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O calvário de ser jovem em Moçambique

O calvário de ser jovem em Moçambique

Têm entre 16 e 22 anos de idade, alguns com baixo grau de escolaridade e outros nunca se sentaram sequer no banco de uma escola. Sem opção, nem profissional nem de formação, os problemas que enfrentam no dia-a-dia são basicamente os mesmos: não há oportunidades para se afirmarem na vida e não têm perspectivas de dias melhores. Partilham também ambições, sonhos e, principalmente, o sentimento de abandono. Este é o perfil dos jovens moçambicanos, na sua maioria não filiados a nenhuma organização juvenil política, entrevistados pelo @Verdade sobre os seus desafios, a sua participação na governação e se praticam alguma modalidade desportiva.

De diferente têm apenas a idade e o nível de escolaridade, mas partilham a dor de serem jovens num país onde as oportunidades para essa camada da população escasseiam a cada dia que passa. João Cumaio tem idade para ter um telemóvel, para namorar, ter conta no Facebook, para estudar numa universidade, ou filiar-se a uma organização juvenil. Só que o jovem vai nos seus 20 anos e vive ao deus-dará. Residente do bairro de Nampaco, ele não sabe ao certo o que quer da vida.

“Queria poder estudar, mas não sei se é isso que quero neste momento. Se tivesse um trabalho, sentir-me-ia realizado”, disse. Apesar de apreciar futebol, Cumaio, que interrompeu a 3ª classe, não pratica nenhum desporto. Da governação só sabe dizer que o Presidente da República é Filipe Nyusi.

Amilcar Consolo, de 17 anos de idade, é vendedor de recargas de telemóveis em Mutava-Rex. Nunca foi à escola e disse que tem simpatias pelo partido no poder. “O Governo está a trabalhar, o problema é que é impossível criar emprego para todas as pessoas”, afirmou, tendo acrescentado que o seu sonho é ganhar dinheiro e constituir família.

Já Moisés António, de 16 ano de idade, teve sorte diferente. É estudante da Escola Secundária de Rapale, onde frequenta a 10ª classe. Nos seus tempos livres, ele dedica-se à venda de tomate no mercado localizado na vila sede de Rapale, onde tem travado a batalha no sentido de conseguir custear os seus estudos.

O nosso entrevistado, que se vê obrigado a acordar por volta das 04h00, dirige-se à berma da estrada que liga a cidade de Nampula à vila de Rapale com o intuito de comercializar a sua mercadoria. De segunda a sexta-feira, das 06h30 às 11h00, ele confia o seu negócio a um amigo. “Não tem sido fácil esta rotina, mas é a única saída que tenho para a minha sobrevivência”, afirmou.

Para António, conseguir um emprego na Função Pública, concretamente no sector da Saúde, como servente, é a sua maior ambição. O nosso interlocutor sonha em ser profissional deste ramo. “Na verdade, eu gostaria de salvar vidas”, disse. Na sua opinião, o Governo tem criado oportunidades para os jovens, mas estes são muitos, por isso não é possível absorver todos de uma única vez.

“Tenho visto concursos públicos para o ingresso no sector da Saúde, na administração distrital, entre outras áreas, onde os jovens são priorizados. Pelo menos aqui em Rapale isso acontece, mas somos muitos”, disse.

António é praticante de desporto, a modalidade de futebol é a sua favorita e contou que, localmente, é conhecido por Lampard. Ele faz parte do “onze inicial” de uma equipa criada em 2012, conhecida por Sporting Clube de Rapale, e lamenta não pertencer a nenhuma organização política juvenil.

O jovem estudante é contra as bebidas alcoólicas e drogas. Por causa desta sua posição, quando olha para os outros jovens, a sua maior preocupação assenta no facto de a maioria deles ser consumidora de álcool e drogas. Questionado sobre se prática sexo, o jovem começou por sorrir para depois concordar que começou a manter relações sexuais com a sua parceira com a qual namora desde Dezembro do ano passado. Segundo António, é complicado explicar a razão de não esperar pelo casamento, mas assegurou-nos que faz sexo protegido.

