Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

 
ADVERTISEMENT

Quatro histórias comuns

Quatro histórias comuns

O projecto Xiquitsi, que chegou ao fim no passado sábado (09), já arrebatou até almas de crianças, adolescentes e jovens idos de vários bairros da capital moçambicana. António Nhancale e Manuel Matsinhe, ambos de 20 anos de idade, Kenly Munguambe e Francisco Fumo, de 15 e 21 anos de idade, provêm de famílias pobres, facto que se traduz, por vezes, na falta de dinheiro para ir aos ensaios, mas esta dificuldade nunca abalou o gosto imensurável que nutrem por um estilo de ritmo frequentemente tido como opulento ou representante de uma sociedade refinada. A música clássica nunca foi, talvez, popular como é hoje em Maputo.

A Temporada de Música Clássica de Maputo já é uma tradição. E no meio de diversos intérpretes convidados do Xiquitsi eis que despontaram alguns talentos, que descobrimos precisamente nos cinco dias reservados à apresentação dos trabalhos desenvolvidos, dia e noite, por gente que no meio de pessoas talentosas e com tarimba ainda têm de suar bastante, dentro ou fora dos palcos, para provar que são uma promessa neste estilo musical. António, Manuel, Kenly e Francisco não deixaram os seus créditos em mãos alheias. O que se viu foi, simplesmente, uma maravilha.

O Xiquitsi teve início em Março de 2013 com duas vertentes. A primeira é a Temporada de Música Clássica de Maputo e a segunda a formação de uma orquestra e coros de Moçambique, ambos interligados entre si, na medida em que todos os músicos convidados orientam “workshops”, palestras e oficinas musicais visando os jovens formandos. Desde aquela altura tem instruído e alavancado a vida de muitos talentos da nossa praça.

Durante os dois anos de existência, o Xiquitsi atraiu muitos talentos, desde os apreciadores de violinos, passando por oboés e violas, até violoncelos.

António vive no bairro suburbano de Ndlavela, no município da Matola. A sua história não difere da de muitos jovens que fazem parte do Xiquitsi. Aos 20 anos de idade, o jovem sonha um dia cursar arquitectura, mas, confessa, “por enquanto a música é o meu auge”. Pese embora seja pobre e enfrente outras dificuldades diárias, perante as quais não se deixa abalar, o violinista pensa que o seu sucesso está próximo.

Crente da Igreja Congregação Cristã em Moçambique, António entrou no Xiquitsi a convite do seu amigo Manuel. Quando tudo começou, os dois jovens procuraram saber mais sobre a iniciativa uma vez que não tinham a pretensão de frequentar a escola de música por falta de recursos financeiros. A dupla fossou até que Manuel, também de 20 anos de idade, encontrou o “e-mail” da coordenadora do projecto, Kika Materula. A descoberta foi, na verdade, uma lufada de ar fresco para quem estava à espera de uma oportunidade para “brilhar”.

“Primeiro ficámos com receio de nos aproximarmos, pura e simplesmente porque pensávamos que fosse um projecto com fins lucrativos. Mas depois de termos falado com a professora Kika, ficámos esclarecidos e, logo, fizemos a inscrição. Foi em Agosto de 2013”, conta a dupla.

Embora vivam em zonas diferentes, as suas realidades não se distanciam. Segundo conta António, a dificuldade de transporte tem-lhe limitado os sonhos. Para além do dinheiro de “chapa”, que tem escasseado, a dificuldade de transportar o instrumento (violino) para casa e para a escola no minibus tem-lhe desanimado, quase todos os dias.

Manuel acrescenta: “só continuamos no Xiquitsi porque acreditamos na música. O sucesso, julgo eu, não é só alcançado por conhecimentos teórico-práticos, mas também com dedicação. Estamos quase a concretizar os nossos sonhos. As dificuldades existem e sempre existirão”.

Duas figuras inspiradoras

Kenly, de 15 anos de idade, é a única mulher entre os nossos entrevistados, mas ela não liga a isso. É confiante e acredita nas suas habilidades. Sobre a jovem temos pouco para contar, pois o seu primeiro contacto com os instrumentos foi na Escola Nacional de Música. Ao que parece, se calhar devido à sua idade, não passa por dificuldades assustadoras e, deferentemente de alguns, o seu desafio é estudar. Só estudar.

Por outro lado, encontrámos Francisco. O jovem vive no bairro de Maxaquene, na cidade de Maputo, e tem 21 anos. A sua vida é uma história infindável. Já percorreu quase toda a cidade de Maputo, a pé, por falta de dinheiro de transporte.

“Entrei no Xiquitsi em Fevereiro de 2014 a convite de um amigo que tinha uma vizinha que fazia parte do projecto. A boa-nova de que era um agrupamento de música e que ensinava jovens a tocar instrumentos de borla foi muito bem-vinda para mim, pois há muito tempo venho apreciando a música, mas porque não tenho condições sempre controlei as minhas ambições”.

Depois de ter conseguido abraçar a iniciativa, a vida de Francisco ganhou novos desafios: o primeiro era ficar horas a ensaiar sem comer absolutamente nada e, o segundo, percorrer longas distâncias a pé a fim de participar nos ensaios e concertos.

E na primeira pessoa conta: “os meus primeiros dias foram mesmo piores. Lembro-me de que tinha duas aulas por dia. Então tinha de sair da escola para casa almoçar e, dentro de uma hora, tinha de voltar a ensaiar. Volvido algum tempo, devido a essa incansável rotina, passei a ficar na escola sem comer nada”.

“Foi estranho, mas não tinha outra alternativa. Daí a professora Iliane Simão procurou saber mais sobre a minha vida, a fim de ajudar no que pudesse. Foi quando ela descobriu que eu passava todo o dia com fome a ensaiar. A partir daquele dia começou a comprar-me o almoço”.

 

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *