Os paralímpicos são verdadeiros heróis na sua modalidade e superam, de longe, os Mambas, que, apesar de todo o dinheiro que o Estado despende para garantir a sua participação em competições regionais e internacionais, não honram os moçambicanos que torcem incondicionalmente por eles. Como se esperava, os paralímpicos, sempre desamparados, relegados à sua condição física e abandonados à sua sorte, em Maio último, foram à Coreia do Sul, consentiram sacrifícios, deram o melhor de si e trouxeram para o país nove medalhas, das quais três de ouro, duas de prata e quatro de bronze.
O que nos vale lotar um estádio para aplaudir uma equipa de futebol rotulada como venenosa, mas que na prática soma derrotas de jogo em jogo? A selecção nacional de atletismo paralímpicos, que até as bolsas de estudo lhes passam ao lado e são atribuídas a atletas sem rendimento em prol do desporto, voltou a demonstrar que está em forma, é ganhadora e alimenta uma sede de comandar a lista das modalidades mais medalhadas em Moçambique.
Todavia, “como sempre estivemos entregues ao deus-dará. No início da preparação não tínhamos condições e (…) tive de custear as despesas de transporte. No que diz respeito ao lanche, os atletas, por falta de fundos foram obrigados a fazer um jejum. Os meus desportistas foram enormes, uma vez que mesmo sem as mínimas condições conseguiram conquistar nove medalhas o que, decerto, é lisonjeador”, narrou o treinador Narciso Faquir que, pese embora o sucesso, não esconde o seu constrangimento por fazer um desporto promissor, mas marginalizado.
Se “por trás de um grande homem existe uma grande mulher”, por trás de atletas campeões mundiais existe um enorme treinador e era suposto que o Governo reconhecesse as glórias que ele e a sua equipa trazem para Moçambique e representam a todos nós da melhor maneira fora de portas. Narciso Faquir, que já se revelou um monitor não aventureiro nesta área, disse-nos que as medalhas resultam da motivação que transmitiu aos seus pupilos. Os restantes resultados satisfatórios obtidos nos campeonatos mundiais foram, acima de tudo, resultado de um sacrifício que superou os contratempos.
Olhando para os anais do desporto moçambicano, foi a primeira vez que uma selecção conseguiu conquistar nove galardões numa prova mundial. Narciso Fakir não escondeu a euforia pelo histórico resultado conseguido na Coreia do Sul.
“Como treinador não esperava conquistar muitas medalhas porque competíamos com países que valorizam o atletismo para pessoas deficientes, diferentemente do que acontece em Moçambique. Fizemos história, pois foi a primeira vez que uma selecção nacional conquistou mais de uma medalha numa prova mundial”.
“Os êxitos obtidos na Coreia do Sul motivam-nos para as competições vindouras”
Conquistar uma medalha, seja ela de ouro, prata ou bronze, numa prova em que participam os melhores atletas do mundo não é tarefa para qualquer um, mas os comandados de Narciso Faquir trouxeram daquela competição mundial um total de nove. O seleccionador nacional diz não estar com o sentimento de missão cumprida, visto que ainda não se sente um treinador realizado.
“Conseguimos alcançar um feito único. Superámos países que apostam muito no atletismo adaptado e Moçambique, apesar das condições que oferece aos atletas, ganhou três medalhas de ouro, duas pratas e quatro de bronze numa competição em participaram mais de 60 países. Estes resultados motivam-nos a continuar a trabalhar para conquistarmos mais medalhas nas competições vindouras”.
“Os clubes moçambicanos têm medo de apostar no atletismo paraolímpico”
Na capital moçambicana, só o Clube Desportivo Matchedje é que movimenta o atletismo para deficientes. Na opinião do treinador dos militares, os clubes moçambicanos estão receosos de apostar no atletismo adaptado.
“Em Moçambique apenas dois clubes é que movimentam o atletismo adaptado: o Clube Desportivo Matchedje e a Associação Desportiva de Chimoio. Os clubes moçambicanos têm receio de abraçar o atletismo para deficientes. Talvez o problema esteja na falta de treinadores capacitados para trabalhar com este tipo de desportistas porque não é fácil orientar os treinos”, disse o nosso entrevistado para depois declarar o seguinte: “quando em 2010 comecei a trabalhar com esses atletas que hoje são campeões de mundo, os meus colegas chamavam-me maluco, mas eu não desisti e hoje conseguiram representar condignamente as cores da nossa bandeira. Existem treinadores ambiciosos que hoje querem trabalhar com os meus atletas para ganharem reconhecimento a nível internacional, porém, eu não aceito porque eles devem criar as suas próprias bases como fiz no passado”.
“Narciso Faquir ainda não é um treinador realizado”
Mesmo com as nove medalhas conquistadas no Campeonato Mundial realizado na Coreia do Sul, o selecionador nacional do atletismo paraolímpico ainda não se sente um treinador realizado.
“Ganhei nove medalhas no “Mundial”, mas ainda não me sinto realizado porque o meu maior sonho é ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos. Depois disso serei um grande técnico”.
“Ainda continuamos desamparados”
Mesmo com excelentes prestações o atletismo paralímpico continua desemparado pelas entidades desportivas em Moçambique. Narciso Faquir declarou que desde que a selecção regressou ao país ainda não foi solicitado por ninguém para uma merecida homenagem a não ser o Ministério da Juventude e Desportos.
“Há certas modalidades que só por uma qualificação as suas selecções são recebidas em várias instituições e outros apenas pelo segundo lugar recebem terrenos e avultadas quantias de dinheiro, mas os meus atletas ainda continuam desamparados. Vamos continuar a trabalhar para representarmos condignamente o nosso país. A Federação Moçambicana de Atletismo para pessoas deficientes ainda não está registada, e talvez seja por isso que somos esquecidos. Aproveito a ocasião para agradecer ao Ministério da Juventude e Desportos e ao Instituto Nacional de Desporto pelo apoio que nos têm dado.
“Vamos atacar os Jogos Africanos com 11 atletas”
Na X edição dos Jogos Africanos que tiveram lugar na capital moçambicana, o atletismo adaptado foi a modalidade que ganhou o maior número de medalhas em relação às outras. Na próxima edição, que terá como anfitriã o Congo Brazzaville, Narciso Faquir vai atacar as medalhas com 11 atletas.
“No presente estamos a trabalhar tendo em vista a nossa participação nos Jogos Africanos. Nesta competição queremos, mais, uma vez honrar as cores da bandeira nacional. Agora estamos a trabalhar com mais de 20 atletas, mas apenas 11 seguirão para Congo Brazzaville”.