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SELO: Carta aberta à Sua Excelência Presidente da República de Moçambique – Por Sociedade Civil

40 anos volvidos, tememos que o Programa ProSavana venha extorquir ao povo moçambicano o que a independência lhe restituiu.

A Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), a Associação de Apoio e Assistências Jurídica às Comunidades (AAAJC), o Fórum Mulher, a Justiça Ambiental / Amigos da Terra Moçambique, a Liga Moçambicana dos Direitos Humano (LDH), a Livaningo, a Marcha Mundial das Mulheres e a União Nacional de Camponeses, que subscrevem esta carta, saúdam e congratulam o Presidente da República pela coragem e determinação para enfrentar este nobre e complexo desafio de dirigir o nosso país para a prossecução dos objectivos constitucionalmente consagrados, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

Na sequência disso, estas organizações de defesa dos direitos humanos, do ambiente, da terra, e dos direitos das mulheres e das comunidades locais, vêm expor e requerer o seguinte:

Senhor Presidente,

As organizações em apreço estão deveras preocupadas e assustadas com as irregularidades, os recorrentes abusos e as ameaças proferidas no âmbito do processo de desenvolvimento do Programa ProSavana. Consequentemente, têm vindo a empregar todos os esforços ao seu alcance para perceber os fundamentos e o enquadramento do mesmo, o seu ajustamento à realidade moçambicana, incluindo os reais benefícios que alegadamente trará para o desenvolvimento das comunidades rurais, para o desenvolvimento da agricultura familiar, no respeito pelas tradições e pelas especificidades culturais dos camponeses e camponesas, bem como para a soberania alimentar, garantia de segurança dos direitos sobre a terra, ambiente e direitos humanos conexos.

As organizações subscritoras opõem-se a este programa fundamentalmente:

– Pela extensão de terra requerida e necessária para implementação do ProSavana que afecta directamente cerca de 4.5 milhões de moçambicanos;

– Pela manipulação de informação e intimidação das comunidades e organizações da sociedade civil que se opõem ao ProSavana, apresentando alternativas sustentáveis para o sector agrário, protagonizado e liderado ao mais alto nível por responsáveis do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar;

– Pela usurpação de terras das comunidades locais por corporações brasileiras, japonesas, nacionais, bem como de outras nações;

– Pelo facto de o ProSavana se fundamentar no aumento da produção e produtividade baseada em monoculturas de exportação (milho, soja, mandioca, algodão, cana de açúcar, etc), prevendo a integração de camponeses e camponesas nesse processo produtivo exclusivamente controlado por grandes corporações transnacionais e instituições financeiras multilaterais, que, inevitavelmente, vai destruir os sistemas de produção da agricultura familiar;

– Pela importação das contradições internas do modelo de desenvolvimento da agricultura brasileira para Moçambique;

– Pelo risco de surgimento de famílias e comunidades Sem Terra em Moçambique, como resultado dos processos de expropriação de terras e consequentes reassentamentos;

– Pelo risco de convulsões sociais e conflitos sócio-ambientais nas comunidades ao longo do Corredor de Nacala e noutras regiões do país;

– Pelo risco de agravamento da miséria nas famílias das comunidades rurais e de redução de alternativas de sobrevivência e existência; Pelo risco de destruição dos sistemas de produção das famílias camponesas, com a consequente insegurança alimentar daí resultante;

– Pelo aumento da corrupção e dos conflitos de interesse;

– Pelo risco de poluição de ecossistemas, solos e recursos hídricos como resultado do uso excessivo e descontrolado de pesticidas, fertilizantes químicos e agro-tóxicos;

– Pelos riscos de desequilíbrio ecológico como resultado do desmatamento de extensas áreas florestais para dar lugar aos mega projectos de agronegócio.

O ProSavana não enquadra a realidade moçambicana, a informação sobre o mesmo é propositadamente escassa e de difícil acesso, a participação pública das comunidades e da sociedade civil neste processo tem sido feita à margem das normas que a regulam. É exemplo disso o seu processo de auscultação pública, que apresentou várias irregularidades, incluindo discursos intimidatórios por partes das autoridades responsáveis e a limitação do direito à opinião e liberdade de pensamento. Ou seja, os contornos do ProSavana não respeitam os ditames do direito à informação, dos princípios da transparência e da participação pública constitucionalmente consagrados.

Até ao presente, à sociedade civil e as comunidades locais afectadas não foi dado a conhecer o conteúdo integral dos seguintes documentos:

1. Documentos metodológicos que orientaram a concepção do Plano Director do ProSavana.

2. Acordo de Parceria do Programa ProSavana,

3. Actas de consultas às comunidades sobre o ProSavana.

4. Estudos de viabilidade feitos para a implementação do Programa ProSavana tendo em conta a garantia de segurança dos direitos das comunidades sobre a terra, a salvaguarda da agricultura familiar, o desenvolvimento das comunidades afectadas e o impacto ambiental.

