Há mais de 40 anos que os funcionários do Matadouro Municipal da cidade de Nampula exercem a actividade de abate de animais mergulhados num emaranhado de problemas que são ignorados pela entidade empregadora: a edilidade. No princípio, quando o abatedouro ainda se encontrava sob gestão dos portugueses, os degoladores, segundo conta Kanapanheriua Yarivava, um dos trabalhadores mais antigos, beneficiavam de alguns incentivos para a sua labuta. Presentemente, a realidade é outra. Sem meios adequados, eles chegam a tirar dinheiro do seu próprio bolso para a compra de equipamento de trabalho.
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Deixando de lado as preocupações que enfrenta no dia-a-dia no seu posto de trabalho, Kanapanheriua Gregório Yarivava, de 63 anos de idade, dos quais 45 dedicados à actividade de abate de animais, diz sentir-se bem com o que faz, porque, além da experiência que carrega, é o seu único meio de sobrevivência. É com o salário que aufere mensalmente que garante o sustento de 16 filhos e 32 netos, além da sua esposa.
Ele gostaria de se reformar, porém, tal ainda foi aconteceu. A necessidade de continuar a exercer a actividade é expresso no rosto de Yarivava, e quem o vê fica com a impressão de que o ofício de abate de animais é fácil. Na verdade, o trabalho exige sacrifício e coragem, pois “o boi não é um mamífero que se sente confortável ao lado de quem pretende tirar a sua vida”, argumenta.
O salário magro que recebe há 45 anos não o deixa desanimado. Muitas vezes, ele tem de ignorar as dificuldades que enfrenta. A título de exemplo, Yarivava tira dinheiro do seu bolso para comprar facas, machados, catanas e outro material de trabalho. A edilidade que é gestora do Matadouro Municipal não se digna a adquirir esse material e equipamento de trabalho. Segundo conta Yarivava, há cinco anos que não recebem fardamento, nomeadamente batas, botas e máscaras para se prevenirem de doenças respiratórias provocadas pelo mau cheiro que os excrementos dos animais produzem. “Nós é que nos preocupamos em comprar o equipamento de trabalho”, diz o degolador.
Sacrifício sem remuneração
Os degoladores trabalham mais de oito horas por dia. A actividade no novo matadouro inicia às 5h00 e estende-se até pelo menos 18h00, uma vez que têm de cumprir a meta diária de abater 25 cabeças. No antigo abatedouro, matavam em média de 30 bois por dia, das 5h00 às 14h00. No novo matadouro falta quase tudo, desde local para pendurar o animal morto. Na sala onde se realizam as inspecções após o abate não existem condições para a avaliação sanitária.
Pelo menos, segundo Fernando Hononiwa, responsável do abatedouro, no ano passado foram detectados 12 casos de gado bovino infectado por tuberculose, tendo a carne sido incinerada. Além da falta de material de trabalho, o salário que os funcionários auferem não dignifica o seu trabalho. Trabalham muito e ganham muito pouco. Desde o período colonial, a situação foi assim. Yarivava afirma que, antigamente recebiam 1.500 meticais, valor que foi subindo de forma gradual. Presentemente, ganham três mil meticais, embora o matadouro produza mais de 15 mil meticais diários em receitas.
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O vencimento não satisfaz as necessidades dos trabalhadores devido ao aumento do custo de vida. “Há mais de dois anos que não compro uma camisa nova, porque, primeiro, tenho a obrigação de adquirir vestuário para os meus dependentes e, no fim, olhar para mim”, conta. Não obstante o salário mísero, a assistência médica e medicamentosa é custeada pelos seus próprios bolsos. No tempo colonial, recebiam aspirina e paracetamol que deviam ingerir durante o início e o fim das actividades. Volvidos alguns anos, cada trabalhador tinha direito a uma lata de leite em pó. Presentemente, todos os funcionários são obrigados a partilhar a mesma quantidade.
“É difícil colocar o pão na mesa todos os dias”
Para garantir o sustento diário do seu agregado familiar, a família de Yarivava dedica-se ao cultivo de diversos produtos, tais como milho, mapira, amendoim, arroz, entre outros. Segundo explicou o degolador, seria difícil com o salário garantir, todos os dias, comida para o agregado familiar, pois o preço de bens alimentares tende a subir a cada dia que passa.
@Verdade soube que os agentes da Polícia Municipal que supostamente deviam vigiar a nova infra-estrutura não o fazem, razão pela qual os degoladores são obrigados a fazer trabalho duplo, sendo que, durante o dia, abatem os animais e, à noite, desempenham a função de guardas-nocturnos. “Neste matadouro estamos a sofrer”, afirma Francisco da Rua, de 63 anos de idade, um funcionário que trabalha como degolador desde o ano de 1973. Ele acrescenta que não se importaria exercer as funções de vigilante se fosse remunerado por isso.
Matadouro novo, métodos de matança antigos
Apesar de o matadouro ser novo, o processo (rudimentar) de matança continua o mesmo. Quando um animal é retirado do curral, geralmente, em cinco minutos é abatido. Mas nem sempre tem sido assim, pois, em alguns casos, devido à resistência do bicho, a operação decorre em meia hora.
Com uma corda no pescoço, os bois são arrastados por um grupo de pessoas que, com facas afiadas, cada indivíduo vai desferindo violentos e cruéis golpes na parte superior da cabeça. Entre uma facada e outra, o boi muge, esperneia e tenta dar coices a quem se aproxima. Grita de dor. A cena repete- se sucessivamente, até o animal cair ofegante e inconsciente.