Da promulgação de leis que regem uma sociedade à corrupção que compromete não só a economia de um país, mas também a desorientação dos nativos, chega-se à conclusão de que são antes os poderes que se encontram infectados. Em “A Lei”, uma peça teatral do grupo angolano Ombaka, apresentada no último sábado (06), no ainda em curso Festival Internacional de Teatro de Inverno (FITI), as pequenas verdades “descobrem” grandes mentiras.
Imagine-se, no absoluto plano da fantasia, uma sociedade narcisista onde os governantes usam e abusam do poder, tudo isso devido à sua suposta imunidade. Ou seja, onde ainda, à força, se preserva o adágio segundo o qual “faça o que digo, não faça o que faço”. Imagine-se, também, um filho de rei que, como muitos outros “príncipes”, “pisam as leis com os pés descalços” e sem que nada lhes aconteça. E ainda um continente como África onde reina a ditadura parcial e o favoritismo.
Para deixar essas questões e criar debates num palco circular – como é o da Casa Velha – e numa plateia composta por jornalistas culturais, tradicionalistas, pseudo-analistas, estudantes das artes, actores de diferentes áreas, com pompa, oitos jovens angolanos embarcaram, na última sexta-feira (05), num voo rumo a Moçambique. Para participar no FITI os actores tinham como “carta na manga” A Lei. O que se sabe sobre ela?
A verdade é que em “A Lei” vive-se o distúrbio actual e, também, encontram-se soluções. Primeiro, os protagonistas vão à procura de um lugar “secreto” que sirva de exemplo e de fácil percepção dos acontecimentos para expor a cómica e reflexionada peça, mas, segundo conta Sincero Muntu, representante do grupo, são confrontados com a generalidade do assunto. É que a tal corrupção – perturbadora da lei – não só acontece numa localidade, num país ou continente. É um problema universal. Do mundo.
O drama acontece numa localidade distante (presume-se que seja África), onde o sistema vigente é ainda de monarquia e em que o preceito é a prioridade do monarca e do seu povo. Mas, ao contrário do que se rege em cada lei, o príncipe – um doentio irresponsável – usando do seu adjectivo, cria pânico na comunidade.
E explica Sincero: “A nossa intenção era de, justamente, firmar as realidades das sociedades quotidianas. É como se fosse um pano de fundo desse africanismo, das aldeias, dos reinos….”.
De todas a formas, “a história circula em torno de um conflito dentro de um reino onde se rege por leis rígidas enquanto o filho do próprio “chefe” quebra e desonra as mesmas normas. Então, como nós estamos acostumados a ver pessoas a serem sempre protegidas pelo poderio de alguém, trouxemos esta reflexão que, embora ofuscada pelo mesmo regime, é um perigo social. É verdade que não podemos ter uma sociedade perfeita, mas é possível fazer valer as normas estabelecidas”.
Perante a inquietante realidade, não só dos reinos mas também dos Estados, Sincero tem um outra observação: (…) se existirem leis que sejam para todos, e se forem para alguns então que não existam”.
Outra face de “A Lei”
Da mesma forma que nos fala de verdades, em “A Lei” há também mentiras.“Nesta peça trazemos algo de novo. Quebramos também o rotineiro fim da história. Ou seja, algumas pessoas, quando se aperceberam do conflito e da mensagem da obra, ficaram à espera do perdão e do encobrimento do rei ao seu filho. Mas, contrariamente, trouxemos algo de novo – e oxalá que tal constituísse verdade. Embora fosse o único filho do Majestade, quem por direito herda o trono, o pai foi obrigado a decretar a morte do seu próprio filho. E, perante o público, o acto foi consumado.
Para além da manipulação do facto simples que estimula toda a narrativa, introduzindo a dúvida referente ao fim da história – essa mentira que procura mostrar as atitudes mais éticas e, se calhar, justas – há uma outra “mentira” que os de Ombaka deixaram pairar. E essa falsidade é a do fim da corrupção na localidade e, consequentemente, de uma forma gradual, no mundo. Será possível?
Sobre Ombaka
Ombaka é um nome tradicional da cidade e município de Benguela, atribuído há anos. O agrupamento comemorou o seu décimo ano de actividade no passado mês de Março. Segundo conta Muntu, os fundadores de Ombaka vieram de um outro agrupamento em que eram activistas no tocante ao VIH/SIDA e a outras doenças. Então, quando o grupo começou a crescer, pensou-se em desenvolvê-lo, passando-se a trabalhar profissionalmente.