Foi nestes termos que as presentes organizações, foram as várias campanhas de sensibilização e debates públicos promovidos sobre a questão em apreço, endereçaram cartas e requerimentos às autoridades competentes, incluindo comunicados de imprensa, solicitando informação relevante sobre o Programa e apelando que não se deixe que este prossiga sem que esteja de acordo com a lei e enquadrado nos objectivos fundamentais do nosso Estado, conforme plasmado na Constituição da República. No entanto, as autoridades não têm dado qualquer importância às questões que a sociedade civil e comunidades locais têm levantado.

Excelência,

Se o governo acredita que o Programa ProSavana é adequado para o desenvolvimento social e económico do País, qual a razão de estar a ser conduzido de forma secreta, sem transparência e participação pública nos termos da Lei? Qual é a razão das intimidações à sociedade civil e aos camponeses? Porquê que as reuniões de auscultação pública são feitas apenas com o intuito de legitimar o processo, sem respeitar as regras para uma efectiva e reconhecida legitimação?

A sociedade civil e a maioria dos camponeses e camponesas do Corredor de Nacala têm sido excluídas deste processo por vários mecanismos e uma das formas mais usadas é a denegação deliberada de informação e falta de demonstração clara, objectiva, concreta dos reais fundamentos e benefícios do ProSavana para os moçambicanos.

Importa notar que a actividade da Administração Pública é regida por determinados princípios legais essenciais, dentre os quais, o princípio da legalidade, o da prossecução do interesse público, o da boa-fé, o da colaboração da Administração com os administrados, o da participação dos administrados, o da transparência e o da decisão, conforme resultam do artigo 249 da Constituição da República e da lei 14/2011, de 10 de Agosto – Lei do Procedimento Administrativo. A legislação sobre a terra e ambiente é de extrema importância neste processo e apresenta regras e princípios basilares que devem nortear os processos desta natureza, mas, no caso em apreço, estes têm sido grosseiramente atropelados.

O Senhor Presidente da República quando proferiu o seu discurso oficial na cerimónia de investidura ao cargo da Presidência da República de Moçambique assumiu vários compromissos de efectivação da transparência, diálogo, participação e inclusão pública e respeito pelos direitos humanos, no processo de tomada de decisão na sua governação, bem como a cultura de responsabilização e prestação de contas. Eis alguns dos compromissos assumidos pelo Senhor Presidente, mas que não se refletem no ProSavana:

“Compatriotas”

“O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique. E eu estou pronto! E estou confiante que, juntos, iremos construir o bem-estar do nosso povo e um futuro risonho para as nossas crianças.”

“Defenderei de forma vigorosa os direitos humanos, em particular o direito à vida e às liberdades fundamentais do homem.”

“Asseguraremos que as instituições estatais e públicas sejam o espelho da integridade e transparência na gestão da coisa pública, de modo a inspirar maior confiança no cidadão. Queremos uma cultura de responsabilização e prestação de contas dos dirigentes para que conquistem o respeito profundo do seu povo. Queremos dirigentes que escutem os outros, mesmo quando a opinião desses outros, não lhe for favorável. Exigirei do meu governo os valores do humanismo, humildade, honestidade, integridade, transparência e tolerância.”

A terra é uma das maiores conquistas da independência nacional e património do Estado, do povo moçambicano. O ProSavana é um programa onde há uma gritante e irresponsável falta de consciência sobre os riscos que pesam sobre o futuro dos moçambicanos caso o Governo decida prosseguir com ProSavana. A pressa para implementar o ProSavana interessa tão somente às empresas e aos investidores nacionais e estrangeiros, que tem uma visão de lucro pela agricultura de grande escala, sem respeitar a autonomia e soberania dos camponeses, o meio ambiente os direitos humanos.

Nestes termos, as organizações da sociedade civil em causa requerem à Sua Excelência Presidente da República que, no uso das competências que a lei lhe confere, ordene que os conteúdos integrais dos documentos relativos ao ProSavana sejam urgentemente do domínio público em conformidade com a lei.

Requerem também que as supostas auscultações públicas levadas a cabo sejam consideradas nulas e de nenhum efeito por não terem respeitados os preceitos essenciais que garantem a sua validade em conformidade com o Estado de Direito que a nossa constituição defende.

Mais ainda, requerem que o governo tome uma atitude no sentido de esclarecer e acautelar devidamente e em tempo útil as preocupações dos camponeses e da sociedade civil em torno do ProSavana.

Por fim, requerem a Sua Excelência Presidente da República, que se digne a aceitar um encontro com estas organizações para um diálogo franco sobre o Programa ProSavana.

Por Sociedade Civil

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