Ainda com as feridas do Ciclone Idai abertas e sem grande parte dos apoios prometidos os beiresenses procuram sobreviver a uma nova crise, desta vez causada pelas restrições para conter a pandemia da covid-19. “A nossa vida piorou ainda mais com a covid-19, está difícil ter comida todos os dias” desabafa Luísa Chiboane, uma viúva que sobrevive do comércio informal e continua aguardando pela ajuda prometida pelo Governo e instituições internacionais. Já o promotor de eventos culturais Carlos Velinho recorda como sobreviveu a pandemia “os técnicos de saúde do Mar Azul não me queriam internar”.
“Não quero recordar mais o sofrimento que o Idai trouxe-nos, até hoje ainda tenho trauma. Eu sou viúva a minha casa construí com muito sacrifício através do pequeno negócio que faço de hortícolas e outros ficou sem tecto algumas paredes sofreram, perdi todos bens, ficamos fora naquele dia, assim apanhei as chapas destruídas cobri uma parte só para conseguir pôr cabeça com os meus filhos, estou a lutar para ver se consigo reabilitar a minha casa, veja que até hoje ainda não recebi nada, só ouvi falar que tinha apoio para as vítimas do Ciclone Idai”, começa por relatar Luisa Alberto Chiboana.
Mãe de seis filhos e residente no Bairro de Macurongo foi um dos “beirenses” que se amotinou defronte do Governo da Província de Sofala em finais do ano passado exigindo os apoios prometidos às vítimas do Ciclone Idai, “o Governador pediu-nos as fotocópias de Bilhetes de Identidade e nós acreditamos que iria resolver a nossa preocupação, mas até hoje não temos nenhuma resposta, ele como pai de família deveria saber distribuir o pequeno bolo para todos, não sei se os nossos documentos ainda existem ou porque foram deitados fora”.
Aos 50 Luísa sobrevive do comércio informal no Mercado da Praia Nova contudo as medidas de prevenção tomadas pelo Governo para travar a propagação da pandemia da covid-19 “vieram piorar cada vez mais a vida, está difícil sustentar os meus filhos, para dar três refeições diários não está fácil, eu dou aquilo que consigo a minha família”.
“Antes da covid-19 conseguia ganhar 800 meticais diariamente, hoje em dia para ter 100 meticais é uma guerra e em casa estão a espera de mim para comer. Tenho quatro filhos que já concluíram a 12ª classe e não estão a fazer nada porque não conseguem emprego, os mais novos ainda estão a estudar. Estou pedir que o Governo e outros olhe também para nós os vendedores informais precisamos de ajuda com o negócio, estou ouvir falar que tem fundos para apoiar os comerciantes, nós precisamos também”, apela Luísa.
“Secretário do meu Bairro escolheu as pessoas que podiam receber apoios”
Já em Chaimite, outro dos bairros dilacerados pelo Ciclone Idai em 2019, a chefe de família Ana Paulo lembrou como foi viver sem tecto num habitação precária, “passamos mal com o frio e a chuva, mesmo agora quando chove não conseguimos dormir porque cobri através de lona, plástico e chapas estragadas”.
“Sustento os meus filhos através de negócio de venda carvão há mas de 8 anos só que agora o negócio tem pouco movimento devido a covid-19” contou ao @Verdade a jovem mãe de 5 filhos e com 2 netos explicando “compro um saco por 800 meticais e passam 3 dias antes de conseguir vende-lo com um lucro de 70 meticais, somente dá para termos uma refeição por dia e ainda desenrascar para manda-los a escola”.
De acordo com Ana Paulo “o Secretário do meu Bairro escolheu as pessoas que podiam receber apoios, eu nunca fui beneficiada, até leva pessoas de outros bairros para se beneficiar dos apoios da nossa zona, já vieram pessoas da Munhava e Pioneiro”.
“A covid-19 veio estragar ainda mais a minha actividade comercial, eu sou viúva e nunca tive nenhum apoio, houve apoios do Idai eu não fui abrangida, já tentei falar com Governador sobre os apoios da pandemia mas tenho medo daqueles militares, não sei os caminhos para falar com ele para expor a minha situação social”, lamentou a jovem.