Na nossa ronda, cruzámos com uma jovem de 17 anos. Estudante e trabalhadora da Padaria Bessa, Ester Mendes é mãe de um menor de um ano. Devido à insuficiência de meios financeiros com que a sua família se debate, ela viu-se obrigada, precocemente, a juntar-se a um homem com quem teve o seu primeiro filho.

Ester está ciente de que o seu futuro ficou hipotecado desde o dia em que descobriu que estava grávida, mas disse que nem por isso irá desalentar devido à sua nova condição de vida. Porém, no seu dia-a-dia, a nossa interlocutora envida esforços de forma a manter-se firme em busca dos seus sonhos. Ela frequenta a 11ª classe na Escola Secundária de Teacane, no curso nocturno, e durante o dia está no seu posto de trabalho.

A jovem deseja ser professora. “O meu sonho sempre foi dar aulas e não só. Também educar as crianças para que cresçam com boas maneiras. Sei que os professores não ganham muito dinheiro, mas é isso que desejo ser na vida”, comentou, tendo depois acrescentado que em Moçambique não há oportunidades de emprego.

Ester defende a sua posição, afirmando que “no nosso país há muita coisa por ser feita e no meu entender se isso fosse levado em consideração com a mínima transparência uma percentagem significativa, não só de jovens como também de todos moçambicanos, não estaria mergulhada no desemprego”.

O problema da falta de oportunidades em Moçambique, na óptica da jovem, é o facto de os postos de trabalho estarem a custar valores monetários e preços onerosos. “Só têm emprego os filhos de dirigentes em detrimento dos que são de famílias desfavorecidas. E, por conseguinte, os ricos continuam mais ricos”, disse.

Ester culpa o Governo do dia pelo elevado índice de criminalidade e outras desgraças que assolam a sociedade moçambicana e, segundo ela, é por causa da ineficácia das políticas públicas que a população se sente excluída.

“Nos últimos dias, reclama-se da prostituição, casamentos prematuros, por aí fora, mas nunca são encontradas soluções para tais problemas. Isto porque não há preocupação na solução dos mesmos; porém, na minha opinião, bastava uma distribuição equitativa da riqueza que o país detém, sem querer dizer que o Estado deve distribuí-la de qualquer maneira”, afirmou.

Ester disse que sente muito e deixa-lhe preocupada ver outros jovens acometidos pela vergonha de fazer negócios de qualquer produto nas ruas. Para ela, aqueles jovens que nada fazem para a sua sobrevivência, mesmo sabendo que não têm nenhum apoio externo, são uma ameaça para a sociedade, porque os mesmos acabam por pensar em roubar, prostituir-se (no caso vertente das mulheres), entre outras situações nada abonatórias.

Ela consome bebidas alcoólicas de forma moderada, sobretudo nas datas festivas. E porque sabe das consequências que daí advém evita exagerar e coloca-se distante do uso de estupefacientes. Desde a altura em que teve o seu filho, ela vive com o seu marido e as relações sexuais são protegidas, para além de ter feito o planeamento familiar.

Manucha tem 17 anos. Ela quis ser identificada apenas por este único nome e disse que deixou de estudar em meados de 2014, por falta, como muitos alegam, de condições financeiras. Na altura, estava a frequentar a 10ª classe no distrito de Mecubúri, sua terra natal e, presentemente, mora no bairro de Murrapaniua, arredores da cidade de Nampula.

A rapariga transferiu-se para Nampula a convite da sua tia, que é fabricante de cabanga, uma bebida caseira feita de farelo de milho. A jovem a que nos referimos entrou na rota daquele negócio na esperança de que iria juntar dinheiro para voltar à escola, mas a sua pretensão não passou de uma utopia.

Manucha não sonhava em ser vendedeira daquela bebida tradicional. Desde pequena a sua ambição é tornar-se numa agente de Polícia de Trânsito, pois acredita que, com esta profissão, ela pode ajudar a travar o índice de acidentes rodoviários. Sobre a criação de oportunidades de trabalho por parte do Governo, a nossa entrevistada não tem comentários a tecer, uma vez que ela entende que só tem emprego quem possui licenciatura. Apesar disso, ela não deixou de criticar o Estado que, na sua opinião, não consegue controlar a gestão das instituições públicas, daí a brecha para os dirigentes empregarem os seus parentes.

