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Negligência e velocidade matam pelo menos três moçambicanos por dia

Negligência e velocidade matam pelo menos três moçambicanos por dia

É, cada vez mais, temível sair de casa num carro pessoal ou num “chapa”. Segundo as estatísticas semanais das autoridades de viação, os acidentes de viação ceifam, por mês, a vida a mais de uma centena de pessoas, o que significa uma média de 3,3 óbitos por dia em diversas estradas do território moçambicano. Na verdade, o problema pode ser maior que estes números se consideramos que há sinistros que não chegam ao conhecimento da Polícia. Crianças, jovens, homens, mulheres e velhos contraem sequelas que condicionam as suas vidas pelo resto da sua existência e, na pior das hipóteses, morrem por falta de mecanismos de defesa da perigosidade que a sinistralidade rodoviária representa para a sociedade.

Um estudo do núcleo para a criação do “Movimento Nacional Contra os Acidentes de Viação STOP”, refere que à semelhança de algumas doenças consideradas um problema de saúde pública, tal como a malária e a cólera, os acidentes de viação podem ter remédio se as diferentes instituições públicas e da sociedade civil encararem com seriedade a ameaça que esta desgraça representa para todos, em frequente posição de vítimas.

Na manhã do dia 17 e 25 de Março em curso, Albino Mugabe, Quintina Macamol, Manuel Macave, Eurico Getimane e Salomão Sitoe, pegaram nos seus pertences, despediram-se dos filhos e das esposas, e partiram em direcção ao trabalho, porém, a viagem terminou de forma trágica no cruzamento entre a Avenida de Moçambique e a Rua Casimiro Mathe, no bairro 25 de Junho, e no Zimpeto, na cidade de Maputo, em consequência de um grave acidente de viação, que, segundo a Polícia, resultou do excesso de velocidade e desrespeito de outras regras básicas de trânsito.

Os sinistros rodoviários não matam apenas automobilistas, mas também pessoas inocentes, nomeadamente passageiros e peões e destroem bens cuja aquisição tem sido bastante onerosa para o país. Destroem infra-estruturas cuja reposição leva tempo. A 25 de Março, Manuel Macave, de 37 anos de idade, residente no bairro de Intaka, no município da Matola, deu beijinhos à filha e despediu-se dela com a promessa de regressar no fim do dia, o que não aconteceu, pois, por volta das 05h:30 faleceu na Estrada Nacional número 1, na zona do Zimpeto, em resultado da colisão frontal entre dois “chapas” com as matrículas AAC 419 MP e ABY 289 MP, este último conduzido por um cidadão identificado pelo nome de Custódio Agostinho, de apenas 19 anos de idade, que fazia a rota Maputo/Manhiça.

Na circunstância, o corpo de Manuel Macave ficou desfigurado por causa da gravidade do embate e foi reconhecido na morgue do Hospital Central de Maputo (HCM) pelo irmão, Fernando Macave, o qual vive o dilema de não saber o que dizer à petiza que constantemente chama pelo progenitor. “Há uma necessidade premente de se fazer qualquer coisa séria para evitar mortes na estrada. A minha sobrinha não quer acreditar que o pai que lhe deu beijinhos na madrugada daquele dia jamais irá regressar à casa. É difícil aceitar esta dura realidade”, desabafou, lavado em lágrimas, Fernando Macave.

André Chicongue, de 42 anos de idade, residente no bairro George Dimitrov, enfrenta o mesmo embaraço desde a morte da mulher, Quintina Macamol, num acidente de viação do dia 17. Ele não sabe como consolar a filha de três anos de idade que manifesta a vontade de ver a progenitora. “É triste olhar para a minha filha a chamar sempre pela mãe que já está morta. Não sei como irei resolver este problema. Ela não quer ficar longe de mim, não me dá tempo para fazer outras coisas e não tenho ninguém para cuidar da criança neste momento difícil”.

Quintina Macamol era uma jovem de 28 anos de idade e dedicava-se ao comércio. No dia da sua morte dirigia-se ao mercado Malanga com o intuito de comprar frutas para revender no bazar do Benfica. André Chicongue ia sempre para a banca da mulher buscar algumas frutas para o seu local de trabalho. Entretanto, por volta das 8h:30 daquela data não encontrou a mulher no sítio habitual e ao telefonar para ela foi atendido por uma voz masculina desconhecida. “A pessoa disse-me simplesmente que a dona do celular sofreu um acidente de viação e que eu devia contactar o Hospital Geral José Macamo para ter mais informações”.

Na unidade sanitária em alusão, o nosso entrevistado foi informado de que a sua cônjuge não fazia parte dos feridos nem dos óbitos, por isso, devia dirigir-se à morgue do HCM. “Tive dificuldades de reconhecer o corpo da minha esposa por causa da gravidade do acidente. Identifiquei-o através da roupa. No enterro não permitimos que se abrisse o caixão e as pessoas despediram-se dela sem ver o seu rosto”, narrou André Chicongue, para quem as autoridades deviam tomar medidas arrojadas para refrear o luto e o derramamento de sangue nas estradas.

