Os moçambicanos que vivem na metrópole parece que enfim estão a sentir na pele quão clarividente têm sido os 40 anos de governação do partido Frelimo. Diante da indignação generalizada o Presidente Filipe Nyusi, que ainda não falou sobre os empréstimos ilegalmente avalizados pelo Estado ao seu povo, mandou para a rua não só a polícia assim como as forças especiais e até o exército. “Penso que a resposta da sociedade deve ser uma resposta serena mas simultaneamente contundente, bem estruturada e organizada. Devemos evitar situações de algum distúrbio e de algumas manifestações porque podem se virar contra a própria sociedade (…) é necessário que hajam pessoas ou organizações que deêm a cara por essas manifestações”, apelou o economista e activista João Mosca que questiona como é o Estado vai pagar as suas dívidas, pois esperar os dividendos do gás natural pode resultar em expectativas goradas, tal como aconteceu com o carvão.
Os apelidados “apóstolos da desgraça” – o Centro de Integridade Pública (CIP), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e o Observatório do Meio Rural (OMR) -, que afinal tinham mesmo razão, organizaram uma mesa redonda nesta quarta-feira(27), em Maputo, para tentarem compreender e contribuir no debate público sobre a problemática da Dívida Pública de Moçambique e suas implicações sócio-económicas, incluindo esboçar algumas recomendações ao Governo. Ainda sem saber o valor global dos empréstimos que as empresas PROINDICUS e Mozambique Asset Management adicionaram à dívida pública nacional, Adriano Nuvunga, director do CIP, enfatizou que questão fundamental é esclarecer a legalidade das dívidas e não se ela é privada ou estatal. “As finanças públicas funcionam dentro da Lei, da Lei orçamental que estabelece que dinheiros públicos podem circular dentro de um ano. E estabelece as responsabilidades dos gestores públicos, incluindo o Presidente e o ministro das Finanças, sobre quais são os seus direitos de intervenção. A questão é até que ponto é que estes empréstimos foram feitos dentro da Lei?” explicou didacticamente o professor de Ciência Política e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
“E essa mesma Lei, incluindo a Lei da Probidade Pública, estabelecem responsabilidades em caso de os titulares de cargos públicos obrigarem o Estado fora da Lei. E isto se associa a aquilo que é o Interesse Público, tudo aquilo que os gestores devem fazer tem que se conformar e devem promover o Interesse Público. Os gestores públicos eles têm ajudas de custos, de susto, de sorriso, tudo isso quando estão a exercer o cargo público. E têm também responsabilidades, não podem, no caso de nós como sociedade querendo saber os termos que eles obrigaram o Estado da maneira que o fizeram e aparecerem a reivindicar presunção de inocência”, clarificou Nuvunga.
E se as expectativas com o gás não se concretizaram tal como aconteceu com o carvão?
“(…) Neste momento ninguém sabe quais as consequências exactas da dívida”, afirmou o economista João Mosca, ainda antes de se saber que o Banco Mundial havia suspenso a sua ajuda financeira à Moçambique e da decisão similar tomada pelo Reino Unido, nesta quinta-feira(28), mas esclareceu a plateia composta por centenas de cidadãos, na sua maioria membros de Organizações da Sociedade Civil, que essas consequência serão “certamente dolorosas para a grande maioria da população, pouco dignificantes para a governação e mais para a credibilidade e para imagem do país. Haverá certamente aumento do custo de vida, retracção do investimento, da produção e do consumo. A inflação subirá e a derrapagem do metical deverá continua. A escassez de divisas manter-se-á. O desemprego aumentará”.
Mas a dúvida do economista, que é director do OMR, é como o Estado vai pagar assim essas dívidas pois, “nos próximos anos, o Orçamento do Estado e a Balança Comercial de pagamentos seguirão deficitários, pagar com o quê? Com mais financiamentos para pagar financiamentos mal parados e esperar que o gás nos dê o dinheiro. E se as expectativas não se concretizaram tal como aconteceu com o carvão?”
“O regime está corrupto de cima à baixo”
Relativamente ao clima de indignação e revolta que os cidadãos parecem ter, e às propaladas manifestações populares que estariam iminente Mosca, que também é activista pensa “que a resposta da sociedade deve ser uma resposta serena mas simultaneamente contundente, bem estruturada e organizada”.
João Mosca apela à sociedade a “evitar situações de algum distúrbio e de algumas manifestações porque podem se virar contra a própria sociedade(…) Se a manifestação não é convocada e não é autorizada pode ser considerada um tumulto”.
Em Moçambique, as manifestações populares são um direito constitucionalmente garantido que não depende de autorização de nenhuma autoridade governamental que apenas devem ser informadas.
“Também é necessário que haja pessoas ou organizações que dêem a cara por essas manifestações. Então significa que é necessário existir organização e coordenação de forma que não demos razão a quem não tem razão. Muitas acções podem ser usadas e feitas, aos diferentes níveis, e penso que a sociedade que está ferida pode ser coordenada com os partidos políticos, dentro da Frelimo há muitas forças que estão contra e em desfavor com todo este processo e para haver união de forças para que as coisas sejam de facto esclarecidas, e se houver penalizações e julgamentos ou responsabilidades penais, que sejam feitas nos seus trâmites normais”, explicou o director do Observatório do Meio Rural.
Além disso, Mosca chama a atenção para a situação iminente, “é uma situação muito crítica, que envolve custos sociais possivelmente muito forte e quando isso acontece pode-se gerar um clima de instabilidade de diversos tipos e a resposta aos climas de instabilidade é com certeza a força, a repressão policial e outras. Já com pessoas ameaçadas por esta reunião. A sociedade civil tem neste momento, também os partidos políticos, também outros colectivos como o sector privado, têm de ter uma acção muito forte de actuar sobre estes assuntos”.
“É o momento oportuno para as forças políticas, de oposição e não oposição, sociedade civil e sector privado ganharem voz e o poder de negociação e o poder reivindicativo que num Estado, de algum modo autoritário como tem sido o nosso, não tem permitido. Há umas contestação forte de poder neste momento que de uma forma construtiva e de uma forma positiva deve ser aproveitada no sentido do enriquecimento e do crescimento da democracia”, sugeriu o activista que não hesita em afirmar que “O regime está podre. O regime está corrupto de cima à baixo. Isto significa em muitos sítios o início do fim de regimes políticos, em Moçambique o Governo só não cai porque estamos em Moçambique, em qualquer outra parte já se tinha demitido se houvesse dignidade da classe política”.
“Um movimento para salvar Moçambique”
Já João Pereira, professor de Ciência Política e também activista, disse que chegou o momento dos cidadão dizerem já chega! “O que vamos fazer é pelos nossos filhos, pelos nossos netos. Temos que arregaçar as mangas e fazer com que esta seja a última batalha da nossa geração, a geração de 1971”.
“Se perdermos esta batalha os nossos filhos amanhã perguntarão-nos pai o que você fez por nós? Eu não estou para deixar para os meus filhos lojas, casas e carros. Eu quero deixar para os meus filhos uma sociedade onde eles possam sonhar. Eu quero deixar para os meus filhos uma sociedade onde possam ter a liberdade de dizer não. Por isso esta causa da dívida é a causa que nos unifica a todos, sem cores partidárias, sem religião, sem região. Da mesma maneira que em 1962 homens e mulheres moçambicanos tiveram que emigrar para defender este país, eles nos ensinaram e nós aprendemos. É por isso que todos nós iremos criar um movimento para salvar Moçambique”, concluiu Pereira.