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Será que o Presidente Nyusi vai permitir que a Constituição e as Leis de Moçambique sejam “atropeladas” em Afungi?

Será que o Presidente Nyusi vai permitir que a Constituição e as Leis de Moçambique sejam “atropeladas” em Afungi?

“O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique”, com esta, e outras boas intenções, tomou posse o 4º Presidente de Moçambique. Porém, se a terceira consulta pública para o reassentamento das comunidades que vivem na península de Afungi, onde se pretende instalar infra-estruturas de processamento de Gás Natural Liquefeito, acontecer nos próximos dias 18, 19, 20 e 22 de Agosto, Filipe Jacinto Nyusi estará não só a faltar com a sua promessa como também a permitir que a “Lei Mãe” e a Lei de Terras sejam “atropeladas” por ilegalidades cometidas pelo próprio Estado, durante o mandato de Armando Guebuza.

“Há procedimentos estabelecidos por lei que não foram seguidos, uns foram simplesmente ignorados outros não foram seguidos nos moldes que a lei estabelece, a nossa posição em relação as terceiras consultas é: como é que o Governo quer continuar um processo de licenciamento que está viciado, que tem como pressuposto uma realidade viciada legalmente”, afirma em entrevista ao @Verdade a directora da organização não governamental (ong) Centro Terra Viva, Alda Salomão.

A ong está a prestar assessoria jurídica aos milhares de moçambicanos que vivem, há várias gerações, numa região onde estão as maiores reservas de gás natural no continente africano e vão ter que mudar-se para que Moçambique se possa tornar no terceiro maior produtor mundial de gás natural liquefeito(GNL).

“O problema não está nas pessoas não aceitarem o projecto, o problema está numa ilegalidade que não precisava de ter sido cometida”, clarifica Alda Salomão que não tem dúvidas sobre as responsabilidades. “O problema não está sequer nas empresas, o problema está no Governo, como é que o Estado se posicionou em relação as suas próprias leis, supostamente na procura da melhor maneira de acomodar um empreendimento que é de interesse nacional”.

Efectivamente o processo atribuição do direito de uso e aproveitamento da terra(DUAT) não foi conduzido nos termos previstos na legislação moçambicana, tendo violado diversas disposições legais, como por exemplo a lei de terras.

A directora do Centro Terra Viva, que tem sido incansável em alertar aos Governo, de Guebuza e Nyusi, relativamente aos atropelos cometidos à legislações em vigor tem esperança que o Executivo tome a decisão correcta. “Se o Governo quiser ser sério e manter a mesma linha com que começou tem que resolver esse problema. E a solução do problema não depende da opinião do Governo, a lei prescreve como uma ilegalidade se deve sanar. Se o Governo quiser ser sério tem que revogar aquele DUAT e desencadear todos os passos prescritos por lei para depois tomar a decisão que for mais apropriada para a situação. Repare que na altura em que este DUAT que está em jogo foi emitido por lei nem deveria ter sido emitido um DUAT porque com a implantação de infra-estruturas de petróleo e gás a terra passa automaticamente para uma categoria territorial diferente e que impõe um tratamento diferenciado. Umas das primeiras consequências é que proíbe a emissão de DUATs.”

Há interesse nacional implantação da fábrica de gás em Afungi?

Em entrevista recente ao @Verdade o director nacional de Terras, Simão Joaquim, falou sobre o imperativo do espaço para a implantação da fábrica de GNL. “Este processo visa beneficiar os moçambicanos, os investidores, o Estado em geral” afirmou, sem contudo explicar como é que o DUAT foi atribuído à ENH sem antes ter sido extinto o direito de uso da terra das comunidades que residem na península de Afungi, no distrito de Palma, na província de Cabo Delgado.

Simão Joaquim retorquiu a nossa questão com uma outra, “é ou não importante viabilizar o projecto?”

