O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, vai continuar a obedecer ao partido do qual é simplesmente mais membro até à realização do XI Congresso, órgão supremo da FRELIMO, que entre outras atribuições revê e aprova os Estatutos e elege o presidente desta formação política, caso não haja internamente uma força que convença ao seu antecessor Armando Guebuza a renunciar ao cargo. Num discurso acutilante e interpretado pelos “camaradas” como intimidatório, Guebuza declarou que a formação política que dirige tem os seus órgãos como referência e os seus membros fazem o que eles decidem e orientam, o que pode significar que sem pressão dos seus prosélitos ele não irá deixar o cargo de forma voluntária, podendo continuar até 2017.
Na quinta-feira (26), durante a abertura da IV Sessão Ordinária do Comité Central, órgão máximo do partido, entre os congressos, o presidente da FRELIMO atacou de forma directa os camaradas que têm recorrido à Imprensa para dizer que ele deve deixar o poder para Filipe Nyusi de modo que este seja efectivamente soberano tal como estabelece a Constituição da República.
“(…) Quando algumas pessoas, sobretudo as mais barulhentas, elogiam-nos é porque querem que cometamos erros. A nossa referência são os órgãos. Nós fazemos o que os nossos órgãos decidem e orientam”, declarou Guebuza, acrescentando que “preocupa-nos a postura e o comportamento de alguns camaradas que publicamente engendram acções que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das instituições para gera divisões e confusão no nosso seio”.
Por uma lado, Guebuza está igualmente a dar uma achega aos elementos do famigerado G40 que pululam nos órgãos de comunicação social públicos, onde tecem comentários pró-regime para obter benefícios estomacais. Por outro, há uma tentativa clara de “silenciar” alguns membros seniores do partido, os quais não se identificam com a liderança do ex-Alto Magistrado da Nação. Oficiosamente, dentro da Frelimo há membros que se mantêm calados em relação à sucessão de Guebuza porque devem lealdade ao seu líder, uma vez que no passado foram ministros e dirigentes públicos indicados com base na confiança política.
Numa entrevista ao @Verdade, o Professor Catedrático de Direito Constitucional, Gilles Cistac, assassinado em Maputo a 03 de Março em curso, afirmou que “Guebuza, já não sendo estadista moçambicano, a única solução que tem é controlar o partido para pressionar o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro (…). O objectivo de Guebuza é governar de uma forma imediata, através da Comissão Política. Nyusi não vai governar à vontade (…). Um dia vamos assistir a uma tensão entre a Comissão Política e o Presidente da República [Nyusi]”.
O malogrado disse que tinha “muitas dúvidas de que Guebuza deixe de ser presidente da Frelimo” e a participação de Filipe Nyusi nas reuniões do partido coloca em causa a sua soberania e viola a Constituição. “Ser soberano significa não estar ninguém sobre si”, o que não acontece com o actual Alto Magistrado da Nação.
Enquanto Damião José, o porta-voz do partido, diz que a sucessão de Guebuza “não é preocupação dentro da FRELIMO, estamos bem, continuamos unidos e coesos”, Alex Vines director do departamento africano no instituto de estudos internacionais Chatham House, afirmou entrevista à Bloomberg, no dia do início da IV Sessão Ordinária do Comité Central, que a luta pelo poder entre o antigo Chefe de Estado e Nyusi está a piorar e influencia as decisões do Governo, nos esforços de diálogo com a oposição e afecta os negócios de empresários.
No encontro que decorre na Matola até ao próximo domingo (29), Guebuza procurou bodes expiatórios para tentar explicar os problemas com que o partido se debate. “Saibamos, também, que os nossos adversários não nos querem e nunca vão nos querer bem. (…) Não querem ver o nosso Presidente da República, Filipe Nyusi, forte, firme, dando o seu melhor na direcção do Estado porque sabem que isso beneficia não só a ele mas à nossa gloriosa FRELIMO”.
Para o antigo Alto Magistrado da Nação, esta formação política “saiu mais coesa e reforçada” do Comité Central realizado em Março de 2014 e tratou-se de um processo que levou à vitória nas eleições passadas.
“Talvez seja útil recordar que o objectivo deles é abater a FRELIMO, é acabar com a FRELIMO, temos experiências muito infelizes que nós conhecemos, algumas das quais vale a pena recordar: quando assassinaram Eduardo Mondlane, era para acabar com a Frelimo, quando assassinaram Samora Machel, era para acabar com a Frelimo, e naturalmente quando alimentam crises internas é para a Frelimo não se reerguer, para continuar com o projecto comum de 1962”.
Outro assunto que não passa despercebido aos olhos da opinião pública – e sobre o qual a Frelimo não se debruça com profundidade de modo a corrigi-lo – diz respeito ao facto de o artigo 76 dos Estatutos do partido indicar que “os eleitos e os executivos coordenam a sua acção com os órgãos do partido do respectivo escalão e são perante este pessoal e colectivamente responsáveis pelo exercício de funções que desempenham nos órgãos do Estado ou autárquicos. Quando se trata de cargos de âmbito nacional, os eleitos e os executivos serão responsáveis perante a Comissão Política”.
Está-se perante uma situação que para os entendidos na matéria viola a Constituição, no artigo 249, que determina que “A Administração Pública serve o interesse público e na sua actuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Os órgãos da Administração Pública obedecem à Constituição e à lei e actuam com respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça”.
Contudo, o ex-Chefe do Estado considerou que há gente que deseja mal àquela formação política.“Os nossos adversários batalham dia e noite para que o seu sonho seja materializado.Cabe a nós, hoje como ontem, batalharmos, sempre unidos, coesos e firmes para que esse seu sonho se transforme em pesadelo”.