Isto aconteceu ontem. Ou seja, no dia em que, por força do destino, fui ao serviço sem usar a minha cueca de estimação, a mesma que herdei do meu bisavó Shirangano e que estou prestes a perder por ainda não ter cumprido a missão: quebrar o seu recorde de fi lhos.
Meia hora passava já das 17, e eu encontrava-me ainda na paragem lutando por um lugar no chapa para poder chegar a casa depois de mais um dia de trabalho enfadonho.
Quando pensei que o dia tinha sido igual ao de ontem e, certamente, não muito diferente do de amanhã, apercebi-me de que estava redondamente enganado. Afinal, o pior ainda estava por vir, em todo seu esplendor. Já explico!
Depois de quatro frustradas tentativas de apanhar o chapa, dei por mim a pensar na minha peça íntima que havia colocado a secar sobre as espinhosas que cercam a minha casa. “Epá, já se foi a minha cueca!”, gritei.
Algumas pessoas olharam-me com desdém e outras entreolharam-se, admirados. E um breve sorriso adejou em meus lábios. Timidamente, dei dois passos para a esquerda e um para frente. Suspirei!
Aproximava-se um transporte. Como nunca, desta vez estava solidamente engajado em obter um espaço no chapa. Mal o veículo começou a abrandar, subitamente dei um valente salto e segurei, com muita garra, a janela próxima da porta.
Quando o chapa definitivamente abrandou, coloquei-me entre as pernas do cobrador, e quando tentava entrar, qual uma cobra, bati com a cabeça no banco que fi ca mesmo à porta do veículo. Finalmente, consegui um lugar no meio daquele mar de gente que superlotava o chapa.
Dentro do chapa, respirei fundo e tentava ignorar a dor que começava a emergir do lado direito da minha testa, alastrando-se rapidamente pelo topo da cabeça. “Cheguem mais para atrás. Deixem os outros passar”, pedia o motorista, não muito satisfeito com a superlotação.
Ouviam-se murmúrios entrecortados com a voz do cobrador que também insistia com os passageiros para darem lugar a outros. Três minutos depois, o chapa arrancou.
No interior do veículo, as conversas eram banais: falava-se da temperatura, do tempo, do custo de vida, do futuro e nunca, mas nunca, se falava das condições em que éramos transportados, quais herbívoros que abundam no planalto de Tete.
Na verdade, isso pouco me importava, pois a minha grande preocupação tinha a ver com o contacto físico com uma mulher de meia idade que mais se parecia com uma abóbora roliça tratada com o devido esmero. O meu sangue fervia e de seguida senti um arrepio em todas as partes do corpo.
A senhora virou a cabeça e olhou para a minha cara antes de olhar para a zona da minha cintura para baixo. “Ela já se apercebeu da situação”, pensei silenciosamente. Segurando a barra de ferro com as duas mãos, fingi que não era comigo e ela ajeitou-se para frente, mas, como não havia espaço sufi ciente para qualquer tipo de manobra, voltou à posição inicial. Suspirei, desta vez mais intenso.
– Não estou a gostar do jeito que o senhor está a se encostar a mim! – comentou num tom baixo.
– De que jeito? Por acaso, a senhora não vê que não há como não nos encostarmos uns aos outros!!?
– Não se faça de parvo! O senhor sabe muito bem do que estou a falar. É melhor comportar-se bem senão faço um escândalo – disse com um olhar felino.
Engoli a saliva. Tentei ficar de costas, mas era impossível. Então, coloquei uma mão no bolso, e outra segurando a barra de ferro, virei-me um pouco para a esquerda, diga-se, numa posição desconfortável. Respirei fundo.
Pensei, sem sucesso, em mil e uma coisas de que não gosto de modo a refrear os ânimos que começavam a se elevar devido ao contacto com a tal senhora. A viagem parecia infi nita. Bruscamente o chapa travou, pregando um valente susto aos passageiros.
– Onde é que tiraste a carta de condução? – perguntou num tom sarcástico um dos passageiros.
– Na internet! – ironizou o motorista.
Decidi descer do chapa e caminhar até a casa, afinal, restavam apenas dois quilómetros por precorrer. Sair pela porta era impossível, aliás, a janela era a única saída. Não me fiz de rogado e lá fui. Pus-me a caminhar.
Já deviam ser 20 horas quando me aproximava da minha casa. Notavase uma pequena agitação e apressei os passos para me inteirar da situação. Mal entrei no quintal, a minha esposa veio a correr e puxou-me para a casa da nossa vizinha e disse:
– Os teus tios vieram buscar a cueca.
– Porque é que não entregaste? – perguntei, prenunciando mau agurio.
– Aí está o problema! O Macanga apoderou- se dela.
Agastado, sai disparando para a casa do chefe do quarteirão. Coloqueio a par da situação e fomos à casa de Macanga, um jovem conhecido no bairro inteiro por aterrorizar os moradores e pela sua paixão desenfreada em apoderar-se dos bens alheios. Encontrámo-lo enrolando a sua erva preferida, cannibis sativa. Olhou para mim, sorriu cinicamente e disse:
– Só entrego se me mostrar a campa do meu ídolo, Bob Marley.