As políticas públicas moçambicanas de prevenção, controlo e tratamento do VIH/SIDA ainda enfrentam dificuldades para se atingir certos grupos populacionais cuja contaminação pela doença necessita também de um cuidado especial. As entidades que lutam contra a chamada “pandemia do século” e os financiadores dão, agora, mais atenção às populações-chave, das quais fazem parte os grupos vulneráveis, nomeadamente as mulheres trabalhadoras de sexo, os homens que fazem sexo entre eles, os reclusos, os usuários de droga por via de injecção, entre outros, em prejuízo de grupos designados “populaça-geral”.
Patrick Devos, da Johns Hopkins em Moçambique, classificou de preocupantes as discussões que têm sido travadas em torno da problemática da epidemia da SIDA, relativamente às camadas sociais que devem ter prioridade na prevenção e no tratamento.
“Preocupam-me as discussões sobre a população-chave e população-geral”, disse Devos para depois acrescentar que a sua opinião é de que a assistência deve incidir sobre todos sob o risco de a “exclusão” levar a resultados não animadores no futuro, na medida em que nas pessoas que não são abrangidas pelas iniciativas de combate à doença, devido, em parte, à “escassez de recursos financeiros”, pode haver gente mais contaminadas. Um dia, “podemos ter vergonha” de algumas coisas que têm sido feitas no presente, afirmou.
O “activista” foi mais longe ao afirmar que os debates sobre as contaminações diárias pelo vírus do SIDA em Moçambique – estima-se que haja 120 mil novas infecções acontecem por ano – não reflectem qual é a o número da população-geral e população-chave infectadas, nem as trabalhadoras de sexo e dos homens que praticam o sexo entre eles e tão-pouco dos reclusos, por exemplo. Ele defende também a produção de estudos qualitativos.
Aliás, as estatísticas que têm sido avançadas em torno da situação de seroprevalência no país, baseados no Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o VIH/SIDA (INSIDA 2009) e no Índice Demográfico de Saúde (IDS 2011), estão ultrapassadas. “Não percebo porque é que anualmente não temos dados sobre o progresso da prevalência da epidemia em Moçambique. Continuamos a usar os dados do INSIDA 2009 e do IDS 2011, enquanto os outros países actualizam essas estatísticas constantemente.
“Os números sobre as infecções contam apenas uma parte da história” dos seropositivos e do problema em si, mas não revelam o que realmente se passa na vida desses doentes, de acordo com Devos, para quem aumentaram, sem dúvidas, as pessoas que beneficiam do Tratamento Antiretroviral (TARV) e “é bonito ouvir isso”, mas “há uma parte da história que é não contada: o aumento de casos de doentes que abandonam” a terapia por várias razões, o que, se não for levado em consideração, pode deitar por terra os ganhos até aqui atingidos.
Até 2013, a taxa de cobertura do Tratamento Anti-retroviral (TARV), segundo dados de 2012, era de 52 porcento para adultos e 22 porcento para crianças. No entanto, existem variações significativas entre as províncias, sendo que as da região norte do país têm baixo índice e as do sul as taxas mais elevadas. As autoridades da Saúde pretendem, até 2015, atingir uma meta de 80 porcento de cobertura do TARV, algo difícil, segundo o Gabinete Parlamentar de Prevenção e Combate ao VIH/SIDA da Assembleia da República (AR), citando um informe do Ministério da Saúde (MISAU).
Ainda sobre o TARV, Moçambique introduziu, em Junho de 2013, uma nova terapia, em que o doente passa a tomar um único comprimido por dia, ao invés de, pelo menos, três como vinha acontecendo. O fármaco é designado Tenofovir, e na altura 22.184 pacientes já tinham acesso a este novo medicamento contra 132.591 que estavam previstos até ao fim daquele ano.
De acordo com o MISAU, no país há mais de 294 unidades sanitárias nas quais o TARV está em curso. Nas mesmas unidades sanitárias faz-se a circuncisão masculina como forma de prevenir o contágio nos homens.
Como painelista e após falar da “situação do VIH na África Subsaariana e intervenções prioritárias para a prevenção, cuidados e tratamento” para esta enfermidade “à luz das recomendações internacionais da OMS/ONUSIDA”, Érica Fazito, da ONUSIDA, um organismo de dimensão mundial cuja missão é orientar, reforçar e apoiar os esforços visando inverter a evolução da doença, corroborou as ideias de Patrick Devos e frisou que o debate em torno das “populações-chave e geral” não é correcta, pois “não se faz saúde pública sem uma política de saúde inclusiva”.
