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Toma que te dou: Ódio!

Há duas semanas estive em Maputo, uma cidade em crescimento avassalador, que me faz lembrar, assim, a voracidade dos chineses, que pretendem, no seu país, e parece estarem a consegui-lo, amanhecer antes de o sol despontar. Lancei um olhar negligente por sobre os novos edifícios que se erguem em todo o lado, nas dunas e nos pântanos, e reparei que o homem está decidido a implantar uma floresta de cimento por aqui.

Porém, olhando para frente, para o futuro, não se sabe muito bem que urbe teremos, porque há discussões acesas entre os arquitectos, os donos do dinheiro, e os defensores do meio ambiente, estes últimos levantando a tese de que poderemos estar perante uma tragédia urbana amanhã, se analisarmos com responsabilidade o actual ordenamento territorial da cidade.

Não sei, e nem é sobre isso que pretendo falar aqui, para além de que a capital moçambicana já não me fascina, por toda essa desordem, por toda essa cascata de pedras afiadas que caem por cima do nosso espírito, pela imprevisibilidade nas ruas onde o crime não pára de florescer, pelo ódio que se agudiza, pelas desigualdades dolorosas escarrapachadas nas esplanadas e nos restaurantes de ouro, pelo escárnio a que somos submetidos na nossa própria terra, sem que ninguém nos defenda. Não, não é sobre isso que pretendo falar. A vida é muito bela por demais para me deter no negro das coisas.

Também não vou falar das viaturas de caixa aberta transportando seres humanos como reses para abate. Não! Infelizmente nota-se, sem muito esforço, que a par do desenvolvimento da capital moçambicana, sofisticam-se os abutres, que planam no céu como anjos do diabo. E abutre é abutre, mesmo com plumagem de púrpura. Odeio as barracas que continuam em todo o lado, fertilizando a desgraça da juventude que, em não podendo sentar num lugar digno, coabita com lagos de urina e muitos outros elementos fedorentos, onde avultam homens e mulheres sem esperança.

Não quero falar dessas coisas que acontecem nesta cidade selvática. Falar para quê? Falar para quê se ninguém me vai ouvir? Não faz sentido que eu fale de corações dilatados de ódio, pois, cada vez que eu falo delas, sinto cada vez mais dor. O melhor é ficar calado e assistir à cidade seguindo o seu rumo com vários lemes, ou, pior ainda, sem leme. O melhor é deixarem-me cantar a música de Zé Guimarães Nyanda ya mbeveve (pedido de socorro de um mudo).

Vencimento na peresu

i mahalha

Ka vona ni munwe a nga kuli

Kambe a pereço yi ti maha ngwenya

Yi luma bava vencimento

Kambe vencimento a wa khala

Aba nyanda

A nyanda leyi yi twalela mbilwini

A nyanda leyi i nyanda ya mbeveve

Agora deixem-me traduzir livremente para vocês esta letra, noutra língua.

O vencimento e o preço são gémeos

Nenhum deles devia crescer mais que o outro

Porém, o preço transforma-se em crocodilo

Abocanha o vencimento

E o vencimento lamenta e lança um grito de socorro

Um grito que só se ouve dentro do coração

É um grito de mudo

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