Os cuidados extremos com que ela trata de si própria, a excessiva confiança e, particularmente, a vaidade que a caracteriza não são coisas de hoje, nem do dia em que ela se tornou deputada. Talvez seja verdade que ela é a mulher que dá mais nas vistas sem qualquer esforço dentro e fora do seu local de trabalho. Aos cinco anos de idade Ivone Soares já acordava muito cedo para se embelezar, fazia isso por imitação aos pais e sempre acabava por ficar em casa porque nem à escolinha ia. Ela nunca gostou de brincadeiras do tipo de misturar areia com água para “fazer bolos” como fazem e adoram as crianças actuais.
Aparentemente, Ivone nasceu num berço de ouro, mas ela diz que não, porque, tal como outra gente, passou por necessidades e batalhou para chegar onde está. Aliás, segundo ela, em 1979, ano em que nasceu, devido às carências, o Estado provia para as famílias só o que era preciso e era obrigatório economizar-se ao máximo. Naquela altura, quase ninguém tinha luxo, a produção era em série e não havia exclusividade na roupa nem nos alimentos.
Para além da sua mãe, Ivone Soares admira bastante Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos (LDH), “pelo seu esforço e pela sua coragem na defesa de gente pobre e desfavorecida”.
Esta senhora veio ao mundo a 23 de Outubro daquele ano, no bairro Central e a sua casa ficava próximo da Catedral de Maputo. Ela provém de uma família de militantes da FRELIMO – excepto o seu pai, um engenheiro técnico que trabalhava na Rádio Moçambique, que até a sua morte, há 26 anos, se manteve longe da política – e considera a mulher moçambicana guerreira da sua própria causa.
“As mulheres moçambicanas são grandes batalhadoras, mas falta-lhes a inclusão financeira”. De acordo com ela, é muito pequeno o grupo de mulheres, não ligadas ao regime, que gozam deste benefício. “Quantas mulheres da oposição são empresárias, talvez não me apresente nenhuma, mas da Frelimo são muitas”, diz ela e clarifica: “eu não só empresária, sou política (…)”.
Apesar de ter poucos recursos financeiros, esta camada consegue fazer muita coisa para garantir a sobrevivência da sua prole, assegurar a educação dos filhos e manter a coesão no lar.
Se, por um lado, os cabelos postiços e longos da Ivone lhe conferem mais vaidade e a sua convicção de que é fotogénica lhe dá algum poder, por outro, as suas unhas também postiças e grandes denunciam uma mulher que não lava a loiça nem a roupa. Raras vezes faz actividades domésticas “porque trabalho muito fora de casa. Infelizmente sou uma esposa ausente mas, apesar disso, não deixo que a minha família viva em péssimas condições (…). O marido compreende (…)”.
A nossa entrevistada, que nega que a sua notabilidade política seja resultado do seu parentesco com o Afonso Dhlakama, presidente do partido a que está vinculado, diz que é contra a submissão do género feminino aos homens. Fica agastada pelo facto que alguns os maridos manterem as suas esposas confinadas em casa e sujeitas à violência física e psicológica. “A mulher sofre maus-tratos calada por ser dependente”.
“Eu comecei a militar activamente na Renamo aos 14 anos de idade. Colava panfletos e participava nas reuniões de jovens. Aos 18 anos tive o meu cartão de membro e fui dizer à família que era oficialmente membro. Uns reagiram muito bem e outros, os pró-Frelimo, ficaram escandalizados e disseram que eu estava a estragar o meu futuro e que não havia de ter emprego. Mas para mim estava, acima de tudo, a causa que eu abraçava”.
Ivone já desempenhou várias funções dentro da sua formação política, desde a de chefe do Departamento de Relações Internacionais, passando pelo cargo de porta-voz do Gabinete Central de Eleições, a membro da Comissão Política Nacional, composta por 11 membros, dos quais o próprio Dhlakama. “Nunca senti que o presidente estava a favorecer-me. Ele é contra a promoção de familiares dele (…)”.
