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“Falta educação para a mulher afirmar-se na sociedade”

“Falta educação para a mulher afirmar-se na sociedade”

@Verdade interpelou, em Nampula, Graça Samo, presidente do Fórum Mulher – Coordenação para Mulher no Desenvolvimento, para falar de questões ligadas à área da qual faz parte. Samo afirmou que quanto menos educada a mulher for, menos capacidade e possibilidades de participar nos processos de poder influenciar ela tem. E disse ainda que a situação de violência contra a mulher em Moçambique tem vindo a piorar nos últimos tempos, devido à intolerância e retaliação por parte dos homens quando as suas esposas começam a impor-se na sociedade.

(@Verdade) – O que é o Fórum Mulher?

(Graça Samo) – O Fórum Mulher é uma rede de organizações criada em 1993, o que significa que no próximo ano completaremos 20 anos de existência. Essa rede congrega várias organizações interessadas em lutar pelos direitos humanos das mulheres e pela igualdade do género, nomeadamente organizações da sociedade civil, ONG’s nacionais e internacionais, comités da mulher trabalhadora dos sindicatos, organizações comunitárias de base, institutos de investigação e tem também articulação com as entidades do Estado que estão bastante ligadas à área de direitos humanos, especificamente em acções mais focalizadas na mulher.

(@V) – Quais são as áreas de actuação do Fórum Mulher?

(GS) – Ao longo desses anos temos vindo a trabalhar especialmente com o acesso à informação, sobretudo na divulgação de informação sobre os direitos humanos das mulheres para que elas tenham maior conhecimento dos seus direitos. A questão de informação é um pilar extremamente importante.

A questão de lobby e advocacia para ajudar no processo de reformas das leis e políticas públicas para que elas possam responder, cada vez mais, a essas questões de igualdade de género e direitos humanos das mulheres. E também precisamos de reforçar a capacidade das mulheres e das organizações para melhor desenvolver o seu trabalho de advocacia.

Penso que se nós formos a falar dos objectivos do nosso trabalho de uma maneira sintética ou mais objectiva, primeiro é o reforço da capacidade para advogar os direitos das mulheres, e a questão de mobilização para realmente fazer as mudanças positivas na sociedade. Podemos dizer que, actualmente, nós trabalhamos em cinco áreas temáticas.

Nós sempre fizemos informação, lobby e advocacia, mas focalizando três áreas: uma é o combate à violência contra a mulher, que é uma das áreas que temos vindo a trabalhar há bastante tempo, a outra é a componente da economia, que tem a ver com acesso à terra e ao crédito e trabalho digno, e direitos pessoais e reprodutivo. Temos também a componente de participação política da mulher que tem a ver com o reforço da cidadania. E o quinto tema é o que chamamos de formação e reforço da capacidade institucional.

(@V) – A actuação é a nível nacional?

(GS) – Basicamente, nós temos os nossos escritórios em Maputo, mas a nossa intervenção é de âmbito nacional. Não estabelecemos escritórios a nível das províncias, mas trabalhamos através de organizações membros sediadas nas províncias ou através de pontos focais que nós identificámos em função do potencial desse parceiro. Temos também mecanismos de apoio às organizações a nível das províncias para criar fóruns de organizações femininas.

(@V) – Qual é a sua opinião em relação aos pais que forçam o casamento precoce às suas filhas?

(GS) – Eu penso que se deve punir os pais que entregam as suas filhas para se casarem precocemente. Os pais são também criminosos. Sãos violadores os que assumem que são maridos dessas crianças, tanto como o pai que entende entregar a sua própria filha mesmo sabendo que é menor de idade. Deveriam ser criminalizados os dois.

(@V) – Que visão e perspectiva tem o Fórum Mulher em relação à mulher moçambicana, sobretudo, a do meio rural?

(GS) – Para nós, a perspectiva é de que não tem como pensarmos numa sociedade próspera se nós não pensarmos na maioria da população que está, necessariamente, excluída dos processos. A nossa visão é por uma sociedade mais justa e igualitária onde homens e mulheres gozam dos seus direitos e fazem o usufruto de todos os direitos sem serem considerados inferiores e incapazes por causa do sexo.

