Enquanto o Governo de Filipe Nyusi vai ignorando os verdadeiros motivos da crise económica que estamos a viver, e procura ganhar tempo quiçá na expectativa que os doadores e o FMI perdoem as dívidas das empresas Proindicus, MAM e EMATUM e retomem a ajuda financeira directa, a inflação voltou a subir com a comida a acumular um aumento 34,10 por cento desde há um ano. Paralelamente a moeda nacional continua a desvalorizar-se em relação ao dólar norte-americano que desde sexta-feira(08) está a ser transaccionado acima dos 70 meticais em Moçambique. O futuro poderá ser ainda pior, perspectiva a agência de notação Moody’s que cortou novamente o rating do nosso país para o nono nível de lixo financeiro e o Banco de Moçambique até teve que pedir dinheiro emprestado para suprir a falta de divisas.
Um dia após o Executivo anunciar o seu Orçamento de Estado rectificativo para 2016 – revendo em baixa o crescimento económico, de 7 por cento para 4,5 por cento, corrigindo em alta a inflação média anual, de 5,6 por cento para 16,7 por cento, reajustando as previsões de receita e reduzindo a disponibilidade de Reservas Internacionais Líquidas -, cada unidade da principal divisa usada no nosso País ultrapassou a fasquia dos 70 meticais e nesta segunda-feira chegou aos 71 meticais no mercado paralelo, onde ainda é possível encontra-la.
A explicação dada pelo ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, é que “(…)o incremento do serviço da dívida pública resultante do impacto da taxa de câmbio e da concentração do período de amortização nesta época, faz com que tenhamos que fazer a revisão do orçamento de maneira a acomodar e ter a nova lei a funcionar normalmente”.
Contudo o ministro Maleiane não mencionou que o serviço da dívida pública começou a aumentar em meados de 2015 na sequência do pagamento da primeira amortização do empréstimo da Empresa Moçambicana de Atum(EMATUM), uma dívida contraída em 2013 com Garantia ilegal do Estado.
“As dívidas secretas não só implicaram um aumento de obrigações do Estado em moeda externa, sem gerar recursos e divisas adicionais, como também conduziram a suspensão dos desembolsos de ajuda ao orçamento do Estado. As dívidas criaram um choque tanto sobre as contas do Estado, que é o maior cliente e o empregador na economia, como sobre as contas da economia com o exterior e as suas reservas de divisas”, explicou ao @Verdade a economista moçambicana Oksana Mandlate.
Esta redução das Reservas Internacionais Líquidas, que de acordo com o Banco de Moçambique eram de 1,7 mil milhões de dólares norte-americanos em Maio mas o Governo reviu na quinta-feira(07) para 1,2 mil milhões, deixa os bancos comerciais sem divisas para os seus clientes. “Neste momento as divisas (dólar norte-americano e rand) estão mais caras e as empresas não tem conseguido obter liquidez para fazer pagamentos ao exterior, fazem-se grandes filas nos bancos (comerciais) na busca de moeda externa”, declarou em entrevista recente ao @Verdade o porta-voz da Confederação das Associações Económicas, Eduardo Sengo.
Em Dezembro passado o Banco de Moçambique teve que solicitar um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional para reforçar as suas Reservas Internacionais Líquidas.
Preço da comida aumentou 34,10 por cento nos últimos 12 meses
Entretanto o Instituto Nacional de Estatística(INE) divulgou, com alguns dias de atraso, o Índice de Preços ao Consumidor(IPC) que mostra que a inflação voltou a subir ligeiramente no mês de Junho, 0,76 por cento, aparentemente impulsionada pela contínua depreciação do metical não só em relação ao dólar mas principalmente em relação ao rand, que esteve a ser vendido nesta segunda-feira a 4,6 meticais, no mercado paralelo, o que influencia o custo dos produtos alimentares importados a partir da África do Sul.
Ademais, entre Janeiro e Junho, “o País registou um agravamento do nível geral de preços na ordem de 9,29 por cento” influenciado, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, pelo aumento dos preços da alimentação e das bebidas não alcoólicas com destaque para a “farinha de milho, o arroz, a cebola, o feijão nhemba, o óleo alimentar, o feijão manteiga e o açúcar amarelo” contribuindo para uma inflação anual média acima dos 10 por cento.
Segundo o IPC os dados de Junho de 2016, “quando comparados com os de igual período de 2015, mostram que o País registou um aumento de preços na ordem de 19,72 por cento. A divisão de alimentação e bebidas não alcoólicas destacou-se com um agravamento de preços na ordem de 34,10 por cento”.
Importa referir que este ano o reajuste salarial decretado pelo Governo e parceiros do sector privado ficou entre 4 e 12 por cento apenas.