Por causa do negócio que desenvolve, Manucha é consumidora de bebidas alcoólicas, particularmente cabanga, mas assegurou que nunca experimentou qualquer tipo de drogas. Desde que é residente da cidade Nampula, ela pratica sexo com alguma regularidade, mas sempre usa o preservativo.

Um outro jovem entrevistado pela nossa Reportagem é Maurício Antunes de 22 anos de idade. Ele desistiu dos estudos em 2011, quando frequentava a 7ª classe na Escola Primária de Namina, posto administrativo com o mesmo nome, no distrito de Mecubúri, província de Nampula.

O maior desafio deste jovem é realizar os seus sonhos: ser carpinteiro e passar a sustentar a si e à família por constituir. Está, neste momento, a aprender a serrar a madeira, com finalidade de produzir portas, camas, armários, janelas, entre outros objectos.

Na carpintaria encontrou um instrumento para fazer face ao desemprego. Mas antes, nos tempos em que frequentava a escola, ele sonhava em ser electricista. Poucos são os comentários que o jovem faz sobre as oportunidades criadas pelo Governo, dado que as suas atenções estão viradas para o auto-emprego, algo que acredita que se irá consumar dentro de pouco tempo.

Antunes disse que nunca consumiu bebidas alcoólicas nem sequer tentou usar drogas, pois passa a maior parte do seu dia confinado na carpintaria na companhia do seu mestre. Ele disse que pratica sexo, mas com a única mulher com a qual namora faz tempo.

O nosso interlocutor mostrou-se preocupado com os jovens que, ao invés de desenvolverem actividades legais, envolvem-se em actos criminais para conseguir dinheiro. A preocupação do jovem é extensiva aos que usam a desculpa da falta de emprego para excederem no consumo de bebidas alcoólicas.

O jovem lembra-se de se ter inscrito integrar as fileiras da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) na altura em que se encontrava no posto administrativo de Namina, mas poucas vezes ele participou nos encontros, alegadamente porque se tratava apenas de assuntos do partido e não havia espaço para se discutir os problemas que assolam a juventude.

No bairro de Mutauanha, o @Verdade conversou com uma jovem de 18 anos de idade. Esta não quis ser identificada, mas disse que era estudante da Escola Secundária de Napipine, onde frequenta a 12ª classe. Órfã de pais, a referida rapariga vive com o seu irmão.

Os seus progenitores eram trabalhadores da extinta Texmoque, mas até à data da sua morte já não exerciam as suas funções. O seu irmão também é estudante, mas na Escola Primária Completa da Cerâmica. A jovem não trabalha. Para garantir o seu sustento e a do seu irmão, ela viu-se obrigada a prostituir-se.

Ela reconhece que a actividade não é digna, mas afirma que não teve outra escolha. Começou a prostituir-se nos finais de 2013, quando tinha apenas 16 anos de idade. Apesar disso, a nossa interlocutora não deixa de sonhar. O seu maior desejo é ser jurista. Sabe que os custos, para cursar o Direito, são elevados, mas está firme no que quer da vida.

As oportunidades de emprego são criadas pelo Governo, mas os dirigentes têm, segundo a rapariga, dificultado o recrutamento público para as vagas. “Eu lamento que os governantes se preocupem apenas com os seus parentes como se eles fossem o único povo de Moçambique. Vejamos que quando não se trata de um seu familiar, para se apurar alguém, este deve pagar um valor monetário que chega a rondar os 15 mil meticais. Isso é triste para alguém que nunca trabalhou”, lamentou.

A jovem disse que, certa vez, concorreu a uma vaga para auxiliar de secretaria numa empresa cujo nome não revelou, e foi-lhe exigida a quantia 10 mil meticais, para além de manter relações sexuais com um dos dirigentes da mesma para que fosse apurada.

Ela é praticante de desporto. A sua modalidade favorita é basquetebol. A jovem começou a ingerir bebidas alcoólicas quando entrou no mundo da prostituição. Além disso, passou a usar estupefacientes, sobretudo cannabis sativa, vulgo soruma, como forma de se sentir desinibida no exercício da actividade que desenvolve.

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