O que sabemos é que as mulheres têm o mesmo potencial que os homens e, muitas vezes, na perspectiva económica elas já provaram que o dinheiro nas mãos de uma mulher tem a possibilidade de fazer milagres do que nas mãos de um homem que é capaz de sentar-se num bar e trocar copos com os amigos.

O ex-estadista brasileiro esteve a falar, na semana passada, numa palestra que a experiência de sucesso no Brasil é do programa da “bolsa família”, que consiste em responsabilizar as mulheres para desenvolver diversas actividades económicas. Porque as mulheres pegando nesse dinheiro podem comprar material escolar para os seus filhos, comida para casa, abrir um salão de cabeleireiro, para poder beneficiar todos os membros da família.

Os homens, provavelmente, sentar-se-iam no bar para beber uma cerveja muito antes de chegar a casa com esse dinheiro. Então, devemos investir e reconhecer o papel das mulheres, entregando o dinheiro a elas, não como um grupo vulnerável, mas como um potencial para o desenvolvimento da nossa economia. Temos várias mulheres a dinamizarem a economia no sector informal.

Por exemplo, se olharmos para quem está a atravessar as fronteiras, agora que se vai para a China ou Brasil, vamos ver que, entre as pessoas que vão fazer negócios nesses locais, na sua maioria são as mulheres que usam o comércio informal para poder desenvolver a sua economia doméstica e acabam desenvolvendo muito mais. Elas criam pequenos negócios, criam empregos por aí. E porque é que não podemos pensar numa perspectiva de investimento para o desenvolvimento local mais integrado?

Violência contra a mulher em Moçambique é grave

(@V) – O que falta nas mulheres para se afirmarem na nossa sociedade?

(GS) – Acho que o que falta para a maioria é a educação. Quanto menos educada ela for, menos capacidade, menos possibilidades de participar nos processos de poder influenciar ela tem. Se ela não estiver muito educada, será muito tímida e “burra” para se pronunciar sobre o que ela pensa.

E não terá, sobretudo, o potencial para beneficiar das oportunidades que surgem, uma vez que não dispõe de nenhuma preparação. A educação é extremamente importante e a partir da educação é preciso, também, pensar no reaproveitamento dos recursos de produção que existem.

Como é que nós podemos dar não apenas a educação de saber ler e escrever, mas educação para o aproveitamento das suas habilidades para fazer alguma coisa que possa render? Hoje existem muitas mulheres que já fazem muitas coisas a nível das suas comunidades, mas ninguém sabe aproveitar. Não se tira proveito daquilo que elas produzem por isso é que acaba ficando a circular na economia local.

Além disso, tem havido pouco investimento. Há pouco investimento que vai para as mãos das mulheres ou quase nenhum. Mas, infelizmente, muitos ensinam as mulheres que a solução das suas vidas são os possíveis maridos que submetem as mulheres a viverem num ciclo infinito de violência, ou a sujeitarem-se a um homem porque tem mais meios e não amor para dar e partilhar uma vida de respeito mútuo.

(@V) – Qual é o ponto da situação da violência contra a mulher em Moçambique?

(GS) – A situação de violência contra a mulher em Moçambique é grave, é gravíssima. Não há uma única vez em que a gente termina o dia sem ouvir no telejornal, na rádio ou ler nos jornais uma notícia de homicídio. E isso mostra o quanto a nossa sociedade está doente. Porque é uma sociedade que vive à base de violência para resolver os seus conflitos.

Eu dizia antes que no Fórum Mulher gostamos de enfrentar todos os conflitos que nos são apresentados. Porque os conflitos fazem parte da vida e da convivência dos cidadãos, mas o mais importante é a capacidade de enfrentar os conflitos de uma forma construtiva. No Fórum Mulher, quando não somos capazes de nos sentar para falar sobre o conflito que nos assola, não estamos em paz.

