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“Estamos pressionados e não há tempo para aferir se a assistência que damos serve para melhorar a qualidade de vida”, Lúcia Bernardete

“Estamos pressionados e não há tempo para aferir se a assistência que damos serve para melhorar a qualidade de vida”

O Governo pode aumentar para milhares de meticais ou mais o subsídio social básico atribuído a pessoas consideradas vulneráveis em Moçambique, em particular aos idosos, mas enquanto a sociedade continuar insensível à situação deste grupo e não pensar “no futuro que pretende construir” para esta gente, expulsando as pessoas da terceira idade do seio familiar, rejeitando os deficientes físicos e demais indivíduos enfermos, nenhuma política será eficaz para garantir uma vida digna a quem vive na precariedade. Lúcia Bernardete, directora do Instituto Nacional de Acção Social (INAS), reconhece haver falhas no sistema e defende que o acolhimento de concidadãos na miséria não pode ser institucionalizado, as famílias devem assegurar que esta camada social seja assistida dentro dos seus lares de origem.

No caso dos idosos, ora rejeitados pelos próprios filhos, eles dedicaram a sua vida a cuidarem dos descendentes durante a infância e a adolescência. Todavia, eis que quando se esperava que estes retribuíssem o gesto com dignidade, alguns, não poucos, enveredam pelos maus-tratos sem devoção nenhuma. Que a situação das pessoas de terceira idade no país é má, estamos todos calvos de saber. As lamentações de que estes indivíduos são escorraçados de casa sob a acusação de prática de feitiçaria, submetidos a maus-tratos físicos, psicológicos e até assassinados, já são um hino já destoado e Lúcia Bernardete entende que “a sensibilidade das pessoas ainda é muito pouca. As famílias não desempenham o seu papel”, como devia ser.

Ela reconheceu ainda, pese embora parte dos idosos que estão na rua beneficiam do subsidio social básico mas continuam a ser pedintes, há aqueles não são abrangidos pelo programa, porém, os seus parentes têm posses e podem muito bem cuidar deles mas não o fazem. “Culturalmente temos que trabalhar as mentes para a valorização das pessoas da terceira idade”.

“Nas comunidades ainda não temos uma representação desejável”, admitiu a directora do INAS e contou também que se registam falhas no que tange à implementação de acções de apoio a pessoas vulneráveis. “Nos outros países o serviço de subsídio social e os assistentes sociais estão mais nas comunidades e nos bairros do que nas cidades, são identificáveis e são funcionários do Estado. Infelizmente, em Moçambique não temos esses serviços ao nível da comunidade, mas, sim, dos distritos”. Da comunidade para tais locais percorre-se 300 a 400 quilómetros e uma pessoa da terceira idade “de maneira nenhuma vai ter acesso aos serviços distritais de acção social”.

Para minimizar o drama, criou-se uma figura chamada “permanente” (com um subsídio mensal de 750 meticais), escolhida pela comunidade e que serve de elo entre os serviços distritais de acção social e a própria comunidade. As pessoas vulneráveis contactam esta figura para a obtenção do subsídio e, mais tarde, há uma equipa do INAS que se desloca ao terreno para aferir os critérios de elegibilidade do beneficiário. Este processo é moroso, além de dificultar o acesso rápido ao subsídio.

“(…) A pobreza ainda é um problema no país. Temos índices bastantes altos de miséria e isto faz-se sentir muito mais nas pessoas com capacidade física limitada por várias razões”, mas “temos que ver que país queremos construir para o futuro. Sempre haverá pessoas em situação de vulnerabilidade mas se a sociedade fizesse a sua parte”, o fardo teria pouco peso para Estado, que reconhece que também precisa “reforçar o seu papel de apoio a grupos desfavorecidos”, explicou Lúcia.

Estima-se que em Moçambique existam 1,8 milhão de pessoas com mais de 60 anos de idade e é o terceiro maior efectivo de idosos no sul de África. Segundo dados do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), “17% dos agregados familiares possuem pelo menos um idoso, 60% estão na pobreza absoluta” e vivem com apenas “18 meticais/dia, para além de que “82% vive com menos de 38 meticais/dia”.

“Não temos ainda estatísticas sistematizadas sobre o universo das pessoas que carecem de assistência social em Moçambique e esta é uma grande lacuna que temos no sector. No global assistimos mais de 470 mil agregados familiares. Quisemos, agora, através do Instituto Nacional de Estatística, aliarmo-nos a eles para no âmbito do IOF recolher essas informação mas, infelizmente, não foi possível (…). Não temos um sistema centralizado de dados. Há um esforço para remos esses dados ao longo deste quinquénio”, disse a nossa entrevistada.

De acordo com ela, os censos anteriores indicaram que “o que estamos a fazer neste momento representa apenas 15% das pessoas necessitadas. Isso mostra que estamos ainda muito aquém da demanda. (…) A mendicidade dificilmente será combatida enquanto as famílias não cuidarem dos idosos e continuarem a rejeitá-las e as pessoas não perceberem que dar esmola na rua é desprestigiar a quem recebe. Este acto não é dignificante, é estigmatizar e tornar essa pessoa desprezível”.

Recentemente, o Executivo reajustou o subsídio social básico para os beneficiários deste programa, tendo passado de 280 para 310 meticais, para um agregado familiar constituído por uma pessoa; de 390 meticais, contra os anteriores 350 meticais, para as famílias compostas por dois indivíduos; de 420 para 460 meticais a uma família constituída por três elementos, enquanto de quatro membros recebe 530 meticais, contra os anteriores 480. Para as famílias de cinco pessoas ou mais o valor passou de 550 para 610 meticais.

“Valor não chega (…). Estamos pressionados” de tal sorte que “não há tempo para aferir se a assistência que um certo beneficiário recebe chega serve para melhorara a sua qualidade de vida”.

Num outro desenvolvimento, a nossa interlocutora disse que se as pessoas da terceira idade realizassem tarefas que lhes ocupem por algum tempo enquanto os filhos estão no trabalho, talvez não estariam a deambular pelas ruas como mendigos. “Isso coloca-nos, como promotores de acção social, o desafio de criar espaços para que os idosos passem o tempo quando os seus familiares estiverem no serviço. Já iniciamos este exercício com criação dos centros abertos, onde desenvolvemos pequenas actividades como a olaria, a cestaria e o cultivo de hortas. Temos esses centros em Maputo, Gaza e um pouco por todo o país, porém, ainda em número reduzido” porque devem ser instalados em lugares onde os idosos não percorram longas distâncias para terem acesso aos mesmos.

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