Dívidas secretas empurram rating de Moçambique para o fundo do “lixo”
Ainda na semana finda, a agência de notação financeira Moody’s considerando que as negociações quanto à reestruturação da dívida da Mozambique Asset Management (MAM) “indicam que há menos probabilidades de o governo honrar as suas obrigações de reembolso” – no passado dia 23 a empresa estatal falhou o pagamento da primeira prestação do empréstimo no valor de 535 milhões de dólares norte-americanos que contraiu com Garantia do Estado em 2014 junto do banco russo VTB -, baixou o rating do nosso País do sétimo para o nono nível do chamado “lixo”, de Caa1 para Caa3.
O Governo de Nyusi não relaciona a crise financeira e económica actual com as dívidas avalizadas ilegalmente pelo Executivo de Armando Guebuza e que está a assumir o seu pagamento.
Mas uma publicação recente do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE) refere que “A crise da balança de pagamentos é mascarada pela entrada de capitais externos, numa primeira fase, mas revela-se quando a economia começa a servir a dívida. Por outro lado, a dívida pública interna, financiada sobretudo pela venda de títulos de dívida com altas taxas de juro, contribui para tornar o sistema financeiro doméstico mais especulativo”.
“O facto de a dívida ser crescentemente comercial adiciona dois problemas: é mais cara e com prazos de pagamento mais curtos, e é mais difícil de renegociar e reestruturar sem custos adicionais. Finalmente, o grosso da dívida foi aplicado em armamento ou em grandes projectos de investimento, de retorno e prioridade duvidosos, e de muito longo prazo, não gerando capacidade de servir a dívida a curto e médio prazo. A combinação destes factores aumenta os riscos para os investidores e os custos do capital, bem como as taxas de juro da dívida, tornando-a mais cara, mais difícil de servir e, portanto, mais capaz de se autorreproduzir, e dificultando a mobilização de recursos, dentro e fora da economia, para servir a dívida e para desenvolvimento”, acrescenta o Boletim IDeIAS(Informação sobre Desenvolvimento, Instituições e Análise Social) do IESE.
Como irá o governo encontrar recursos para fazer face ao serviço da dívida assim como estimular a economia?
De acordo com a publicação académica a “reestruturação da dívida da EMATUM adiou, para 2023, o reembolso do capital, mas aumentou os juros. Entre 2015 e 2023, o Estado vai pagar 1,4 bilião de dólares norte-americanos, de juros e capital, pelo empréstimo de 850 milhões dólares norte-americanos que a EMATUM não conseguirá pagar (excluindo o défice operacional da empresa que, em 2015, foi de cerca de 20 milhões de dólares norte-americanos ). Este valor poderá aumentar pois a taxa de juro dos títulos de dívida da EMATUM subiu em 177 pontos base, como resultado da situação financeira do país”.
Além disso, o Estado terá que mobilizar, até 2021, mais de 1,4 bilião de dólares norte-americanos para pagar os empréstimos da Proindicus e do MAM. Há outros empréstimos que vencem até 2023, cujo capital, excluindo juros, totaliza 4 biliões de dólares norte-americanos.
Os economistas do IESE constataram que “entre 2006 e 2014, o serviço da dívida pública total triplicou” e “entre 2014 e 2015, o serviço da dívida pública externa quase duplicou, aumentando para cerca de335 milhões de dólares norte-americanos, devido à inclusão da EMATUM. A inclusão da Proindicus e da MAM poderá fazer subir o serviço da dívida externa para mais de 500 milhões de dólares norte-americanos, equivalente a 30% das exportações e 17% das receitas públicas. O valor do serviço da dívida interna de 2015 ainda não está disponível, mas é provável que aumente pelo efeito do aumento das taxas de referência do Banco Central”.
Note-se que o Banco de Moçambique tem vindo a agravar desde Outubro de 2015 as suas taxas directoras como forma de conter a inflação e a desvalorização do metical mas o resultado evidente tem sido o asfixiar dos empresários nacionais assim como da pouca produção interna.
De acordo com o economista Eduardo Sengo, que é porta-voz da Confederação das Associações Económicas, as decisões do Banco de Moçambique encarecem o custo do dinheiro “não permitindo que as empresas possam se financiar para desenvolver actividades produtivas (…) hoje em dia mesmo um empréstimo a longo prazo já é difícil encontrar abaixo dos 20%, os empréstimos de consumo já estão próximo dos 30%, portanto isto é muito pesado para uma empresa que tem de funcionar”.
Não sendo ainda conhecidos os detalhes do Orçamento rectificativo para este ano fica a dúvida como irá o governo encontrar recursos para fazer face ao serviço da dívida assim como estimular a produção interna.