É a mesma coisa que temos dito quando olhamos para a sociedade como um todo. De forma geral, a violência no nosso país está a crescer. Primeiro, porque há muita intolerância, há muita mulher que está a abrir-se para começar a enfrentar a sua vida académica, profissional, e as mulheres estão a progredir e os maridos não estão preparados para entender isso.

E acham que ela está a começar a perder o respeito, porque muitos homens acham que as mulheres podem ir à escola, ao trabalho mas em casa deve continuar a ser tudo. Não é possível conciliar certos papéis porque a partir do momento que ela tem uma vida fora de casa, uma vida profissional, estudantil, o tempo não a torna activa.

(@V) – Acha que a diversidade cultural está por detrás da violência contra a mulher?

(GS) – Diversidade cultural a gente sempre teve. E os conflitos sempre existiram. A diversidade cultural por si só não deve constituir problema. O mais importante é saber o que significa para ti um determinado conceito ou questão. Quais são os teus limites para entenderes uma questão minha, e quais são os meus limites para entender a tua questão.

Antes de casarmo-nos, a gente já se conhece, sei que vens de uma educação desta ou daquela maneira. O que penso é que não nos damos o tempo para conhecer essas diferenças entre nós. Quando estamos a viver juntos é que começamos a olhar para essa questão, mesmo assim não estamos preparados para discutir essas questões. Diferenças, a gente sempre encontra em todos os sítios, mesmo no local de trabalho.

Muitos desses homens que quando chegam a casa espancam as esposas, no serviço nunca o fazem aos seus chefes. Eu acho que a questão das diferenças culturais deviam nos engrandecer. Se os filhos estão a ser educados por uma mãe que é macua e o pai n’dau porque não valorizar os dois aspectos sócio-culturais para educá-los?

(@V) – Acredita que o povo moçambicano está preparado para a despenalização do aborto?

(GS) – Antes de responder a essa pergunta, gostaria de perguntar se a população está preparada para assumir tanta morte que acontece do aborto inseguro. A sociedade está preparada para digerir esta dimensão de mortalidade?

A primeira questão deve-se cingir em procurar entender a despenalização. Penso que há maior entendimento que, quando se fala da despenalização do aborto, as pessoas pensam que estamos numa altura em que se fala da criação de liberalização. Como se a gente fosse dar um certificado a todas as mulheres que praticam o aborto. A questão não é essa!

O Estado tem o direito de garantir os serviços públicos ao cidadão para a promoção de uma saúde segura. A gravidez acontece na vida de uma mulher, independentemente, da sua vontade.

Muitas vezes acontece quando as mulheres não têm vontade de negociar a sua gravidez. Sabe-se que muitas mulheres ficam envolvidas em situações de violações em consequência de uniões matrimoniais forçadas, casamentos prematuros e muitas outras formas que afectam mulheres de todas as idades e todas as religiões.

Temos feito estudos com o envolvimento dos médicos dos hospitais públicos em função dos acontecimentos registados nessas unidades sanitárias.

Se as mulheres engravidam, a melhor solução não é proibi-las a praticar o aborto porque elas vão para o médico clandestino. Grande parte das mortes registadas em Moçambique é porque as mulheres fazem o aborto de forma clandestina. O aborto clandestino aumenta o risco para a saúde da mulher.

O que é preciso fazer? É necessário que haja alternativas. Nos países onde há aborto seguro, as mulheres vão às unidades sanitárias e praticam o aborto de uma forma segura, sem correr riscos de saúde, mas nos países onde há proibição, as pessoas vão ao meio clandestino.

Nunca me senti intimidada

(@V) – Alguma vez o Fórum Mulher já sofreu intimidação por parte do Governo?

(GS) – Não. Eu pessoalmente nunca me senti intimidada. Mas já tive situações explícitas de convocação para a contestação das minhas críticas. Já vivi uma situação de ver cortado um debate televisivo no qual fazia parte. Não tenho argumentos para afirmar que isso foi um dos meios de proibição.

