Passam sensivelmente dois meses desde que o Presidente Armando Guebuza lançou, a 20 de Setembro, a primeira pedra para a construção da ponte sobre a baía de Maputo, incluindo as estradas KaTembe/Ponta D’Ouro e Bela Vista/ Boane. A construtora chinesa CRBC ainda não iniciou com as obras, pois o município de Maputo e a empresa pública Maputo Sul ainda não lograram transferir uma única família cuja casa está abrangida pelo traçado do projecto orçado em USD 725 milhões, 85% financiados pelo Exim Bank da China.
A maior parte das famílias que viu as suas casas dentro do perímetro do projecto vive no assentamento informal que se ergue sobre as barreiras de protecção da Malanga.
O projecto da ponte, exactamente naquela zona, constitui a parte norte do mesmo. Porém, o atraso no início do reassentamento põe em causa a seriedade das autoridades moçambicanas, pois o empreiteiro sempre insistiu na necessidade de ter toda a área do projecto livre de residências e outro tipo de propriedades.
Cabe ao executivo (através da empresa pública Maputo Sul, subordinada ao Ministério das Obras Públicas), em coordenação com o Conselho Municipal de Maputo transferir para novos bairros 4500 famílias, incluindo o pagamento das devidas compensações.
As despesas de reassentamento serão suportadas pelo executivo central, através da sua comparticipação no projecto, que corresponde a 15% do orçamento total (USD 725 milhões).
Do total das famílias por reassentar, 4000 vivem na parte norte do projecto, mais concretamente na Malanga. Os 500 remanescentes estão na parte sul e destes nenhum será deslocado para fora da KaTembe, sua zona residencial actual.
Residentes aguardam pelo reassentamento, mas a vida não pára
Otília Machaieie, 50 anos, vive nas barreiras da Malanga, onde chefia uma família de cinco membros. O seu espaço não está delimitado, mas pode-se estimar 15 metros de comprimento e 10 de largura.
Nele cabe uma casa de três quartos e uma sala feita de blocos e chapas de zinco, um quarto geminado que é arrendado a vendedores ambulantes da Malanga a 500 meticais por mês.
A família da Otília Machaieie partilha a mesma latrina sem cobertura feita de lonas e sacos plásticos com os três jovens arrendatários. Ao lado, fica o fogão de carvão vegetal, a cozinha familiar.
Quando a nossa equipa entrou na sua residência, há duas semanas, ela torrava amendoim para vendê-lo na baixa da Cidade de Maputo. “Já vieram pessoas para nos informar que havemos de sair, fizeram levantamentos das nossas casas, mas até aqui ainda não sabemos quando”, conta.
Mas ela está indiferente com os atrasos no início do reassentamento. Apesar da zona não reunir as mínimas condições de habitação, Otília Machaieie vê vantagens em permanecer nas barreiras da Malanga: “é perto da cidade”. Na verdade, a zona está na cidade, mas ela não faz parte da cidade.
É um mundo a parte, com as suas próprias características. Muitos residentes locais vivem do comércio informal e este, como é comummente sabido, floresce com rentabilidade nos centros urbanos. Outros fazem a vida nos terminais portuários de Maputo como estivadores sazonais.
A baixa da cidade fornece clientela para o amendoim torrado da Otília, o sustento da família que perdeu o pai há anos. “Na última reunião disseram que íamos ser transferidos Costa do Sol, KaTembe, Boane e Marracuene”, conta, acrescentando que ela prefere estar no bairro mais próximo da cidade. E prefere que as autoridades construam casa para ela e não que dêem dinheiro.
Laura Mundhluvo é vizinha da Otília. Tem em comum o facto de serem viúvas e, por via disso, tomarem conta das respectivas famílias. Partilham também o motivo que as levou a fixar residência na cidade de Maputo: guerra civil. Aliás, o conflito armado que durou 16 anos no país foi a principal causa para o surgimento do assentamento informal da Malanga.
Actualmente, concorre para a fixação de mais pessoas naquela zona, o desemprego que campeia nas zonas rurais.
A cidade também não oferece empregos, mas um vasto leque de tácticas de sobrevivência, desde o comércio informal até ao roubo permitem o superpovoamento das barreiras da Malanga. Mundhlovo não sabe precisar a sua idade, vive com dois menores de idade, seus netos. Ela também arrenda um quarto encostado à casa principal de quarto e sala, um emaranhado de blocos com cobertura de chapas de zinco.
Contrariamente à sua vizinha Otília, ela prefere receber casa fora da cidade. “Preciso de ter um terreno para praticar agricultura, aqui não é possível. O dinheiro de renda (500 meticais mensais) não chega para me alimentar”, lamenta.
Trabalhar com a terra é a única coisa que aprendeu na vida, desde a infância em Chibuto. “Quero que eles construam a casa. Eu já não aguento, não tenho forças para controlar uma obra”, diz. A demora é lhe indiferente, afinal ela poderá não usar a ponte para KaTembe.
“Estamos a rectificar alguns erros” – administrador da Ka-Tembe
O administrador municipal da KaTembe, Luís Matsinhe chefia a comissão de reassentamento. Sobre a demora no início do processo de transferência das famílias, ele disse ao @Verdade que, neste momento, decorre a correcção dos eventuais erros que terão surgido durante o levantamento.
Findo este trabalho, avança-se para a fase das compensações. As zonas para onde serão reassentadas as famílias que vivem na Malanga ainda não foram definidas. Sabe-se porém que kaTembe e Marracuene são as principais apostas das autoridades.
Mas para os residentes da KaTembe, Matsinhe não tem dúvidas: “ninguém há-de sair da KaTembe. Todas as famílias serão transferidas para o interior da KaTembe”.
Para não pôr em causa os planos e prazos, os trabalhos estão a ser feitos em coordenação com o empreiteiro chinês CRBC.
Sobre as queixas que amiúde têm sido apresentadas por alguns residentes da KaTembe segundo as quais o empreiteiro estaria a invadir as suas machambas e residências para fazer demarcações e perfurações geotécnicas, o administrador municipal da KaTembe fez notar que tudo se deve à falta de colaboração por parte de alguns munícipes.
“Alguns munícipes não deixam o empreiteiro fazer o seu trabalho e isso faz com que os técnicos entrem forçosamente nas casas e machambas para poder fazer as respectivas demarcações”, explicou.