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Alguns professores assediam, engravidam as alunas e ficam impunes, a sociedade aflige-se mas faltam soluções…

Alguns professores assediam

A relação entre os docentes e as alunas nas instituições de ensino moçambicanas está longe de ser saudável. É promiscua. Desta vez, o mal-estar não resulta de os professores não saberem ensinar nem do facto de as meninas terem de dividir o tempo entre a escola e as tarefas domésticas. Elas sofrem assédio sexual, algumas delas ficam grávidas, casam-se precocemente e abandonam a instrução. Este ano, pelo menos 2.794 crianças estão prenhes e o risco de engrossarem a lista das raparigas cujo futuro é incerto devido a esta situação é maior.

O problema não é de hoje mas pouca coisa melhora. As autoridades da Educação e as organizações da sociedade civil que actuam em defesa dos direitos da criança, em particular da honra das raparigas, estão com as mãos à cabeça, porque as estratégias de combate a este mal fracassam, e os promotores destes actos ficam impunes em conivência com as famílias que, em vez de denunciarem os casos, exigem ao violador casamento com a vítima e/ou pagamento de uma multa.

Jorge Ferrão, ministro da Educação e Desenvolvimento Humano, alerta que a desistência das meninas da escola acentua-se a partir dos 12 anos de idade e das 2.794 miúdas grávidas, 661 encontram-se na província da Zambézia, onde 539 frequentam o ensino primário, 611 em Cabo Delgado, 570 em Nampula e 40 em Gaza. Este prática reiterada é uma das maiores ameaças às miúdas e bloqueia sonhos de milhares delas.

Daina Vanessa, estudante da 12a classe na Escola Comunitária Armando Emílio Guebuza, em Maputo, disse que ela já sofreu três casos de assédio sexual. Como artimanha, o docente popôs amizade à adolescente mas “eu recusei. (..) Ele foi meu professor na 8a, 9a e 10a classe”. Neste nível, o referido pedagogo cercava a miúda de todas as formas e fazia chantagem para que ela cedesse: “Expulsava-me da sala por qualquer motivo (…) mas eu nunca saía”.

Os colegas de Daina, que mal estavam informados do se passava, zangavam-se e alegavam que a suposta vítima estava a dificultar o decurso normal das lições e ela respondia: “Eu também quero ter aulas. Informei à minha mãe”, ela dirigiu-se à direcção da escola e o caso ficou ultrapassado. “Transitei para a 11a classe. Encontrei outro professor, que foi mais directo” e pretendia “que tivéssemos uma intimidade… Ele dizia que eu era uma aluna dedicada” mas quando “recusei nada do que eu dizia (na sala de aulas) estava certo”.

“O assédio tem sido quotidiano para todas as raparigas. No ensino básico eu nunca tinha passado por isso”, narrou Daina que acrescentou que quando transitou para o nível médio, a primeira coisa para a qual a sua progenitora alertou foi que estivesse atenta a um conjunto de actos ou ditos com intenções sexuais perpetrados pelos pedagogos e funcionários dos estabelecimentos de ensino.

“Cada rapariga deve saber lidar com isso”, advertiu Daina, que afirmou que existem raparigas que quando ouvem dizer (dos professores) “mete-te comigo que a tua vida está resolvida na escola, elas acham que na verdade é o que acontece. No princípio até pode parecer bom porque as notas vão ser elevadas”. Porém, em caso de gravidez, a menina fica em casa e o docente continua a fazer a sua vida normalmente.

O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano e a sociedade civil juntaram-se, na segunda-feira (15), para reflectir em torno da “segurança da rapariga na escola”. Todos defenderam a prevenção do abuso contra as meninas mas ninguém disse, concretamente, como alcançar tal desiderato com sucesso. No encontro, diga-se, houve falta de muitas crianças como a Daina para que contassem, na primeira pessoa, o que se passa nas suas escolas, como é que conseguem contornar o assédio sexual e como acham que devem ser protegidas.

A sociedade civil, que advoga pelos direitos da rapariga, exige a revisão do Despacho Ministerial no. 39/GM/2003 do Ministério da Educação, que,no seu entender, ao longo dos últimos 12 anos, confirmou as piores expectativas na medida em que alguns preceitos que nele constam estimulam a desistência escolar por parte da crianças e não pune os comportamentos enti-éticos dos docentes e demais profissionais da Educação que protagonizam acções de violação sexual.

O documento a que nos referimos determina ainda, com efeitos imediatos, que é vedada a frequência para o curso diurno nos níveis elementar, básico e médio do Sistema Nacional do Ensino às alunas que engravidem, bem como os respectivos autores, caso sejam alunos da mesma escola.

No entender da sociedade civil, “quando a menina é compulsivamente tirada da sua escola, da convivência com os colegas e é abandonada à sua sorte no período nocturno, somos nós que devíamos sentir-nos envergonhados, pois estamos a faltar com o nosso dever de protecção”.

Jorge Ferrão deu a mão à palmatória e explicou que a preocupação não é apenas com as raparigas grávidas que devem passar para o curso nocturno, mas, também, com a discriminação inconsciente que se comete quando se promove tal prática por falta de vagas no período diurno. “Se não oferecermos, hoje, a educação às crianças, amanhã serão mulheres que não terão ferramentas necessárias para educar os seus filhos”.

Em relação aos pedagogos que engravidam alunas afectas à mesma instituição de ensino ou assediem-nas sexualmente, eles são suspensos do serviço e perdem o direito temporariamente ao vencimento, são constituídos infractores e punidos com processos disciplinares. Os “advogados” dos petizes consideram estas medidas paliativas, pedem uma mão dura contra os violadores e condenam a solução mais frequente destes casos, que consiste na transferência de professores ou outros funcionários para um distrito/província”, onde continua a fazer mais vítimas.

À luz do seu estatuto, o docente é obrigado a “lutar pela dignidade e pela emancipação da mulher” e nunca “ultrapassar a natureza da sua relação profissional com os alunos, para qualquer fim”. Todavia, na prática, isto é utopia, porque, para os professores, as raparigas continuam objectos de satisfação sexual. O problema repete-se nas comunidades e há poucas denúncias ou, quando ocorrem, são feitas ao Conselho da Escola, uma entidade que não dispõe de capacidade para dirimir a situação e assegurar o respectivo desfecho.

Para a sociedade civil, “são poucos os casos em que o rapaz que engravidou a colega” tenha sido punido ou forçado a mudar-se do período diurno para o nocturno, tal como acontece com a rapariga. Alguns preceitos do Despacho no. 39/GM/2003, são esporadicamente aplicados devido à cumplicidade e ao encobrimento resultantes da solidariedade entre os professores e os gestores escolares. Nem sequer é levantado um processo-crime, como também não se faz nenhuma denúncia à Polícia, pois as famílias são desincentivadas de o fazer, optando-se pelo pagamento de multas.

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