A reabilitação da Praça dos Combatentes, na cidade de Maputo, está a custar caro ao bolso do cidadão.Enquanto as obras decorrem, as rotas naquele troço sofreram algumas alterações. Por outro lado, o ambiente virou um atentado contra a vida humana, visto que o processo mescla no mesmo espaço vendedores, trabalhadores do empreendimento e as máquinas escavadoras.
O grupo mais lesado é o dos passageiros e transportadores que usam a rota A.Voador-Magoanine, Laulane, Hulene, Mahlasine, Albazine, CMC e o percurso do Museu para os pontos acima descritos.
Óscar Júlio, um cidadão que trabalha na baixa de Maputo, disse que as coisas estão difíceis, porque gastar mais cinco meticais é sempre uma perda. Principalmente, quando se multiplica pelos 20 e poucos dias em que usa a via, para depois sublinhar que o pior é o tempo que a crise vai durar: quatro meses.
@VERDADE ouviu um dos transportadores que referiu que os maiores transtornos se traduzem na compra de combustível. Posto que, no seu entender, a despesa aumentou, pois antes gastava 400 meticais correspondentes a 30 litros por dia, das 6 às 20 horas. Agora despende 600 meticais.
Estefani Mabunda um “chapeiro” que explora a rota Museu-Magoanine não vê razão para reclamações por parte dos transportadores da via Anjo Voador. Aliás, aos seus olhos aqueles motoristas são privilegiados porque o trajecto alternativo fica mais curto e reduz os gastos.
Ainda de acordo com Mabunda, o que está mais difícil é explorar a via alternativa com destino à terminal Museu. “Neste momento as minhas receitas baixaram, posso considerar que perco 250 meticais por dia, mas, já que, o que está ser feito visa melhorar as nossas condições de trabalho, dá para esperar. Além disso, penso que quatro meses não é muito tempo. Brevemente, as obras estarão prontas”, acredita.
Segundo apurámos, alguns transportadores, para minorarem os prejuízos, optaram por mudar de rota. Contudo, não conseguimos saber se tal prática é feita com a autorização das estruturas municipais. Tudo indica que não, como nos confessou um operador que trabalha nessas condições.
Assim, enquanto as obras decorrem, a rota naquele troço vai continuar alterada até Setembro, o mês da entrega da obra. Neste caso, enquanto alguns utentes reclamam contra o preço que a construção da infra-estrutura lhes está a custar, outros dizem que vão aguardar até os prazos previstos, mas acautelam que não vão tolerar se os compromissos não forem honrados.
Os trabalhos arrancaram em Maio deste ano e vão durar quatro meses. O empreendimento está orçado em 111.990.285,00 meticais, pertence ao Concelho Municipal da Cidade de Maputo e foi financiado pelo Governo moçambicano.
O projecto consiste na reabilitação da secção da Avenida Julius Nyerere, desde a intersecção entre a Av. FPLM-Praça dos combatentes e A Av. Vladimir Lenine. A construção está sendo levada a cabo pela CMC (África Austral) e a CGN, LDA (Projectos de Desenvolvimento).
Face ao problema, as estruturas municipais apelam à calma e garantem que o problema tem os dias contados. Um polícia municipal afecto ao local disse-nos não ver motivos para tanto alarde. O município anunciou que isso vai durar quatro meses. E para terminar o agente acrescentou: “o progresso tem os seus transtornos e quer aqui como noutras situações deveria ser assim”.
Xiquelene…
Bem encostado à praça, funciona um espaço aberto e enorme onde se realizam trocas comerciais. Naquele sítio, muitos cidadãos ganham o seu pão.
Oficialmente, o local chama-se Mercado Praça dos Combatentes. Popularmente chamam-lhe Xiquelene. Diferentemente de muitos em Maputo, é conhecido pelas suas características singulares.
Trata-se de um mercado onde se encontra um pouco de tudo para uso geral. Há vários tipos de vestuário, produtos alimentares industrializados e frescos como peixe, carne, vegetais e frutas, produtos que na sua maior parte são transaccionados em locais impróprios.
Xiquelene é um mercado de contrastes. Se por um lado é fonte de vida, por outro é um atentado à saúde. A imundície traduz-se pelos montões de lixo e pelos charcos mal cheirosos que servem de habitat e fonte de reprodução de mosquitos, moscas e outros insectos causadores de doenças.
As péssimas condições de higiene e trabalho que predominam no local fazem com que o Mercado Praça dos Combatentes não seja digno de merecer tal designação. Como muitos mercados da cidade, o comércio no local é feito a céu aberto fazendo com que as pessoas e os produtos estejam expostos aos caprichos da natureza.
Faça chuva ou faça sol, os vendedores estão ali entregues à sua própria sorte, excepto alguns (poucos) que se abrigam nas suas barracas de construção precária.