Em Moçambique, os acidentes de viação que diariamente ceifam vidas, deixam dezenas de pessoas com lesões graves que as tornam inabilitadas para continuarem a garantir a sobrevivência de seus parentes, desfazem vários sonhos e causam inúmeros danos para as famílias e o Estado, derivam principalmente de erros humanos, dentre os quais a excessiva velocidade. Os apelos para que se respeitem as normas de condução são sistematicamente ignorados.

O artigo 30 do Decreto-Lei no. 1/2011, de 23 de Março, que aprova o Código da Estrada, determina que se considera “excessiva a velocidade, sempre que o condutor não possa fazer parar o veículo no espaço livre visível à sua frente, ou exceda os limites de velocidade fixados nos termos legais”. A contravenção deste artigo é punida com uma multa (leve) de 1.000 meticais.

O artigo 33 da mesma norma estabelece que, quando se trata de um veículo de passageiros a circular dentro de uma localidade, o automobilista deve observar uma velocidade máxima de 60km/h. Porém, nos dois sinistros a que nos referimos, os automobilistas excederam esta meta. Para estas situações, as multas podem atingir os 8.000 meticais. Todavia, e obviamente, as penas não têm refreado o sangue e o luto nas rodovias nem a dor das famílias envolvidas, o caos a que se assiste na via pública e que culmina em tragédias exige outras formas arrojadas de lidar com o problema.

Oito órfãos desesperados

Ainda no dia 17, por volta das 05h:00, Delfina Albano, Armando Djendje, Afonso Manjate e outro compatriota cujo nome não apurámos pereceram da mesma forma no acidente de viação que matou sete pessoas e feriu pelo menos 14, três das quais com gravidade. O sinistro envolveu igualmente dois “chapas” com as matrículas AAV 370 MC e ACF 849 MC, que na altura circulavam nas rotas Zona Verde/Baixa e Xipamanine/Mahlazine, respectivamente. Albino Mugabe faleceu aos 62 anos de idade e deixou oito filhos e uma viúva.

Na manhã daquele dia, Mugabe, que residia no bairro Bagamoyo, dirigiu-se ao parque de estacionamento nas proximidades do seu domicílio, tentou pôr carro do serviço a funcionar mas não conseguiu devido a problemas mecânicos. Perante a dificuldade, o ancião decidiu recorrer ao “chapa” mas, infelizmente, não chegou ao seu destino. A triste notícia difundiu- se rapidamente como um rastilho de pólvora.

“…dependíamos do nosso pai”

Afonso Manjate, de 41 anos de idade, morava no bairro Muhalaze, no município da Matola. Também partiu de casa na manhã daquele dia em direcção ao trabalho mas nunca mais voltou com vida. Deixou, também, viúva e oito filhos. Fernando Almeida, de 56 anos de idade, é parente do falecido e não escondeu a sua insatisfação em relação à suposta apatia do Governo no diz respeito aos infractores das regras de trânsito, facto que acaba em mortes e sequelas de dezenas de pessoas.

“Há falta de responsabilização dos que matam gente com recurso a carros no nosso país por causa da negligência. A Polícia disse que devíamos suportar as despesas do funeral com os nossos próprios fundos mas não temos dinheiro. Alguns pediram emprestado e não sabem como irão reembolsar”, disse Fernando. Salomão Sitóe, de 56 anos de idade, também não escapou ao acidente fatal. Para além da viúva, sete pessoas ficaram órfãs. “Todos dependíamos do nosso pai para nos alimentarmos, vestirmos e estudarmos. Não sabemos como é que será a nossa vida daqui para a frente”, desabafou Filomena Sitóe, de 24 anos de idade, filha do malogrado.

Sobreviventes em agonia

Lina Chamango, de 36 anos de idade, residente no bairro Ndlavela, no município da Matola, viu a sua saúde mudar drasticamente para o pior desde o dia 17 de Março. Esteve internada no Hospital Geral José Macamo e teve alta dois dias depois. Contudo, o seu estado clínico agravou-se. Para além do inchaço no peito e de dores bastante fortes, não consegue digerir alimentos, o que indica que ainda devia estar nas mãos dos médicos.

“A minha mulher está cada vez pior e não tenho fundos para custear as despesas do tratamento médico. As autoridades não se pronunciam sobre a necessidade de os proprietários das viaturas que causaram esta situação tomarem algumas responsabilidades em relação aos doentes. Contactei a Polícia de Investigação Criminal e recebi a informação de que ainda não há nada de concreto para que os culpados indemnizem os nossos parentes lesionados”, disse Elias Pedro Massinga, marido de Lina.

