A Libéria foi declarada livre do ébola no passado dia 8 de Maio. Um dos “combatentes” deste vírus que matou mais de 11 mil pessoas é o médico moçambicano Jeremias Naiene, há oito meses neste país da África Ocidental e ainda sem data prevista para o seu regresso à casa. “Conseguimos eliminar o surto do ébola só com medidas de prevenção porque não precisámos de tratamentos experimentais e nem de vacinas”.
O médico Jeremias, que agradece a Deus por não ter sido infectado, relatou-nos em entrevista, por email, que não tem data ainda uma data prevista para regressar a Moçambique, pois vai ficar na Libéria para a reconstrução do sistema de saúde que colapsou desde que a epidemia eclodiu em Dezembro de 2013. “Ainda há muito que se fazer por cá para a restauração dos serviços de saúde.”
“A reconstrução do sistema de saúde consiste, primeiro, em restabelecer todos os serviços de saúde que tinham parado de funcionar (PAV, Saúde Materno-infantil, programa de malária, VIH, incluindo o TARV, Tuberculose e Lepra, cirurgias electivas, consultas externas, etc.). Mas também consiste em restabelecer o sistema de vigilância de outras doenças prioritárias, colocação de recursos, incluindo os humanos, laboratórios, comunicações e infra-estruturas. O objectivo é fazer com que o sistema de saúde seja melhor do que era antes do ébola para prevenir futuras epidemias do género”, explica o jovem médico moçambicano que só lamenta não ter ido para a linha da frente da luta contra este vírus, que na Libéria matou 4.700 pessoas, mais cedo, “a sensação de ter feito a sua parte neste surto é muito agradável.”
O fim da epidemia hemorrágica na Libéria foi declarado porque se passaram 42 dias sem novos casos. Este prazo representa duas vezes o tempo de incubação do vírus. Naiene, especializado em medicina tropical, recorda-se de alguns dos piores momentos que viveu. “Em menos de uma semana recebemos seis doentes da mesma casa na nossa Unidade de Tratamento, e quatro morreram, um deles à minha frente. Na mesma semana recebemos um doente de um condado vizinho chamado Grand Kru que também morreu à minha frente. O nosso centro de tratamento de repente ficou superlotado, sem capacidade para receber novos doentes. Tivemos de construir um novo centro de emergência.”
“Eu acreditava que aqueles eram os últimos casos”
O médico moçambicano confidenciou-nos ter vivido muitos momentos de frustração, quando via pacientes morrerem à sua frente sem nada poder fazer. “Frustrante é estar a conversar com alguém que aparentemente está bem e sabermos que o doente pode morrer dentro de poucos dias. Porque o ébola é assim. O doente parece bem hoje, mas em menos de uma semana provavelmente irá evoluir a óbito.”
O Natal e o fim do ano de 2014 foram passados a lutar contra a epidemia, a mais grave desde a identificação do vírus em 1976, centenas de casos eram registados todas as semanas, mas em Janeiro os primeiros sinais de vitória começaram a surgir quando a equipa em que estava integrado o moçambicano conseguiu interromper a cadeia de transmissão na comunidade de onde haviam vindo os seis doentes da mesma casa que faleceram.
“Foi emocionante porque conseguimos interromper a cadeia de transmissão naquela comunidade de uma forma muito rápida. Conseguimos impedir que duas crianças que estavam a ser amamentadas por duas das seis doentes (que morreram) desenvolvessem sintomas (…) Muita gente chorou de emoção quando eu anunciei que não só a comunidade, mas o condado inteiro havia completado 21 dias sem casos e eu acreditava que aqueles eram os últimos casos que o condado iria reportar”, relata o médico Jeremias, “e eu estava certo”.
A última pessoa contagiada pelo vírus na Libéria foi enterrada no dia 28 de Março, e desde então não foram registadas novas situações. Segundo o nosso entrevistado a vida regressou à normalidade, as escolas reabriram, os transportes públicos já funcionam normalmente e até já se joga futebol.
Prevenção foi a cura
Contudo, não mudaram as medidas de prevenção, designadamente a lavagem das mãos, proibição de aperto de mãos ou contactos físicos e manter forte vigilância dos casos de febre com a colheita de sangue para ser feita a análise do ébola, porque a Libéria ainda não está livre do vírus apesar de o surto ter chegado ao fim.
Por outro lado, nos vizinhos Guiné Conacri e Serra Leoa, ainda há registo de novos casos. Na semana finda a Organização Mundial da Saúde (OMS) diagnosticou 36 novos doentes, um número quatro vezes superior ao da semana anterior. Os casos são um alerta para o facto de que “este vírus não irá desaparecer silenciosamente e será necessário um esforço extraordinário para concluir o trabalho”, disse o representante especial da OMS para o ébola, Bruce Aylward. “Com o início da temporada de chuvas, a duplicação dos esforços será muito mais importante”, acrescentou.
Até ao presente não há vacina contra o ébola. “A prevenção é sempre melhor e mais barata do que a cura. Conseguimos eliminar o surto do ébola só com medidas de prevenção, porque não precisámos de tratamentos experimentais e nem de vacinas”, afirma o nosso compatriota.
Existem no mundo apenas duas vacinas, ainda em fase de testes, a VSV-EBOV, desenvolvida pela Agência de Saúde Pública do Canadá, que está a ser testada desde Março na Guiné Conacri, e uma outra, desenvolvida pela empresa britânica GSK (GlaxoSmithKline) com o Instituto Americano de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), a ser experimentada na Libéria desde Fevereiro.
“O impedimento de contactos para permitir o isolamento dos casos precocemente, a prática de funerais seguros, o uso de equipamento de protecção individual, as mensagens de sensibilização, as lavagens das mãos em todos os lugares públicos, o não aperto de mão ou qualquer contacto físico e o forte envolvimento comunitário foram as principais medidas que contribuíram para esta que eu considero a melhor história de sucesso de saúde pública dos últimos tempos”, conclui Jeremias Naiene.