Em Moçambique “a principal forma de protecção social ainda é ter muitos filhos e não estes que nós estamos a criar” como o INSS, INP ou INAS, constatou o Professor António Francisco ressalvando que o sistema “não é viável” no entanto alertou que a alternativa formal de protecção social do Estado está ultrapassada, tendo a realidade demográfica que o Censo de 2017 revela, pois foi concebida para o tempo em que “as pessoas se reformavam, vestiam um pijama e ficavam 2 ou 3 anos a espera de morrer. Agora as pessoas reformam-se, vestem o pijama e ficam 30 anos a espera de morrer”.
O IV Recenseamento Geral da População e Habitação revelou que a população economicamente activa diminuiu de 69,2 por cento em 2007 para 57,2 por cento em 2017, “com a pirâmide etária a indicar a idade mediana em vez de estar a aumentar está a diminuir, há 50 anos a idade mediana era 19 anos, agora o Censo vem dizer-nos que estamos nos 16,6 anos, 50 por cento da população o resto é mais de 16,6 anos” constatou Francisco que concluiu que a população moçambicana “é infantil”.
A consequência directa, também indicada pelo Censo de 2017, é que a taxa de dependência aumentou de 94,8 por cento para 99,5 por cento, portanto em cada 100 moçambicanos existem pelo menos 99 a espera de outras para lhes suportar todas as suas despesas. António Francisco, que é Doutorado em Demografia e Professor Catedrático na área de Métodos Quantitativos e Desenvolvimento Económico, concluiu que: “O que nós estamos a verificar aqui não é desenvolvimento, é subdesenvolvimento”.
Um dos oradores na Conferência sobre “Pobreza, Desigualdades e Modelos de Desenvolvimento”, organizada no passado dia 16 pelo Observatório do Meio Rural, o Professor Francisco declarou que “a protecção social precisa de ser concebida de uma forma muito mais à sério para responder a aquilo que é o lema dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável: Não deixar ninguém para trás”.
António Francisco constatou que “a principal forma de protecção social é ter muitos filhos, não é que seja viável, foi viável durante milhares de anos num sistema de economia simples, sem sistemas financeiros o sistema que havia era isso. A população tinha que ter muitos filhos para que depois os filhos tomassem conta, em Nampula, que eu saiba, a primeira filha de um casal é criada pela avó para quê, para que ela depois cuide da avó”.
O que está aconteceu, segundo o académico, é que essa protecção social familiar foi rompida “porque reduzimos a mortalidade, então não precisamos de ter os filhos mas temos que criar os sistemas financeiros (de protecção social). O problema é que nós não temos esse sistema financeiro, temos uma forma ainda limitada que é o INSS (Instituto Nacional de Segurança Social), ou o INP (Instituto Nacional de Previdência), e depois cria-se o INAS (Instituto Nacional de Acção Social) para a velhice ou para situações (de vulnerabilidade) em que dão aquilo que chamam de pensão mínima, em que a agora o Governo deu 376 Meticais, imagine-se são 6 dólares”.
“Agora as pessoas reformam-se, vestem o pijama e ficam 30 anos a espera de morrer”
Com mais de metade dos 27 milhões de moçambicanos a precisarem de quem os sustente o Estado apenas mal consegue garantir a protecção social de 2 milhões, 1,5 milhão são os beneficiários do Instituto Nacional de Segurança Social e o pouco mais de 500 mil são recebem algum tipo de ajuda do Instituto Nacional de Acção Social, sistemas de protecção social que o académico considerou ultrapassados e idealizados “para uma economia que não temos e não vamos ter, estamos a imitar um sistema como se a economia se fosse formalizar”.
“O sistema (de protecção social) que nós temos é um sistema restrito, limitado, fragmentado para vários grupos, para quem desconta de forma pública, para quem desconta de forma privada, tem alguns mecanismos mas não toma em conta a natureza da demografia que nós temos e precisaria de recursos e sensibilidade relativamente a população”, referiu António Francisco indicando que “o problema da protecção social que nós temos é o chamado repartição simples, que é pôr os novos a sustentar os velhos, não há processos de capitalização, é um sistema socialista que funciona enquanto as base é grande e são poucos os idosos, quando os idosos aumentarem o sistema colapsa, como está acontecer na Europa”.
O Professor da Universidade Eduardo Mondlane assinalou ainda que: “Nós estamos a imitar um sistema (de segurança social) que teve as suas virtudes, no seu tempo, quando as pessoas se reformavam, vestiam um pijama e ficavam 2 ou 3 anos a espera de morrer. Agora as pessoas reformam-se, vestem o pijama e ficam 30 anos a espera de morrer”.
“A questão que eu coloco da demografia e da pobreza está no facto de que se nós sairmos de um sistema em que as pessoas começam a reduzir a mortalidade, a fecundidade vai ter de baixar se não é criado um sistema (de segurança social) financeiro obviamente que as pessoas não abandonam a pobreza, é por isso que eu digo que a principal forma de protecção social ainda é ter muitos filhos e não estes que nós estamos a criar, não é que seja o mais viável, não, tornou-se inviável a partir do momento em que a mortalidade baixou, as pessoas estão a ter menos filhos”, tendo indicado que em Maputo a mulher já tem 3 a 4 filhos enquanto no resto de Moçambique a média é de 5 a 6 filhos.