Apesar da crise económica e financeira que estamos a viver o Governador do Banco de Moçambique(BM), Ernesto Gove, apresentou na quarta-feira16), um balanço satisfatório do ano económico 2015 e fez perspectivas vagas para 2016 porém hesitou em revelar que, nos primeiros nove meses do ano, o défice da conta corrente, excluindo as transacções dos grandes projectos, agravou-se em 34%. Entretanto o dólar norte-americano ficou mais forte pois a Reserva Federal dos EUA(Fed) decidiu aumentar, nove anos depois, a sua taxa de juro de referência.
“Nos primeiros nove meses de 2015, o défice da conta corrente do país, excluindo as transacções dos grandes projectos, agravou-se significativamente, relativamente a igual período de 2014”, Gove hesitou no seu discurso em indicar o valor do agravamento mas revelou, à margem, que o défice cresceu na ordem dos 34% o que perspectiva ser o maior de sempre em Moçambique.
Este aumento confirma o que já se sabia: em termos contabilisticos Moçambique está a importar cada vez mais, as importações aumentaram no período em 8,4%, enquanto as exportações baixaram em 9,3%.
Porém, o economista António Francisco, chama atenção para a necessidade de olhar para este défice da conta corrente do ponto de vista económico. “Neste sentido, o país gera défice de conta corrente quando a poupança interna do país é inferior ao que se investe na economia. Em outras palavras, o país gera um produto menor do que a demanda total doméstica. Se isto está a acontecer, excluindo o elevado investimento externo em mega projectos, então, o tal aumento do défice de 34% abrange unicamente as transacções comerciais e serviços”.
“Como existem indicações que a componente de ajuda dos doadores e as exportações terão diminuído, neste mesmo período, então, estamos a afundar-nos cada vez mais na dependência do endividamento externo. Parte deste endividamento poderá ter ido para investimentos fora dos mega projectos. Mas como sabemos uma outra parte, talvez a maior parte do financiamento externo, foi para o consumo imediato ou para o consumo disfarçado de investimento, infelizmente mau ou falso investimento, como por exemplo a EMATUM”, afirma o investigador e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) que lamenta a falta de coragem das autoridades em recolher esta como uma das causas da crise, “o Banco de Moçambique e o Presidente Nyusi, no recente Informe sobre o Estado da Nação, não têm suficiente coragem e honestidade para reconhecer”.
No discurso presenciado por altos representantes das Instituições de Crédito em Moçambique Ernesto Gove, que exaustivamente referiu as medidas tomadas pela instituição que dirige para conter a inflação e crise cambial, fez uma avaliação positiva do ano e conclui que “apesar dos choques exógenos a que nos referimos anteriormente, a economia moçambicana continua a crescer a ritmos superiores à média da África Subsahariana”.
Gove faz perspectivas vagas para 2016
Para 2016 o Governador do BM disse que a “paz é essencial para consolidar a estabilidade macroeconómica e do sector financeiro, bem assim para a materialização dos objectivos consagrados pelo Governo no Plano Económico e Social” mas não apresentou perspectivas concretas para melhorar a economia a curto e médio prazo.
“O país precisa de aproveitar o seu potencial agrícola, energético, turístico e de prestador de serviços para realizar profundas transformações económicas, que assegurem a elevação da produção e produtividade, a promoção das exportações, a substituição das importações e a geração do emprego” disse Gove que afirmou também que o “Banco de Moçambique continuará empenhado no seu principal objectivo, que é o de assegurar uma inflação baixa e estável, pois acreditamos ser esta a via através da qual nos tornamos mais competitivos na atracção de novos investimentos, para além de permitir preservar o poder de compra das famílias com menores rendimentos, contribuindo, assim, para o combate à pobreza”.
Entretanto, horas depois de Ernesto Gove fazer o seu balanço a Reserva Federal dos EUA (Fed) decidiu aumentar, nove anos depois, a taxa de juro de referência em 0,25 pontos percentuais e também a taxa de redesconto fortalecendo a moeda norte-americana.