Para a jurista Alda Salomão se o Governo entende que o projecto é de interesse nacional então que “declare que temos um projecto cujo interesse para é de tal dimensão que o Estado vai fazer a conversão da categoria daquela área territorial para que o projecto possa ser implementado, uma vez que aquela área é ocupada por pessoas que têm direitos reconhecidos constitucionalmente e legalmente. Numa situação dessas, e depois de ter declarado o interesse público o Estado tem que encetar os mecanismos para extinguir os direitos das pessoas que lá estão para poder depois permitir a ocupação da terra pela empresa. O Estado não fez isto, devia ter feito.”

Uma Avaliação Jurídica Independente aos Processos de Licenciamento dos Projectos Minerais e de Hidrocarbonetos, realizada pelo Juiz Conselheiro Jubilado, João Carlos Trindade, e pelos advogados, Lucinda Cruz e André Cristiano José, a pedido do Centro Terra Viva, refere que “Coloca-se a questão de saber, face ao determinado pela lei e regulamento da Lei do Ordenamento do Território e pela Lei nº 2030 de 1948, se a implantação de uma fábrica de liquefacção de gás natural pertencente, na sua maioria, a entidades privadas, apesar da participação duma entidade pública no empreendimento, poderá ser considerada como sendo de “utilidade pública” no entender da Lei nº 2030 de 1953 ou de “interesse público” no significado dado pela legislação de ordenamento do território, já que, de certeza, não poderá cair na definição dada pelo Regulamento da Lei do Ordenamento do Território, em relação à “necessidade pública” ou “utilidade pública”. Sendo considerado que o projecto é de “interesse público” nos termos do Regulamento do Ordenamento do Território ou de “utilidade pública” nos termos da Lei nº 2030 de 1948, teria, então, que desencadear-se o processo de declaração de revogação do direito de uso e aproveitamento da terra, consequente extinção e executar-se o processo de expropriação regulado em detalhe pelo Diploma Ministerial nº 181/2010 de 3 de Novembro; ou, caso se entendesse que seria mais apropriado ao caso em apreço, regulado pelo Decreto nº 37758 de 1950”.

Segundo a Avaliação Jurídica Independente “Excepcionalmente, nos casos especialmente previstos na lei, pode o Estado expropriar bens ou direitos dos cidadãos, em nome do interesse público, mediante pagamento de uma justa indemnização/compensação;” contudo “No caso de Palma, não tendo havido qualquer acto de expropriação, a transmissão do DUAT deverá ser consentida pelos respectivos titulares e efectuada nos termos da lei, isto é, associada à transmissão voluntária de infra-estruturas, construções ou benfeitorias”.

Será Moçambique um país onde se faz qualquer coisa desde que se tenha dinheiro?

Pouco depois de tomar posse, em Março, o Executivo de Nyusi, através do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural(MITADER), mandou suspender a terceira consulta pública “por forma a permitir um melhor alinhamento com os requisitos legais”. Entretanto, sem que nenhum pronunciamento oficial ou anúncio tenha sido tornado público sobre eventuais alinhamentos legais efectuados, o MITADER assinou um acordo com a Anadarko Moçambique para o reassentamento dos moçambicanos que residem em Afungi.

“Se em Março suspenderam as consultas porque havia uma ilegalidade confirmada estamos a espera que nos digam que medidas foram tomadas para sanar a ilegalidade, porque de outra maneira estamos a abusar dos cidadãos, estamos a abusar do país”, declara Alda Salomão que acrescenta que se este processo avançar com todas estas ilegalidades o Governo de Filipe Nyusi está a passar a mensagem de que Moçambique “é o país onde se faz qualquer coisa desde que se tenha dinheiro.”

Em Abril, de visita à Maputo, o Chefe de Estado reafirmou a vontade do seu Governo de proteger os recursos naturais tendo a terra como a plataforma principal dessa riqueza. “Queremos que os homens e as mulheres que vivem nas nossas comunidades desfrutem sem conflitos essa dádiva divina respeitando a lei e práticas costumeiras”.

Esperemos que as boas intenções do Presidente Nyusi tornem-se realidade esta semana e, em vez de servir aos interesses dos ricos e poderosos, comece efectivamente a servir o povo, que afirma ser seu patrão.

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