A Liga Muçulmana tornou-se, no último domingo (03), a segunda equipa com mais títulos a nível nacional, três, atrás do Ferroviário de Maputo com quatro, desde a implantação do novo modelo de competição há sensivelmente doze anos. A duas jornadas do fim do Moçambola, edição 2013, os muçulmanos sagraram-se virtuais campeões nacionais.
Nesta semana, o @Verdade “invadiu” o balneário da Liga Desportiva Muçulmana de Maputo, um clube fundado em 1990, para compreender o processo de “fabrico” de um campeão nacional antes de um jogo de futebol. Aquando da nossa visita, aquela equipa preparava-se para defrontar o Matchedje de Maputo em partida da 24ª jornada do Campeonato Nacional de Futebol, curiosamente decisiva para a conquista do título.
Diferentemente de muitos clubes moçambicanos que recorrem a estâncias hoteleiras e de acomodação, a Liga Desportiva Muçulmana usa instalações próprias para a sua habitual concentração. Contudo, e ainda distinta das outras, esta colectividade não realiza estágios pré-competitivos desde o início do ano. Para o guarda-redes Milagre Justino, esta norma ressalva o profissionalismo e a responsabilidade dos jogadores na medida em que “o mister sempre confiou em nós e na nossa maturidade”.
Aliás, o médio dos muçulmanos, Imo, concorda que a não existência de estágios faz com que os jogadores não se sintam tensos e nervosos na véspera dos jogos. “Estamos sempre relaxados. Estar em casa é sempre terapêutico para qualquer um. Faz-nos bem”. Entenda-se por estágios pré-competitivos aquele momento em que os atletas ficam de “quarentena” e distantes dos familiares a preparar a participação numa competição ou um jogo.
Na Liga Muçulmana a liberdade, a responsabilidade e o profissionalismo são valores que o treinador principal, Litos Carvalha e a sua equipa técnica cultivam nos seus jogadores ao ponto de admitir que estejam nas respectivas moradas e na companhia dos familiares – excepto quando os jogos decorrem fora de Maputo. A um atleta da Liga Muçulmana não se proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em momentos e locais apropriados para o efeito, desde que isso não atropele o carácter de cada um e a convivência social.
No dia do jogo, a concentração da equipa no Centro de Estágio, situado no bairro de Hanhane, na cidade da Matola, arranca às 11 horas. Os jogadores devem estar presentes no local até às 10h45. Nenhum deles chega atrasado. Às 11h15 sentam-se à “mesa”para o almoço. Depois disso marcham pelas artérias da cidade da Matola por cerca de 10 minutos, um método que, segundo o preparador físico, Daúde Razak, “ajuda na digestão dos alimentos no organismo”. Depois da caminhada, os atletas aguardam pela hora da prelecção, habitualmente marcada para às 13h45. Até esse período eles fazem várias coisas: repousam; conversam; jogam cartas; escutam músicas; e falam, telefonicamente, com os seus familiares.
Os lesionados ou os que, por ventura, estejam a sentir dores no corpo são observados na sala de fisioterapia, uma unidade clínica equipada com máquinas terapêuticas de última geração. Durante a prelecção, o treinador anuncia a lista dos convocados e do respectivo onze inicial, como também transmite mensagens de confiança aos seus “pupilos”, explicando a necessidade de mais uma vitória. Na sala, onde estão presentes o presidente do clube, o director desportivo e outros membros da equipa, o técnico faz entender aos seus jogadores que eles são uns verdadeiros campeões.
Pouco antes das 14 horas, a equipa abandona o Centro rumo ao jogo do dia. Durante o percurso de pouco menos de 15 minutos, dependendo da localização do campo, os jogadores entoam cânticos de “combate”. Josimar é o grande “mestre”. É quem dá ímpeto às canções maioritariamente em changana e obriga a todos a cantar, até aos que não percebem a língua materna da região Sul de Moçambique. Desta forma, segundo Warren Cantoná, capitão da equipa, os seus colegas não ficam nervosos e superam a ansiedade típica de quem vai a uma importante e decisiva partida de futebol.
A caixinha do desconto
A pontualidade na Liga Muçulmana é uma regra cumprida à letra, diga-se. O facto de os jogadores não desfrutarem de estágios pré-competitivos e terem a possibilidade de viver distante do Centro não significa que estejam autorizados a atrasar. Pelo contrário. A assiduidade deve ser “cultivada” por todos. É por isso que foi inventada a “caixinha”. Um cofre imaginário onde é depositado o valor dos descontos resultante de atrasos dos jogadores até dos membros da equipa técnica. Cinco minutos equivalem a um abate de 100 meticais no salário. No fim da primeira volta ou até do campeonato, o valor global dos descontos serve para pagar um jantar para toda a equipa num restaurante da capital do país e à escolha dos jogadores. Contudo, porque a “caixinha” esteve relativamente vazia, só na noite da conquista do título é que a Liga Muçulmana teve a oportunidade de sentar-se à “mesa”.
As refeições da Liga Muçulmana
Nos dias de jogos, os atletas não têm direito ao mata-bicho. Chegam ao Centro de Estágio a 30 minutos da hora marcada para o almoço. Só nos dias de treinos, de segunda à sexta-feira às 10 horas, é que podem tomar a sua refeição matinal antes da sessão preparatória. Ainda assim, depois das partidas alimentam-se de sandes e sumo. O treinador da equipa principal, Litos Carvalha, é quem elabora o menu do dia, segundo a chefe de cozinha identificada pelo nome de Tina.
Ao Matabicho
– Pão;
– Chá;
– Manteiga;
– Queijo;
– Jam;
– “Cornflex“.
Ao almoço
– Arroz de cebola e branco;
– Frango assado;
– Massa branca;
– Salada de tomate;
– Frutas;
– E sumo
lanche
– Pão;
– Queijo;
– E sumo
Cantoná, capitão da equipa
Ganharam os bons e mais uma vez provamos que temos a melhor equipa do país. Ainda não decidi sobre o meu futuro. Ainda não sei se no próximo ano vou para a direcção ou continuo a jogar futebol. Tudo depende dos dirigentes da Liga Muçulmana e da equipa técnica. Vou ficar muito triste se deixar de jogar. Dedico este título ao presidente da Liga, Rafik Sidat, e à minha família, aqueles que têm estado comigo em todos os momentos da minha vida.
Rafik Sidat, presidente da Liga Desportiva Muçulmana de Maputo
Os frutos aparecem sempre no fim da época. Conquistámos mais um título a duas jornadas do fim da prova e com 11 pontos de vantagem sobre o segundo classificado. Não restam dúvidas da capacidade deste clube que veio para ficar e que vai continuar a contestar por um lugar na prateleira dos “grandes” do país. Estamos tranquilos. Em princípio queremos renovar com o técnico, contudo precisamos de conversar visto que o contrato dele Foto: David Nhassengo expira neste ano.