As projecções dos aumentos das taxas de juro expressas pelos membros da Fed continuam similares a anteriores, apontando para quatro subidas em 2016 com a taxa directora a subir gradualmente no novo intervalo até perto de 1,25% a 1,5%. A projecção é para uma subida de 100 pontos base até final do próximo ano.
O @Verdade contactou o Banco de Moçambique para apurar que impacto esta medida terá na crise cambial que estamos a viver, passada uma semana não obtivemos nenhuma resposta.
A depreciação do metical tem causas internas mais relevantes do que as causas externas
“Suspeito que a decisão da Fed em aumentar as taxas de juro poderá ser um mau presente de Natal para os defensores da sobrevalorização do metical como parte da estratégia de crescimento elevado com a poupança externa”, afirma o economista António Francisco que salienta que o Presidente Filipe Nyusi e o Governador do Banco de Moçambique “vão ter que fazer muito mais do que fizeram até aqui para contrariar a pressão no sentido de maior depreciação” do metical.
António Francisco questiona se “na falta de ideias, acabarão (o Governo e o Banco de Moçambique) por deixar que o mercado faça os ajustamentos que devem ser feitos, de acordo com a mão invisível? Visivelmente, a mão visível do Estado está a mostrar-se cansada e ineficiente para contrariar a mão invisível do mercado”, constata o professor da Universidade Eduardo Mondlane.
O director de investigação e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no IESE aprofunda a sua análise e referindo que no seu informe sobre o Estado da Nação o Presidente Nyusi “destacou o efeito negativo do fortalecimento do dólar americano nas exportações de Moçambique e na desvalorização do metical. Infelizmente, nada disse, por exemplo, sobre o alívio que poderá ter representado a queda dos preços internacionais do petróleo. Muito menos reconheceu que grande parte da depreciação do metical tem causas internas, muito mais relevantes do que as causas externas”.
“Por outro lado, a referida desvalorização é prejudicial somente para uma parte da economia, ou dos agentes económicos, investidores e consumidores; mas o Presidente Nyusi, ou não percebe isso ou não quer admiti-lo. A ênfase do Presidente Nyusi para aquilo que designou `Factores influentes no desempenho´ serviu de analgésico para amenizar a sua alegada coragem, no início do seu discurso, ao admitir que o estado da Nação não é bom. Infelizmente, no nosso ambiente político a honestidade e franqueza estão reféns da coragem. Só que a coragem do Presidente Nyusi não ficou muito acanhada; não foi suficiente para admitir explicitamente que o estado da Nação é mau”, acrescenta o economista moçambicano.
Vão usar esta medida do Fed para “sacudirem a água do seu capote”
O professor António Francisco recorda que “o Presidente Guebuza governou num período em que o dólar americano não podia ter sido mais barato. Durante grande parte da sua presidência os juros americanos mantiveram-se próximos de zero. Portanto, até nesse sentido ele se sentiu encorajado para nutrir o optimismo cínico e exagerado, gastando, endividando-se e gastando o que tinha e não tinha de recursos financeiros públicos . Tudo indica que o Presidente Nyusi não vai ter igual sorte. A substancial desvalorização do metical, em 2015, só não foi pior porque beneficiou de taxas de juro do dólar dos Estados Unidos próximas de zero”.
Contudo o economista não acredita que o aumento da taxa de juro da Fed se torne num motivo de diminuição do investimento directo estrangeiro (que até Setembro de 2015 tinha reduzido em 15,2%, comparativamente a igual período de 2014). “Se o abandono do capital continuar, ou agravar-se, deverá ser mais por incapacidade de Moçambique em reduzir o elevado risco país do que por factores exógenos. De qualquer forma, este aumento da taxa de juros dos Estados Unidos em nada ajudará a contrariar a depreciação do metical. O dólar irá ficar mais caro. O crédito internacional e o endividamento por parte de países emergentes, sobretudo economias muito especulativas como a moçambicana, vão ficar mais caros”.
António Francisco antecipa que “os políticos, técnicos e empresários que preferem desculpar-se com factores exógenos, como bode expiatórios e forma de não analisarem os fracassos da sua responsabilidade, vão certamente usar esta medida do Fed com mais uma desculpa para se vitimizarem e irresponsabilizarem-se de erros e opções incorrectas”.