Em cada noite uma performance elucidativa, uma dança à mistura das lamentações de uma juventude prenhe de tristes lembranças, uma peça de teatro que encanta e extasia. Durante quatro semanas foram tantas as peças que foram apresentadas na 12ª edição do FITI, Festival Internacional de Teatro de Inverno, na Casa Velha, em Maputo. Dezenas de artistas de diferentes países e de várias gerações trouxeram cor, animação, alegria e reflexão, à um lugar que provou, mais uma vez, que a cultura anima…
Numa zona nobre da cidade de Maputo, onde a elitização entrou em aceleração e onde jaz a desorientação, a presença de uma festa de teatro, uma vitalidade cultural, norteia a qualquer um que por àquelas bandas circula. É que no FITI o enigma está nas actuações sincronizadas entre diversas gerações de teatro, da música, da poesia, no mesmo palco. Talvez, também, nas memórias de onde os “shows” são feitos.
No coração de Maputo há uma casa de recordações que mesmo o tempo não consegue destruir. Apagar. É lá, na sala do lendário Teatro Mapiko, onde diversas actividades culturais e recreativas ganham corpo, onde muitos – hoje, alguns, melhores – artistas estreiam-se. Renovam-se. Reinventam-se. Mas o resto, tudo o que é pretérito, permanece velho, igual à casa.
Embora tenham já transcorridos mais de duas décadas, a casa, que também é velha pela sua estrutura degradada, ainda acolhe actores. E foi assim em todos os tempos…
O teatro é o prato principal….
Se, por um lado, nos dias que correm, cresce o interesse, por parte dos encenadores e actores de teatro de, quase, todo o mundo, de produzir obras teatrais que versam sobre as nossas vidas, os nossos hábitos, por outro, há quem se acanhe com estas radiografias.
Por ser verdade, às vezes, senão sempre, temos de convir, de facto, que, mais do que uma diversão e entretenimento, o teatro é uma aula intelectual, que critica e exorta à mudança de comportamentos. À guisa de exemplo, ainda no rol das exibições alusivas ao festival, o Grupo de Teatro Angolano, Ombaka, trouxe-nos “A Lei” que rege a falsidade e a corrupção no seu país.
No entanto, além das particularidades envolvidas na relação entre o real e o fictício, outros – os mais ousados – preferiram ser mais sarcásticos, como é o caso do também grupo angolano Kulonga, que no último domingo fechou as sessões com a peça “Loucura de Barriga Vazia”.
A peça, encenada por duas pessoas, aparentemente com relações amorosas, revela a forma como algumas mulheres (julga-se interesseiras), sentem-se quando descobrem que o seu, pretendente à, parceiro é actor de teatro. Neste caso, devido às peripécias por si vividas, em Angola como também no mundo, onde o desrespeito pela arte e pelos respectivos artistas pairam, para eles o teatro é uma loucura que se vive de barriga vazia.
De Moçambique, os agrupamentos Mahamba, com a peça “Combati Um Bom Combate”; Fungulamassu, com “Eu e Meu Eu”; os beirenses Malua, com “Nós da Munhava”; Hurre, com “Amor, O Círculo da Mentira”, entre outros, também disseram-nos na cara o que atrasa o nosso desenvolvimento.
…. e a música a sobremesa
Considerar que a primeira arte (a música) é sempre indispensável para qualquer que seja o momento das nossas vidas, talvez, justificaria a sua inclusão nesta 12ª edição do FITI. De acordo com o coordenador do Grupo de Teatro Girassol, “embora os créditos sejam elevados, vimos a necessidade de trazer alguns artistas para aquecerem mais as nossas noites de inverno”.
Na verdade, os desafios de Girassol, patrono da iniciativa, são enormes, mas não mais que a vontade de ajudar os mais novos actores e, desta feita, proporcionar um momento diferente aos maputenses e não só. Talvez, porque eles acreditam que falar (apenas) sobre os problemas não garante a sua resolução.
Por essa razão, na senda, num programa designado FITI Música, a cantora moçambicana Melita Matsinhe, as bandas Kakana e Thikyt desfilaram as suas classes. Na última noite de sessões, 21 de Junho, o agrupamento Thikyt mostrou que de novo só tem o nome.
Os membros constituídos por Cíntia, a vocalista; Timóteo Cuche, saxofonista; Samossidino, percussionista; Magaia, baterista; Zerito, baixista e Soares, teclista tocaram quatro temas que durante mais de meia hora levaram o publico ao êxtase.
Mérito para os melhores
A 12 ª edição do FITI não vai ser só memorável para os artistas que, pela primeira vez, estreiam-se em palco, como também para os “macacos velhos” da quinta arte. Para além de ter dado motivos suficientes para que recebesse um destaque de mérito pelo esforço que a organização deste evento tem dado para a elevação do teatro em Moçambique, que inclui intercâmbio com estrangeiros, sobretudo, pela divulgação de novos talentos, “meritar” os melhores embondeiros do teatro foi uma aposta recomendável.
No entanto, se, efectivamente, reconhecermos este cenário como pura reverência aos mestres, até que ponto isso mudará a vida desses, diga-se, ícones da quinta arte e dos seus respectivos pupilos? Quer queiramos ou não, qual quer reposta é valida, mas, por enquanto, saiba-se apenas que Manuela Soeiro, Adelino Branquinho, Lucrécia Paco, Gilberto Mendes e a Associação Cultural da Casa Velha foram os contemplados.