Entre Ivone e Alice há uma coisa em comum: quando ambas falam é difícil arranca-lhes as palavras. E a jovem deputada quase que fala com os dentes cerrados, o que denota que no meio da sua formosura e simpatia há um pouco de rispidez.
Ainda no que tange à vida “incómoda” a que as mulheres estão sujeitas, Ivone alerta aos homens polígamos que estão “à procura de doenças” e no fim das suas travessuras as suas famílias estarão arruinadas. “Que se olhe para as mulheres como pessoas e não como objectos”.
A deputada explica que com cinco anos de idade já andava asseada. “Antes de estar na escola primária, quando os meus pais se preparavam para irem trabalhar, às 07h30, eu também já estava pronta como se fosse para a escolinha. Eu não ia a lado nenhum mas fazia questão de arrumar o meu cabelo e usar um vestido mais limpinho e engomado (…)”.
Estes hábitos de asseio prevaleceram até aos dias que correm. Aliás, na escola secundária, onde era obrigatório estar devidamente aprumado e com a gravata no ligar certo, “não me importava de ter que lavar, por exemplo, a camisa de uniforme, de manhã, para pô-la à tarde, nas aulas”.
O lado “estranho” de Ivone diz respeito ao facto de que ela, quando criança, não gostava das brincadeiras que para os outros petizes da sua idade, na altura, eram infalíveis. Quando as suas colegas, com as quais ia às aulas de piano, por exemplo, brincavam de mergulhar na água, brincar de panelinhas, transformavam a areia em lama e ficam sujas alegadamente porque estavam a cozinhar, a jovem que hoje se tornou deputada ficava distante.
“Para mim aquelas brincadeiras eram as mais detestáveis. Eu não gostava porque o resultado era voltar para casa suja (…) e correr o risco de ser repreendida pelos meus pais. Isso era inconcebível. Não queria que eles tivessem motivos para me criticarem. Eu queria que os seus pais tivessem orgulho de ter uma filha que estava sempre limpa”.
Mas será que ela se comportava desta forma por ter vivido sempre na cidade? “Não sei se é por ter crescido na cidade (…). Eu recordo-me de que quando fosse brincar em casa dos meus avôs, no bairro da Munhava, na Beira, brincava mas fazia questão de voltar para casa limpa”, narra Ivone e acrescenta que queria evitar o contacto com a sujidade. “Mas quando fossem brincadeiras com as bonecas, saltar à corda, por exemplo, eu participava”.
Como provar que a política corre nas suas veias e no sangue, Ivone aproveitou uma brecha, numa pergunta na qual pretendíamos saber por que motivo tinha medo das desaprovações dos seus progenitores se ela também reprova o que os outros fazem, para dizer o seguinte: “Sabes, é assim, eu gosto de criticar aquilo que é mal feito. (…) Se a governação é mal feita, não tenho como não criticar, porque começo a imaginar que quem governa mal está a criar condições para que milhares e milhares de crianças tenham um futuro incerto”.
Ivone estudou nos estabelecimentos de ensino público, tais como escolas primárias 16 de Junho e da Maxaquene, bem como nas escolas secundárias Josina Machel e Francisco Manyanga. Ela é licenciada em Ciências da Comunicação e está a concluir o mestrado em Administração Pública. “Eu nunca tive um emprego no Estado, mas certa vez candidatei-me para funcionária do Ministério da Juventude e Desportos”. Ela respondia a uma questão na qual procurávamos saber sobre qual foi o seu primeiro ofício.
A sua mãe foi militante da FRELIMO, à qual se juntou aos 12 anos de idade. Quando o país ficou independente ela esteve na Tanzania para explicar aos seus compatriotas que lá viviam que Moçambique já era livre do jugo colonial. Nos anos subsequentes, a senhora foi desmobilizada e abraçou o ramo empresarial. Hoje é reformada. “A minha família é de guerrilheiros, é de pessoas que começaram a combater pela justiça e igualdade (…)”.