“Governo não pode escolher as pessoas para ajudar porque nós todos sofremos”
Similar é o drama de Cristina Filipe, “a minha casa sofreu muito com o Idai e até este momento o tecto continua sem parte da cobertura. Tenho duas filhas que estão a estudar na Universidade Católica, não conseguiram entrar para a universidade pública, e não tenho conseguido pagas as propinas que cobram mesmo sem elas irem a escola devido a doença da covid-19”.
“Devido as medidas do Governo para esta doença o negócio está mal, não tem saída, por dia hoje faço 200 meticais contra 700 meticais que fazia depois do Ciclone Idai e antes disto tudo eu chegava a conseguir uma receita diária de 100 meticais”, revelou ao @Verdade a vendedora informal de 45 anos de idade e mãe de 5 filhos.
Moradora do Bairro de Macurungo, Cristina Filipe disse ter ouvido “que havia dinheiro para as vítimas do Ciclone Idai que estava sendo distribuído por Instituto Nacional de Acção Social, mas nós não recebemos nada. Assim estamos a viver abandonados com meu marido que há mais de 5 anos não consegue trabalho. O governo não pode escolher as pessoas para ajudar porque nós todos sofremos”.
“Não queria que a minha família ficasse contaminada”
Rodrigues José Rodrigues, de 37 anos e residente no Bairro de Matacuane, foi um dos 4,2 mil beirenses que testaram positivo para o SARS-CoV-2, “comecei a ter a febres fortes, isto nos princípio do mês de Janeiro de 2021, fui fazer teste de malária acusou negativo. No princípio pensei que estava tudo bem, mais depois comecei a ter crise respiratória e quando fiz analise de covid-19 e testei positivo. Tive de ser internado durante 15 dias e ainda fiquei outros 15 de quarentena em casa”.
“Uma grande preocupação é que não queria que a minha família ficasse contaminada, felizmente lá em casa fui único a testei positivo e depois adoptamos uma nova maneira de vida com a minha família redobrando as medidas de prevenção, apesar de que não está fácil com as crianças porque limitamos as brincadeiras”, detalhou ao @Verdade.
Apesar de ser funcionário da Eletricidade de Moçambique na Cidade da Beira Rodrigues chamou atenção que “o tratamento da covid-19 é oneroso e deixa sequelas. Graças a Deus os vários profissionais afecto no Centro de Isolamento atenderam-me bem e por isso estou vivo, temos que acreditar que a pandemia é uma coisa séria daí que temos que usar máscaras, agora se você põe máscaras por ver pessoas está a se enganar a si próprio”.
“Foram precisas dez botijas de oxigénio para eu viver”
Para trabalhador da restauração e promotor de eventos culturais Carlos António Velinho para sobreviver a pandemia respiratória é preciso ser forte. “Eu comecei a sentir-me mal, com dores de cabeça, tinha falta de apetite e a comida não deixou de ter sabor”.
“Após 3 dias sem dormir a 24 de Dezembro fui fazer teste de malária, deu negativo. Tentei testar para covid-19 mas não quiseram e acabei recorrendo a um médico amigo, só que fiquei pior e mesmo antes de ter o resultado fui me internar voluntariamente na enfermaria. Os técnicos de saúde do Mar Azul não me queriam internar, mas fui forte e aceitaram”, recorda-se o jovem residente no Bairro de Matacuane.
Este chefe de família com três filhos relatou ao @Verdade ter ficado “duas semanas internado, a minha esposa só vinha deixar comida e estava num quarto fechado foram precisas dez botijas de oxigénio para eu viver. Tive alta e fui para casa onde fiquei mais 14 dias isolado”.
“Como promotor musical com a covid-19 a vida está difícil, salva-me continuar a trabalhar num restaurante. Antes os eventos rendiam vários milhares de meticais mas agora temos de nos reinventar, tenho alguns colegas que para sobreviverem estão na rua a vender máscaras e camisetes. Ninguém contava com isto e nem estamos preparados para encarar esta realidade que veio para ficar”, assinalou Carlos António Velinho.