Cerca de 10.000 crianças foram recrutadas por grupos armados durante o conflito na República Centro-Africana, apesar da presença de uma missão de manutenção de paz apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou, esta quinta-feira (18), a entidade Save the Children.
Algumas crianças foram raptadas ou forçadas a juntarem-se a esses grupos, enquanto outras inscreveram-se para obter alimentos, roupas, dinheiro e protecção, afirmou a organização internacional infantil beneficente num comunicado à imprensa. Muitas juntaram-se sob pressão de amigos ou pais para protegerem a sua comunidade ou vingar familiares mortos, disse.
“Todas as manhãs treinamos duro, rastejamos na lama. Os soldados queriam que fôssemos implacáveis”, afirmou Grâce à Dieu, que se juntou a um grupo armado em Dezembro de 2012 aos 15 anos, segundo a entidade Save the Children.
“Quando lutamos, fomos nós, as crianças, as enviadas à linha de frente. Outros ficaram mais para trás. Vi muitos dos meus irmãos de armas mortos enquanto combatíamos”, disse Dieu, cujo nome verdadeiro foi mudado para sua protecção.
Julie Bodin, gerente de protecção à criança da entidade na República Centro-Africana, disse que o governo, as forças de paz da ONU, agências, doadores e países que contribuem com tropas têm de tentar esforçar-se mais para impedir o recrutamento de crianças e desmobilizá-las. “Eles precisam de explicar aos grupos armados por que é importante proteger as crianças.
No entanto, há um grande número de grupos armados na República Centro-Africana e cada um tem uma estrutura de comando único, então há um grande trabalho a ser feito”, disse Bodin à Thomson Reuters Foundation por telefone, de Bangui. O governo centro-africano não estava imediatamente disponível para comentar o assunto.
O país está mergulhado no caos desde que os rebeldes seleka principalmente muçulmanos do norte tomaram o controle do país de maioria cristã em Março de 2013, levando a uma reacção da milícia cristã “antibalaka”. Mais de 3.000 pessoas foram mortas desde Dezembro de 2013.
A ONU estima que 2,5 milhões de pessoas, mais da metade da população, precisam de abrigo, comida e água, cuidados básicos de saúde e educação. As crianças têm convivido com o peso da violência. Oitenta por cento das pessoas que tiveram de abandonar as suas casas são mulheres e crianças. Duas em cada cinco crianças no país carecem de ajuda humanitária vital, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“Muitas das crianças já passaram por coisas que nenhum adulto, quanto mais criança, deveria ter que passar, testemunhando a perda de entes queridos, vendo suas casas destruídas e sobrevivendo em condições difíceis e inseguras no mato durante meses”, disse Bodin.