O papa Bento 16 despediu-se emotivamente dos seus fiéis na última audiência geral do seu pontificado, Quarta-feira (27), quando disse que entende a gravidade da sua decisão de se tornar o primeiro ocupante do cargo a renunciar em 600 anos.
Afirmou, no entanto, que fez isso pelo bem da Igreja Católica. Falando a uma multidão estimada em 150 mil pessoas na Praça São Pedro, na véspera da efectivação da sua renúncia, Bento 16 disse que o seu pontificado teve momentos de alegria, mas também de dificuldades, quando “parecia que o Senhor estava a dormir”.
Sentado num trono cor de marfim, na escadaria da basílica de São Pedro, Bento 16 foi frequentemente interrompido por aplausos. Ao final do discurso, os fiéis e muitos cardeais levantaram-se para ovacioná-lo.
Reflectindo sobre as crises que marcaram o seu pontificado, Bento 16 disse que “houve momentos em que as águas estavam agitadas, e havia ventos de proa”. Conforme ele anunciou no dia 11, sua renúncia entra em vigor às 20h da Quinta-feira. Nos dias seguintes, os cardeais iniciam oficialmente as consultas prévias ao conclave (reunião secreta que elege o novo papa).
O papa disse ter grande fé no futuro da Igreja, e acrescentou: “Dei esse passo com pleno conhecimento da sua gravidade e raridade, mas com profunda serenidade de espírito”. Amar a Igreja, acrescentou, implica “ter coragem para fazer escolhas difíceis e angustiadas, sempre tendo em mente o bem da Igreja, e não de si mesmo”.
Bento 16 diz que decidiu renunciar por sentir-se velho e fraco demais para continuar a comandar uma instituição marcada por crises causadas pelos abusos sexuais de clérigos contra menores e pela divulgação de documentos sigilosos do Vaticano que apontam casos de corrupção e disputas de poder.
Despedida ensolarada
Uma multidão vinda de toda a Itália e do exterior começou a lotar a ampla praça no começo da ensolarada manhã da Quarta-feira.
As audiências gerais do meio da semana geralmente são realizadas num local fechado, mas desta vez ela foi transferida para a praça a fim de acomodar todos os que queriam ver pela última vez o alemão Joseph Ratzinger investido no cargo de papa.
Os fiéis espalhavam-se até para o outro lado do rio Tibre e nas ruas próximas. Muitos seguravam cartazes agradecendo ao papa e desejando-lhe boa sorte. “Estamos todos ao seu lado”, dizia um deles. Embora a renúncia tenha surpreendido muitos católicos e gerado preocupações sobre o seu impacto numa Igreja dividida, a maioria dos fiéis presentes no Vaticano manifestava apoio e elogios a Bento 16.
“Ele fez o que tinha que fazer na sua consciência perante Deus”, disse a irmã Carmela, religiosa italiana que vive ao norte de Roma e foi à capital com outras freiras e com membros da sua paróquia. “Este é um dia em que somos chamados para confiar no Senhor, um dia de esperança”, acrescentou ela.
“Não há espaço para tristeza aqui hoje. Temos uee orar, há muitos problemas na Igreja, mas temos que confiar no Senhor.” A romana Carla Mantoni, 65 anos, considera que o papa “foi muito humilde por fazer isso”. “Entendo por que ele fez. Estava claro desde o começo de que ele se sentia mais em casa numa biblioteca. Um bom homem, mas ele percebeu de coração que essa era a coisa certa a fazer para si mesmo e para a Igreja, e agora ele vai rezar, vai rezar por todos nós.”
Nem todos concordavam. “Ele foi um desastre. É bom para todos que tenha renunciado”, disse o australiano de ascendência irlandesa Peter McNamara, de 61 anos, que afirmou ter ido à praça para “testemunhar a história”.
Protocolo
Na noite da Quinta-feira, após a declaração de “sé vacante”, o papa irá dirigir-se à residência pontifícia de Castelgandolfo, ao sul de Roma. Segundo o Vaticano, ele assumirá o título de “papa emérito” e continuará a ser chamado de “santidade”.
Deixará de usar os “sapatos de pescador” vermelhos, que são parte da sua indumentária pontifícia, e adoptará os mocassins marrons que ganhou de presente de sapateiros, ano passado, durante uma viagem a León, no México.
Também deve passar a vestir uma “batina branca simples”, segundo o porta-voz Federico Lombardi. O selo pontifício e o “anel do pescador” do seu papado serão destruídos, conforme as regras da Igreja – como se ele tivesse morrido. Terça-feira, o Vaticano disse que o papa estava a separar os seus documentos, avaliando os que devem ficar nos arquivos do Vaticano, e os que são de natureza pessoal.
Entre os documentos a serem deixados para o próximo papa está um relatório confidencial feito por três cardeais sobre o escândalo apelidado de “Vatileaks”, ano passado, quando um ex-mordomo do papa revelou documentos secretos acerca de casos de corrupção e disputas internas no Vaticano.
Ainda na Quinta-feira, Bento 16 vai reunir-se com cardeais – muitos dos quais com direito a voto no próximo conclave. Às 17h, ele embarca de helicóptero para a residência de verão, numa viagem de 15 minutos. Lá, fará uma aparição na janela do palácio pontifício, para saudar os moradores e admiradores que se reunirem na pequena praça do local.
Será a sua última aparição como papa. Às 20h, os membros da Guarda Suíça que actuam como sentinelas na residência irão embora a marchar, num sinal de que o trono pontifício está vago. Bento 16 continuará em Castelgandolfo até Abril, quando deve terminar a reforma do monastério onde ele irá morar, dentro do Vaticano.
Sexta-feira, em Roma, os cardeais começam a reunir-se para as chamadas “congregações gerais”, reuniões preparatórias do conclave. Pela praxe, o conclave deveria começar pelo menos 15 dias depois da vacância do cargo, mas, esta semana, o papa alterou as regras para permitir uma antecipação.
Os próprios cardeais poderão decidir quando iniciar o processo eleitoral. Aparentemente, o objectivo do Vaticano é que o novo papa seja eleito até meados de Março e entronizado antes do Domingo de Ramos, em 24 de Março, de modo a poder comandar as cerimónias da Semana Santa.
Nas últimas duas semanas, os cardeais já realizam consultas informais por email e telefone.