És o único chefe de Redacção que nunca me chateou em toda a minha carreira que começou em 1980. O resto é aquilo que tu próprio sabes: uma cambada de sacanas que passam a vida a cavalgar os outros e a criarem barriga por detrás das secretárias.
Sem fazerem absolutamente nada. Tu desprezavas esse tipo de gente, Dimas, eu sei. E eras respeitado pela postura leal que sempre mantiveste até ao dia da tua morte. Tinhas em todo o teu porte intelectual um homem com carácter. Que recusará pisar os outros para chegar ao outro lado. Um profissional que nunca vai querer fechar a porta a ninguém.
Lembrei-me de ti, hoje, jovem! Vi a passar por mim um carro de marca Land Rover e recordei-me daquele teu, quase cansado, no qual te transportaste nos últimos dias da tua vida, ao serviço e às tuas paródias no Sindicato Nacional de Jornalistas e no Museu, onde vais ficar horas e horas, nas entranhas da noite, a jogar bilhares. A beber um copo de vinho que está sempre a ser enchido e um maço de cigarros que está permanentemente disponível para te queimar os dedos e os pulmões e os lábios e os dentes e os testículos.
Eras um homem incapaz, Dimas! O diabo pegava no cigarro, sorria para ti e te passava com estilo do inferno. E tu recebias sem poderes recusar. Eras muito fraco: o diabo metia veneno no copo de vinho e te entregava, sorrindo sarcasticamente, e tu recebias, sorrindo também. Ingenuamente! Ias para o lado onde o diabo te chamava, sem nenhuma arma para te defenderes.
Mas não te preocupes com isso porque neste chão, onde pisaste com trabalho e honra, ainda estarão por muito tempo aqueles que te têm como paradigma de trabalho e organização. Ria-me de ti quando te via no teu Land Rover, branco, quase cansado como tu. Estavas magro. Parecias um condutor das matas a caminho das serrações. Havia uma grande coincidência entre vocês os dois – tu e o teu carro – : o cansaço. E tu caminhavas em direcção ao outro lado, onde, para chegares, tinhas de atravessar esse precipício. Nós sabíamos que eras incapaz de chegar lá.
Tu também. Mas aceitaste subir por de cima da corda e praticar o equilibrismo. Ri-me bastante quando te vi, com o cigarro de um lado e o copo de vinho do outro, querendo atravessar, por de cima da corda, o precipício! Eu sabia que não chegarias a mais nenhum lugar, depois de teres atingido o patamar de um profissional competente e homem leal. Tudo já tinha acabado para ti.
Estavam prontas as pedras afiadas sobre as quais cairias no último dia. Tinhas de subir por de cima daquela corda. E subiste. Desde dois passos, com o copo de vinho de um lado e o cigarro do outro. Sem a mesa de bilhares. E foi a mesa de bilhares que te traiu: tentaste voltar para ir buscá-la e perdeste o equilíbrio. Caíste como um entulho de prata e as pedras afiadas te receberam.
É isso, Dimas, lembrei-me de ti hoje quando vi, a passar por mim, um Land Rover igual ao teu. Veio-me a imagem da famosa mesa do Sindicato Nacional de Jornalistas – que todos nós chamamos Kremlim – onde tu e os teus correligionárias, fofocavam durante horas e horas, falando mal uns dos outros. Mas eu sei que isso te incomodava, porque não eras homem de fofoca. Eras diferente de todos eles, de muitos sacanas que até hoje vão ali aquecer os rabos queimando os outros. Tentando subir à custa de qualquer meio.
Desculpa, Atanásio, eu não te queria martelar a cabeça com estes disparates todos, sobretudo nesta hora em que, mais do que nunca, tens de repousar mesmo, levitando aí nesses espaços cheios de mirra. Mas não resisti à tentação de te escrever esta carta desregrada e dizer que te tenho, na minha vida desregrada, como uma das lamparinas do meu caminho. Recebe o meu abraço, irmão, sem o copo de vinho, sem a merda do cigarro!