“Despertei no hospital”

Adolfo Macamo, de 32 anos de idade, residente no bairro Muhalaze, está internado na Ortopedia I, cama no. 44, da maior unidade sanitária do país. Ao @Verdade, a vítima narrou que, no dia 17, saiu de casa às 4h:00 da manhã. Tomou um veículo do seu vizinho identificado pelo nome de Quisse, qual fazia a rota Zona Verde/Anjo Voador.

“O “chapa” era conduzido a uma velocidade excessiva e quando chegámos no Choupal (cruzamento entre a Avenida de Moçambique e a Rua Casimiro Mathe, no bairro 25 de Junho), um minibus que fazia o sentido contrário, Xipamanine/Mahlazine, despistou-se, saiu da sua faixa de rodagem, galgou o passeio e, em seguida, colidiu violentamente com a parte lateral directa do carro no qual eu me encontrava. Perdi os sentidos e, quando despertei, estava no hospital”, disse Adolfo Macamo, para quem o facto de um dos motoristas estar em parte incerta significa que dificilmente ele será responsabilizado.

Charles José Carlos, de 35 anos de idade, é cunhado de Macamo. Ele esteve igualmente internado no HCM em consequência do mesmo acidente de viação, pois ambos viajavam na mesma viatura. O cidadão teve alta dois dias após o sinistro, mas não goza de boa saúde.

A esposa de Adolfo Macamo, Filomena Fenias, de 34 anos de idade, está apreensiva em relação ao futuro dos seus dois filhos; por isso, ela reza dia e noite para que o pior não aconteça e o marido volte ao convívio familiar em condições de poder desenvolver as actividades que garantiam a sobrevivência dos seus dependentes. Horácio Mondlane, de 32 anos de idade, tomou um “chapa” no terminal do Zimpeto em direcção ao centro da capital moçambicana, na manhã do dia 25 de Março.

Após passarem a paragem chamada “coqueiros”, nas proximidades do Hospital Psiquiátrico do Infulene, um minibus que fazia o transporte de passageiros na rota Maputo/Manhiça, protagonizou uma ultrapassagem fora da sua faixa de rodagem, tendo embatido frontalmente no “chapa” em que a testemunha e vítima seguia viagem. O nosso interlocutor lembra, apenas que na altura ouviu gritos e desmaiou. Quando recuperou os sentidos já estava internado e a receber cuidados médicos no maior hospital do país.

Reconheceu o corpo na morgue

Eurico Getimane, de 24 anos de idade, era o condutor do chapa e transportava passageiros na rota Zimpeto/Baixa, apesar de a sua licença de transporte semi-colectivo permitir-lhe operar apenas na via Praça dos Combatentes/Anjo Voador. Na sequência do choque frontal entre os dois veículos ele e outro passageiro ficaram entalados. Gravemente ferido, Eurico acabou por perder a vida no HCM, para onde havia sido transportado após ser socorrido por populares e pelo Corpo de Salvação Pública. O finado deixa dois filhos menores.

No local do acidente, Manuel Macave, de 37 anos de idade, residente no bairro de Intaka, na Matola, também encontrou a morte. O seu irmão, Fernando Macave, relatou-nos, bastante transtornado, que ao receber a notícia sobre a desgraça telefonou para o seu parente mas a chamada foi atendida por um desconhecido que lhe informou de que o proprietário do telemóvel havia sofrido um acidente de viação.

Fernando dirigiu-se ao Hospital Geral José Macamo mas o seu ente querido não constava da lista dos doentes que ali tinham sido admitidos. Desesperado e inconsolável, o cidadão dirigiu- -se à maior unidade do país, onde foi encaminhado para a morgue: “Reconheci o corpo do meu irmão na morgue do Hospital Central de Maputo. Há uma necessidade premente de se fazer qualquer coisa séria para evitar mortes na estrada”, apelou o cidadão.

Não há ressarcimento das vítimas

No país, são inúmeros os casos em que as pessoas envolvidas em acidentes de viação ficam sem assistência e as autoridades parecem ineficazes na punição dos responsáveis por essa situação a arcarem com as consequências. O advogado moçambicano José Caldeira explica que a responsabilidade de indemnização pelos danos morais, materiais, psíquicos, ofensas corporais involuntárias ou morte é imputada ao proprietário da viatura que originar o acidente e as vítimas devem ser compensadas consoante a gravidade das lesões.

É ainda dever dos donos dos carros que se envolvem em sinistros, se forem culpados, acompanhar a evolução da saúde das vítimas. Todavia, na realidade são muito poucos os casos tratados desta forma. Aliás, quando se trata de pessoas singulares ou “chapeiros”, os lesionados são deixados à sua sorte, terminam na miséria, incapacitados e, na pior das hipóteses, sem quem interceda por eles na justiça com vista a garantir a observância dos seus direitos.

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