Por ser aquela uma televisão pública (TVM) num país em que a gente sabe que há uma partidarização das instituições públicas, a gente pode associar. Mas não tenho matéria para afirmar que fui intimidada ou fui proibida, mas eu sou uma pessoa íntegra. Expresso-me da forma que eu quero, que eu penso, independentemente de quem esteja em frente de mim.

Nós trabalhamos para passar a lei da violência e foi em colaboração com as deputadas e deputados da Assembleia da República, a Comissão dos Assuntos Sociais e tínhamos momentos muito críticos de conflitos entre nós. Eram questões críticas mais sensíveis no contexto em que estamos, mas nunca nos sentimos com o receio de avançar. As pessoas não sabem que o papel da sociedade civil é apresentar críticas em relação às coisas que não andam bem. Os elogios aparecem sempre quando é feito algo de bom.

E quando não se reclama é porque essa coisa está bem. E quando não está bem, usamos o pouco tempo de antena para criticar algo que não anda bem. É difícil falar de coisas boas, sabendo que existem muitos aspectos que não estão bem e acabamos levando o nosso tempo de antena que seria para falar e reforçar as capacidades.

(@V) – O que é o Fórum Mulher hoje?

(GS) – Eu costumo dizer que hoje o Fórum Mulher é um mundo. Antes eu dizia que era uma ilha, porque nós começámos como uma rede de organizações, hoje nós transpusemos e, presentemente, somos uma rede que congrega outras redes. Hoje, somos uma rede transnacional e fazemos influência não só de políticas nacionais, mas também globais.

Nós somos um mundo de mulheres, nós somos um movimento de mulheres. Não vejo mais o fórum mulher confinado ao conjunto de organizações que assinam ou subscrevem a Constituição. Vejo o fórum como um movimento que luta para um mundo de possibilidades para as mulheres.

As mulheres são assediadas nas empresas e ninguém fala disso

@V – Qual é o nível de beneficiação das mulheres moçambicanas tendo em conta que estão sendo criadas diversas oportunidades de emprego no país?

(GS) – Eu responderia nos seguintes termos a sua questão: Se os empregos estão a ser criados nas diversas empresas qual é o número de mulheres que está a beneficiar-se disso?

Em muitas empresas ouve-se falar da questão do assédio sexual para garantir determinadas vagas. De que forma está sendo tratada esta questão? Qual é o papel dos sindicatos nesta abordagem?

As mulheres que estão nos níveis mais altos das direcções, como é que criam espaço para que esta questão de assédio seja discutida, de uma forma mais aberta e honesta, porque realmente elas são vítimas de assédio?

Por mais que tenhamos de tapar o sol com a peneira, isso acontece. Se uma mulher ascende para um cargo de chefia porque teve que estar submissa a uma situação de assédio, isso tira a sua auto-estima.

Tira o respeito que ela podia ter com os seus colegas. Aliás, ela fica sem saber se o lugar que ocupa é por mérito devido as suas capacidades profissionais ou porque teve que ceder às solicitações de estar envolvida em situações de assédio sexual.

É muito importante que se abram espaços para que se possam discutir estas questões em fóruns apropriados e em espaços públicos e que haja medidas para mudar a situação.

(@V) – Qual é o vosso objectivo ao defender a necessidade da mulher ocupar cargos de direcção?

(GS) – Quando defendemos a indicação de mulheres nos espaços de tomada de decisão é porque sabemos que ela pode influenciar a discussão dos assuntos que preocupam as mulheres. Porque é que as mulheres por conta da sua maternidade têm de perder o emprego?

Onde está a segurança social, o que está sendo feito? Hoje, temos a ministra do Trabalho, até quando ela pode transformar a segurança social para que possa resolver os problemas da mulher no trabalho?

Muitas mulheres perdem o emprego porque engravidaram ou gozam da sua licença de maternidade. Essas coisas deveriam ser tomadas em conta pela justiça de trabalho, que deveria ser capaz de controlar o que de facto está a acontecer.

E os empregadores deveriam ser responsabilizados por isso. Hoje em dia não temos a oportunidade de uma criança poder ficar na creche perto do local de trabalho, porque as condições de trabalho estão a ficar cada vez mais degradadas.

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