Tanto Érica como Alícia Carbonel (outra painelista, afecta à OMS), explicaram que as acções de combate a “pandemia do século” enfrentam a falta de financiamento devido à crise mundial. As instituições que injectavam dinheiro reduziram significativamente as verbas destinadas a estas iniciativas; por isso, foram estabelecidas algumas prioridades. É, por isso, também, que as pesquisas sobre a SIDA não são anualmente actualizadas, porque para tal é preciso muitos fundos. Os países que o fazem têm suporte financeiro para o efeito.
Segundo Érica, para além da “dependência em relação aos doadores, da diminuição do financiamento às organizações da sociedade civil, nem sempre os recursos alocados” são aplicados “em lugares e grupos onde terão mais impacto” e quem desembolsa o dinheiro dita regras, por vezes, por falta de clareza em relação às áreas de aplicação por parte dos países que recebem.
Estas e outras discussões feitas no “Ciclo de Palestras em VIH/SIDA”, promovido pelo Conselho Nacional de Combate ao SIDA (CNCS), cujo primeiro dia foi terça-feira (01), devendo acontecer quinzenalmente até Novembro próximo em diferentes zonas do país, deixaram transparecer que à volta da problemática desta doença ainda há questões que ainda precisam de ser debatidas com maior profundidade.
Políticos devem investir mais no combate à SIDA
As palestrantes defenderam que é preciso expandir o acesso ao TARV e outras formas de prevenção e tratamento do vírus em alusão, pois proceder desta forma é investir no futuro, mas “é necessário convencer os políticos a investirem mais” nesta causa e uma das formas de conseguir isso é aumentar a abrangência dos serviços. As testagem de VIH/SIDA não podem ser apenas uma atitude de gente que não desconfia do seu estado de saúde, mas, sim, um rotina de todos para um melhor controlo da epidemia.
Na perspectiva de Alícia e Érica, para além da discriminação dos infectados pelo vírus da SIDA em Moçambique, “as disparidades no acesso aos serviços de saúde” ainda são uma realidade e a redução do risco de transmissão sexual é obstaculizado pelo “baixo nível de conhecimento abrangente sobre a prevenção entre os jovens”. Estes, pese embora saibam “identificar as formas corretas de se prevenirem, a maioria deles ainda não possui conhecimento suficiente sobre como se prevenir”.
No que tange às mulheres, em particular de pouca idade, que segundo as estatísticas são as mais contaminadas em relação aos homens, o conselho das painelistas é de que elas atrasem o início da actividade sexual. A taxa de infecção na África Subsariana é “em média de 5 a 7 anos antes dos homens da mesma idade. Entre os adultos do sexo masculino, verificou-se um aumento” dado o facto de terem tido “múltiplos parceiros nos últimos 12 meses” em que os dados apresentados foram colhidos.
“É extremamente urgente oferecer as ferramentas” tais como TARV, Prevenção da Transmissão Vertical (PTV) do VIH da mãe para o filho e o preservativo “para impedir a propagação da doença à população, mas não é suficiente”, “temos de criar um ambiente favorável” para que os beneficiários usem tais meios sem as barreiras, sobretudo eliminar o “estigma e a discriminação”. potenciar a “educação e as questões de género e desenvolvimento humanos, a circuncisão voluntária masculina, as testagens e o aconselhamento em saúde sexual e reprodutiva”.
As infecções podem aumentar até 2020
O INSIDA 2009 indica que 11.5% dos moçambicanos adultos de 15-49 anos estão infectados com o VIH. Há mais mulheres nesta situação comparativamente com os homens.
Apesar de todo o optimismo que se tem em torno do combate do vírus da SIDA, dados contidos na Agenda 2025 dão conta de que comparando a situação de seroprevalência de Moçambique com a experiência de alguns países da região, admite-se que, até aquele ano, haverá entre 15 e 20% de infecções.
Prevê-se ainda que estas contaminações, com consequências no desenvolvimento da sociedade, uma vez que afectam os adultos, maioritariamente o grupo etário mais activo e produtivo, terão um efeito nos recursos humanos dos serviços governamentais, especialmente aqueles cuja força de trabalho é móvel e de risco.
Incluem-se aqui trabalhadores de construção civil, de estradas, condutores de camiões de mercadoria, mineiros, forças policiais, militares e paramilitares, e quadros de nível superior especializados que, por razões de serviço, têm de viajar por todo o país ou para fora dele.