A partir das 19 horas, tempo de recolha, Xiquelene começa a ficar despovoado até às 22 horas, momento em que fica deserto e mergulhado num silêncio total. Tudo se torna calmo restando apenas a “voz” dos morcegos, corujas e outros seres noctívagos.
Até à meia-noite não se vislumbra, sequer, uma vida humana, senão o ruído das viaturas e o ladrar dos cães vadios, esqueléticos, que deambulam no sítio para virar latas e encontrar alimento.
Um mercado parasita…
Um ser parasita é aquele que depende do outro para sobreviver. Segundo testemunhas oculares, o mercado Xiquelene surge em 1992. Conta-se que, nas entranhas do bairro Ferroviário existia uma cova enorme onde se tirava areia vermelha para a construção de estradas.
Ao lado dessa cova surgiu um pequeno mercado que passou a ser chamado Xiquelene que na língua local (changana) significa cova.
Com o andar do tempo, o mercado foi crescendo até atingir a Praça dos Combatentes. Actualmente, o nome do mercado divide opiniões: a população chama o mercado de Xiquelene, enquanto o Conselho Municipal e alguns citadinos o apelidam de Mercado Praça dos Combatentes.
As pessoas que defendem o nome Xiquelene escudam-se nos argumentos de que é o nome ideal, pelo facto de ser histórico e estar em língua local, o que simboliza as tradições e a valorização da língua local, um dos pilares da nossa cultura.
O município defende a designação Mercado Praça dos Combatentes porque homenageia os nossos heróis da Luta de Libertação Nacional, e não só. Portanto, ter uma praça e um mercado nesse sentido seria juntar o útil ao agradável.
Outros cidadãos argumentam que o nome Praça dos Combatentes é melhor porque surgiu primeiro. Xiquelene foi-se aproveitando dela para se afirmar como mercado, sendo, deste modo, parasita, pois, quando o mercado surgiu no interior do bairro Ferroviário, a praça já lá se encontrava. E para ilustrar melhor basta ver que mesmo em plena reabilitação da praça, o mercado ali está, sempre colado…
Neste momento está em reabilitação. E, enquanto as obras decorrem, estão por lá vendedores em franco convívio com os trabalhadores das obras e todo o seu equipamento, entre os quais as grandes máquinas escavadoras, constituindo, tal cenário, desta forma, um atentado à vida de todos os que se encontram nas imediações.
Em conversa com um polícia municipal, este disse-nos que está tudo bem. Para ele os trabalhos decorrem sem sobressaltos, por um lado graças à colaboração de todos e, por outro, por causa do trabalho da Polícia Municipal que está no terreno 24 horas por dia bem equipada e provida de cães para controlar os que contrariarem a regra vigente.
Os trabalhadores mostraram-se igualmente optimistas em relação ao convívio “Homem-máquinas” que caracteriza a praça nos últimos dias, excepto alguns técnicos que, embora tenham negado entrar em detalhes, disseram que há dificuldades em trabalhar naquelas condições.
Em relação aos vendedores, uns estão tranquilos, outros mostraram-se preocupados e com receio de que, a qualquer momento, possam surgir acidentes de trabalho graves acrescentando que o melhor seria deixar que as obras decorressem num lugar limpo.
Procurámos saber dos vendedores se com os trabalhos no local as vendas aumentaram, tendo a maior parte afirmado que nada mudou. O nível de vendas é igual tanto no período anterior, assim como com as obras em curso.
A mesma questão levou-nos às vendedeiras dos quiosques especializados na confecção de refeições. Estas comungam a opinião de que o negócio não mudou naquelas bandas, pois que o número de trabalhadores que almoça nos seus estabelecimentos é insignificante. Muitos deles trazem marmitas de casa, outros vivem ali pertinho e, quando é meio-dia, vão a casa almoçar.
Antes do início das obras, o Conselho Municipal previa remover as pessoas do local para dar lugar às obras. Sobre isso a nossa Reportagem ouviu Berta Fontes, fiscal do mercado. A nossa fonte afirmou estar-se a trabalhar nesse sentido e as estruturas camarárias identificaram vários lugares para abrigar as pessoas enquanto os trabalhos decorrem.
Um deles é o Mercado 1 de Junho situado nas cercanias da praça. Além disso, anunciou a existência dum total de 4226 bancas vazias espalhadas por todos os mercados da cidade para abrigar as pessoas que queiram desenvolver a actividade comercial.
Insistindo, da nossa parte, na questão da existência de acções que visassem desalojar os vendedores para dar lugar às obras, a nossa interlocutora limitou-se a dizer-nos que tudo está ser feito…
É assim nos últimos dias em Xiquelene: homens e mulheres de negócios, crianças órfãs e abandonadas, vendedores informais, trabalhadores, técnicos e engenheiros de construção civil fazem do local o seu dia-a-dia, transformando a praça não apenas num encontro de identidades, mas também num verdadeiro lugar para os combatentes de todas as áreas, até da luta contra a pobreza absoluta.@