico até perto das 22:00 horas. Chego à casa, converso um pouco com a família, se estiver acordada, entro na Internet para ver e-mails e para fazer pesquisa escolar.

Por volta das 24:00 horas vou dormir. Cinco dias por semana, este é o horário. Aos fins-de-semana, tenho sempre de estudar com um pouco mais de cuidado. Tenho de ir às compras semanais. Tenho de visitar família e amigos. Tenho também de me divertir um pouco, pois o stress semanal é tão intenso que se não fizermos isso podemos tornar-nos candidatos a sofrer esgotamento cerebral.

Mas garanto, meus amigos, que no fim do curso, vai-me saber muito bem receber aquele diploma com a certeza de que aumentei o meu anglo de visão, que enquadrei cientificamente os meus conhecimentos empíricos, da experiência, que tenho outro poder de análise das situações e dos problemas e que tenho mais uma ferramenta para desempenhar melhor as minhas tarefas no meu trabalho.

Nunca é tarde para estudar, e tudo se consegue na vida quando alguém tem determinação e realmente luta de forma honesta por um objectivo digno. Primeiro que tudo tem que dizer

“EU QUERO”!

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