Cinco agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Massingir, na província de Gaza, interceptaram um caçador furtivo, no Parque Nacional do Limpopo, na posse de um corno de rinoceronte. Em vez de prenderem o criminoso e apreenderem o “troféu”, associaram-se a ele e venderam o chifre, acabando por repartir o dinheiro do crime. Polícias e caçador estão detidos, mas este último não foi ainda identificado.
Os agentes da PRM, dois guardas, dois sargentos e um subinspector, tomaram conhecimento da presença do caçador furtivo numa aldeia no interior do Parque – que, com os Parques Nacional do Zinave e Banhine (província de Gaza), Kruger (na África do Sul) e Gonarezhou (no Zimbabwe) forma a área de Conservação Transfronteiriça do Grande Limpopo -, e, por meios próprios efectuaram a busca e apreensão, que terá acontecido entre os dias 07 e 08 do mês em curso.
“No lugar de o prenderem e apreenderem o corno (de um rinoceronte que terá sido abatido no Parque Kruger) acompanharam-no até ao local da venda”, relatou o porta-voz do Comando Provincial da Polícia em Gaza, Jeremias Langa, que acrescentou que o chifre terá sido vendido a um cidadão não identificado pelo valor de 920 mil meticais e o valor foi repartido em metade para o caçador ilegal e outra metade para os agentes da Polícia.
Nesta terça-feira (09), falando no briefing à Imprensa, o porta-voz do Comando-Geral da PRM, Pedro Cossa, confirmou o crime e as detenções e explicou que corre um processo-crime contra o caçador furtivo, identificado apenas pelo nome de Jorge, assim como os agentes envolvidos naqueles crimes.
Em contacto telefónico com o @Verdade, o porta-voz do Comando Provincial da Polícia em Gaza esclareceu que Jorge é residente em Massingir e já havia sido detido em 2013. “Em 2013 já esteve num outro caso, foi encontrado no Parque Nacional do Limpopo com outros dois indivíduos e portavam uma arma. Na altura era antes de termos a nova lei (Lei da Biodiversidade 16/2014 de 20 de Junho) e foi condenado por porte ilegal de arma de fogo.”
“Aquele tipo de negócio faz-se na rua, a Polícia está neste momento em diligências com vista à localização do comprador e consequente apreensão do corno (…) estamos a trabalhar com o caçador furtivo, pois achamos nós que já o tinha como cliente, não se conheceram naquele dia.”
O el dorado de cornos de rinocerontes
O distrito de Massingir é apontado como a principal rota de comércio de chifres de rinocerontes que são abatidos no Parque Kruger e, aproveitando a proximidade com a África do Sul e as facilidades das autoridades do lado moçambicano, passam dos caçadores furtivos para os traficantes que os fazem chegar aos mercados paralelos da Ásia, particularmente ao Vietname, onde o quilo do corno de rinoceronte chega a ser vendido a 100 mil dólares norte-americanos.
A procura do chifre de rinoceronte deve-se à crença, naquela região do globo, que transformado em pó tem propriedades milagrosas como reduzir a febre, aliviar a dor, parar hemorragias nasais e curar doenças graves, incluindo o cancro.
Uma investigação de jornalistas do jornal alemão Der Spiegel refere a existência de pelo menos duas dezenas dos chamados chefões, os patrões da caça furtiva, que residem no distrito em mansões ostentosas erguidas no meio da mata, entre cabanas e casas de adobe, com paredes exteriores de azulejo e janelas com vidros fumados protegidas com barras de metal.
Quando precisa de um novo emprego, contou um residente de Massingir aos jornalistas, ele vai ao Carogé, um bar na estrada principal que atravessa o distrito. Políticos locais, agentes da Polícia, guardas-florestais e informadores encontram-se ali debaixo da sombra de canhoeiros. Dizem-nos que é aqui que os líderes das gangues de caça furtiva recrutam os novos “membros”.
O jornal alemão refere que um dos chefões é um indivíduo conhecido pelo nome de Navara, cujo verdadeiro nome é Simon Ernesto Valoi, vive na segunda aldeia dentro da reserva e, refere a reportagem, ele emprega entre dez a quinze equipas de caça, cada uma composta por três homens.
Segundo o Der Spiegel, nas noites claras de luar eles atravessam a fronteira para a África do Sul, uma pessoa leva uma espingarda ou a arma tranquilizante e a segunda um machado para cortar o chifre do rinoceronte. A terceira pessoa está encarregada de transportar provisões. É um trabalho perigoso. Entre 2008 e 2014, 363 caçadores foram mortos pelas forças de segurança sul-africanas.
A reportagem refere que os Hawks, uma unidade especial da Polícia sul-africana, acreditam que as equipas predatórias são apenas uma pequena parte de uma rede muito mais ampla que inclui guardas florestais corruptos, funcionários do parque, agentes da Polícia, caçadores profissionais e pilotos. Os guardas de caça são subornados para monitorizar os movimentos das manadas de rinocerontes enquanto os veterinários fornecem M99, um anestésico. Políticos locais, organizadores de safaris, comerciantes de gado e agricultores brancos actuam como intermediários.
Conclui a publicação, cujos jornalistas e fotógrafo chegaram a ficar reféns dos chefões e da Polícia em Massingir, que os líderes das gangues estão um degrau mais acima na hierarquia. Eles vendem os chifres aos círculos de contrabando que subornam depois companhias de navegação, inspectores da Alfândega, funcionários do porto e pessoal do aeroporto. Diplomatas e funcionários do ministério fazem parte, muitas vezes, da rede criminosa. Com efeito, trabalhadores da embaixada vietnamita certificam-se de que o produto chega aos armazenistas da sua terra natal. A África do Sul tem lançado repetidas investigações a diplomatas suspeitos.
Efectivamente, vários cidadãos de nacionalidade vietnamita, chinesa e até norte-coreana têm sido detidos na posse de cornos de rinoceronte e marfins, mas acabam por ser libertos, sob fiança, e desaparecem sem deixar rasto. Não há indicação de que algum deles tenha sido condenado pelas autoridades moçambicanas.