Maria Rondão, de 16 anos de idade, esperava estudar para, quiçá, romper o ciclo de pobreza da sua família. Mas ainda na escola primária o seu pai obrigou-a a casar-se. Teve um filho e o marido abandonou-a. Ela é uma das 700 milhões de mulheres que foram obrigadas a contraírem matrimónio antes de completarem 18 anos, muitas em condições de pobreza e insegurança, de acordo com as estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os casamentos precoces são constantes no distrito da Maganja da Costa, na província da Zambézia. Maria Rondão, residente na localidade da Canguo, é uma dessas raparigas forçadas a abandonar a escola para se casarem com um homem mais velho e em seguida teve de ser mãe, com apenas 14 anos de idade.
Apesar de a Constituição da República, no número 1 do artigo 121, referir que os “casamentos prematuros violam os direitos da criança, na medida em que retiram à criança (todo o indivíduo com menos de 18 anos de idade) a protecção que lhe permite a possibilidade de se desenvolver integralmente, cuja obrigação é das famílias, comunidades e do Estado”, 48% de mulheres com a idade entre os 20-24 anos casou-se antes de atingir os 18 anos e 14% antes dos 15 anos de idade, segundo o Inquérito Demográfico e de Saúde em Moçambique de 2011.
Este direito constitucional não foi, durante muito tempo, colocado na agenda de desenvolvimento nacional pelo Governo moçambicano, de acordo com a Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), que junta Organizações da Sociedade Civil (OSC) e Organizações Não-governamentais (ONG) Internacionais que trabalham na área da protecção e defesa da criança no país.
Contudo, num comunicado tornado público por ocasião do Dia Internacional da Rapariga, 11 de Outubro, a CECAP assinala que o “Governo de Moçambique expressou recentemente o seu compromisso na erradicação dos casamentos prematuros, através da elaboração, aprovação e implementação de uma Estratégia Nacional de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros”. Mas esta medidaa está longe de ajudar os milhões de raparigas como Maria que, depois de concluir a 5ª classe, viu o ser desejo de continuar os estudos frustrado pelo seu progenitor que arranjou um marido para ela a troco de uma quantia monetária que ela ignora.
“O meu pai obrigou-me a casar com um indivíduo que não trabalha. Nós vivemos à base da produção agrícola e desde que nasceu o meu filho o meu marido saiu de casa e não sustenta a criança”, lamenta a adolescente carregando o pequeno Xavier às costas. Abandonada pelo marido, que além de não trabalhar bebia com frequência e ainda a violentava fisicamente, Maria procura tirar da terra o seu sustento. Este ano conseguiu uma boa colheita de tomate, que vai comercializar no mercado local, depois de aderir ao programa de agricultura de conservação, promovida pela Liga dos Direitos da Crianças na Maganja da Costa.
“Devia ter desafiado o meu pai”
Todos os dias de Maria são um desafio na tentativa de melhorar a sua dieta alimentar e do seu filho, que tem apenas 2 anos de idade, com quem vive numa pequena habitação de construção precária. Quase irracionalmente, a jovem procura alimentar condignamente o seu rebento ignorando o drama da subnutrição que afecta a maioria dos nascidos de mães com idade abaixo dos 20 anos. Vários estudos indicam ainda que, em muitos casos, os pais pensam que é do interesse da filha casar-se precocemente e que o matrimónio vai protegê-la da violência física e sexual.
No entanto, esta crença faz com que as raparigas sejam colocadas sob maior risco de violência, que pode ter efeitos devastadores na sua saúde e desenvolvimento a longo prazo. “Estou muito triste com a vida que o meu pai traçou para mim. Não esperava isso. Eu tinha o sonho de me formar e cuidar dos meus irmãos”, lamenta Maria que se arrepende de não ter desafiado o pai, pois “eu era muito pequena e não pude fazê-lo”. Mas o sonho da jovem continua a ser estudar e tornar-se médica.
“Tenho vontade de estudar, mas não vejo com quem deixar o meu filho”, e quiçá contrariar as estatísticas dos Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT) da Maganja da Costa, que referem que só em 2014 pelo menos 2.230 raparigas das 36.387 matriculadas abandonaram a escola devido aos casamentos prematuros e gravidezes precoces.
Os casamentos forçados em Moçambique resultam da combinação de costumes, como os ritos de iniciação nos quais as raparigas entre os 8 e os 12 anos são declaradas prontas para casar, e da pobreza que flagela a maioria dos moçambicanos, os problemas sociais e económicos acabam por estimular os pais a casar as suas filhas o mais cedo possível, para daí obterem proveitos financeiros.
No estudo sobre a “Situação da Criança no Mundo 2014”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Moçambique ocupa a 11ª posição no ranking dos países com a maior taxa de casamentos prematuros. Pesquisas indicam que a iniciação sexual forçada e a gravidez precoce também podem ter efeitos duradouros e nefastos sobre a saúde física, emocional e psicológica da rapariga vítima, durante toda a sua vida. Várias organizações moçambicanas e internacionais classificam o casamento prematuro como uma violação dos direitos humanos.
Em Novembro deste ano, a ONU acordou que todos os seus membros deveriam aprovar e aplicar leis que proíbem os casamentos infantis, resolvendo pôr um fim a uma prática que afecta, anualmente, cerca de 15 milhões de meninas. O grupo de 193 nações da Assembleia Geral que lida com direitos humanos adotou por consenso uma resolução que exorta todos os Estados a adoptarem medidas para acabar com “o casamento infantil, precoce e forçado”.