Após aprovação da Lei de Amnistia o Presidente Filipe Nyusi apelou num comício no Distrito de Macossa “vamos apagar o passado, vamos começar uma nova vida”, no mesmo tom reconciliatório usado por Joaquim Chissano mas que não garantiu a Paz definitiva. Tal como em 1992 e 1994 as forças governamentais e os guerrilheiros da Renamo envolvidos nas “hostilidades militares” vão ser amnistiados sem que tenha existido algum esclarecimento independente dos crimes cometidos durante a primeira, segunda ou a terceira guerra civil. “Uma investigação e um eventual esclarecimento por uma comissão de verdade poderiam talvez ajudar a Frelimo e a Renamo a abandonar a prática de acusações mútuas de violações e crimes graves e a negação da legitimidade política” escreveu o académico Victor Igreja em 2015.
A terceira guerra civil no nosso país, oficialmente denominada por “hostilidades militares”, terá iniciado a 25 de Setembro de 2015 quando uma caravana de automóveis em que seguia o então presidente do partido Renamo, Afonso Dhlakama, foi atacada na Estrada Nacional 6, na região de Zimpinga, no Distrito de Gondola, na Província de Manica.
Dhlakama refugiou-se na Serra da Gorongosa, onde acabou por falecer, mas até ter declarado as primeiras tréguas militares em Dezembro de 2016 um número não contabilizado de soldados perdeu a vida e um sem número de civis também foram mortos.
Nenhuma instituição independente contabilizou as vítimas, tal como não haviam sido contadas as vítimas mortais da guerra civil que aconteceu entre 2013 e 2014, e novamente os responsáveis materiais e morais pelos tiros vão seu amnistiados e o Presidente da República pediu ao povo “vamos apagar o passado, vamos começar uma nova vida”.
“Nós os moçambicanos só podemos desenvolver este país se sabermos que todos somos um povo. Sabermos perdoar a outra pessoa, tolerar, compreendermos que cada um tem a sua ideia”, apelou nesta segunda-feira (29) o Chefe de Estado durante um comício que dirigiu na localidade de Dunda, no Distrito de Macossa, na Província de Manica, assim que a Assembleia da República aprovou a quarta Lei de Amnistia em Moçambique.
Nova amnistia sem esclarecimento dos crimes cometidos em mais uma guerra civil em Moçambique
O facto é que tom reconciliatório de Filipe Nyusi e mesmo o terceiro Acordo de Paz que brevemente deverá ser assinado não são garantias que a guerra vai acabar para sempre em Moçambique. Há quase três décadas Joaquim Chissano, prestes a assinar o Acordo de Paz em Roma, também declarou que: “todos juntos devemos sarar as feridas, substituir o ódio pela compreensão e pela solidariedade, a vingança pelo perdão e pela tolerância, a desconfiança pela fraternidade e pela amizade”.
Num artigo que escreveu para o livro “Desafios para Moçambique 2015”, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o académico Victor Igreja constatou que, tal como agora, “No decurso das negociações de paz em Moçambique, nenhuma das partes manifestou a necessidade de criar algum tipo de processo independente para investigar e esclarecer as verdades sobre os crimes cometidos durante a primeira guerra civil”.
“Uma investigação e um eventual esclarecimento por uma comissão de verdade poderiam talvez ajudar a Frelimo e a Renamo a abandonar a prática de acusações mútuas de violações e crimes graves e a negação da legitimidade política”, sugeriu Igreja que é doutorado em Antropologia e pesquisador sénior associado do Centro de Estudos Moçambicanos Internacionais (CEMO).
Na óptica de Victor Igreja, “Ao evitar esse passo importante para tentar esclarecer as verdades dos abusos e crimes da guerra, ficamos perante uma realidade tripartida em Moçambique: a violência vai continuar a ser um instrumento político tanto para desordem como para transformação das instituições democráticas incipientes; a percepção de transição interminável ganha ainda mais raízes culturais; e uma parte significativa da população no País torna-se um potencial recurso para a violência, isto é, qualquer indivíduo que não seja do partido Frelimo vai ser acusado de pertencer à Renamo, incitar à violência, não ser moçambicano de gema, insultar o chefe de Estado, carecer de auto-estima e não querer ser rico num ambiente de escândalo de recursos.”
O artigo do académico inicia com uma citação do húngaro Franz Alexander, considerado pai da medicina psicossomática e o pioneiro da psicanálise aplicada à criminologia, que em 1941 escreveu em tom pessimista: “Uma vez que sabemos que a guerra sempre foi a maneira normal de resolver conflitos entre grupos, podemos perguntar-nos como é que a paz é possível. (…) No que diz respeito à história da civilização antiga e ocidental, períodos de paz não passaram de preparativos para novas guerras. (…) A história da humanidade civilizada é uma história de guerras interrompidas por preparativos para mais guerras”.