Osvaldo José Lourenço, presidente da Associação Cultural MUODJO, vive com uma mágoa: não ter sido recebido pelo Presidente da República, Armando Guebuza. A associação tem dez anos e luta para tirar as crianças das ruas de Maputo e Matola. O sonho, deste líder juvenil ex-menino de rua, é construir um centro para crianças sem lar.
(@V) – O que é MUODJO?
(Osvaldo José Lourenço) – MUODJO é uma associação que nasceu a partir daquilo que foram as várias experiências que tive nos momentos mais difíceis da minha vida, os quais culminaram com a criação da casa/escola “Molho de Feijão que a nossa Mãe Preparou” em Matendene.
Uma casa que actualmente apoia cerca de 60 crianças desfavorecidas a nível daquele bairro e que beneficia do nosso projecto “Criança do Amanhã” que visa dinamizar a educação pré-escolar nas comunidades de baixa renda. MUODJO é uma associação que desenvolve trabalhos de apoio psicossocial no âmbito da recuperação dos meninos de rua e integração/acompanhamento nas famílias. Ou seja, criamos oportunidades para os netos “filhos” dos idosos que são essas crianças que estão a beneficiar da educação pré-escolar.
Os professores são voluntários que saem da comunidade e outros são membros da associação. Agora temos voluntários que vieram da Alemanha no âmbito de um programa. Na qualidade de fundador e membro da Associação Cultural MUODJO ganhei o prémio de melhor voluntário do ano 2011 e agora vou tentar concorrer para o prémio da melhor organização do ano 2012.
Nós como MUODJO temos uma missão e uma visão que ditam que devemos fazer as coisas acontecerem na comunidade. Por isso o nosso lema é: ninguém vive para si mesmo, usa a terra para salvar vidas, usa a terra sem magoar ninguém.
(@V) – MUODJO é resultado das más experiências que tiveste na vida. Podes desenvolver um pouco em torno destas vivências?
(OJL) – Sim. Eu sou um jovem que foi menino de rua e sou membro-fundador da banda Djovana. Na altura ensaiávamos num centro de meninos de rua em Macurungo, na Beira. Nós vendíamos cigarros na praia e por isso é que eu digo que MUODJO não começou aqui. É o rebuscar de uma vida.
Se olharmos para a cidade da Beira encontramos um espaço que se chama MUODJO onde viviam pessoas de culturas diferentes. Nesse espaço comercializavam drogas e algumas pessoas que lá moravam eram refugiadas de guerra. Nós convivíamos naquele ambiente e com outros meninos de rua de Macurungo.
Quando cheguei a Maputo fui acolhido pelo padre Vicente Guerenguere que me conheceu quando eu tocava instrumentos tradicionais em algumas casas de pasto na cidade de Maputo. Por isso é que acredito que o MUODJO é o renascer de uma vida. Há pessoas que olham para nós como loucos, mas é preciso compreender a sociedade.
Hoje as pessoas são mais tolerantes por causa do nosso empreendedorismo social ao nível de Matendene, mas nem sempre foi assim. Porém, é preciso usar a terra para salvar vidas e sem magoar ninguém. Obviamente que tivemos uma cegueira ao nível da comunidade que ficou cinco ou seis anos sem ceder espaço.
Foi assim que eu achei melhor transformar a minha própria casa num centro de recuperação de meninos de rua e posterior reintegração nas famílias. Foi assim que desenvolvemos esta oportunidade que gerou a escolinha comunitária que é o projecto “Crianças do Amanhã” que visa dinamizar a educação pré-escolar nas comunidades de baixa renda.
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(@V) – Quantas crianças foram abrangidas pela escolinha comunitária?
(OJL) – Foram abrangidas cerca de 60 crianças. Os avós contribuem anualmente com um valor simbólico anual de 150 meticais. Um dos grandes objectivos que temos é encontrar padrinhos que possam ajudar a pagar a mensalidade dessas crianças porque nós temos voluntários da comunidade que o são sem nenhuma espécie de subsídio. Se até hoje existimos é graças àquilo que é a história da MUODJO. Ou seja, os voluntários entram na filosofia da associação.
Nós achamos que dinamizar a educação pré-escolar é o básico. Porém, o nosso grande desafio é conseguir um espaço maior onde no futuro poderemos construir um centro para meninos de rua. Temos, agora, meninos que estão a beneficiar de formação em corte e costura, cabedal, artesanato e training computer. Outro dos nossos grandes sonhos é criar um magazine cultural onde poderemos produzir peças de arte e mandar para fora do país de modo a gerar a sustentabilidade do projecto.
Estamos a tentar juntar o útil ao agradável que é pegar nestes meninos recuperados e devolvê-los às casas dos pais. A ideia é fazer com que tenham formação profissional para que amanhã saibam virar- se e não ficarem à espera da associação. Por outro lado, podem ser líderes nas comunidades de onde são oriundos.
A maioria dos meninos que anda nas avenidas de Maputo vem de bairros periféricos onde abundam dificuldades de alimentação e quando chegam na cidade deparam-se com a possibilidade de lavar um carro ou guarnecê-lo e conseguem alguma coisa e acabam preferindo ficar na rua.
Uma das coisas que a MUODJO está a fazer em parceria com a Acção Social é criar oficinas de aprendizagem artística que possam orientar e capacitar essas crianças para que regressem às suas casas e virem ao centro para beneficiar das actividades.
(@V) – Qual foi a motivação da criação de uma escola com o nome “Molho de Feijão que a nossa Mãe Preparou”?
(OJL) – Chamo por esse nome porque faz parte da história do próprio país. Aliás, faz parte de nós mesmos como pessoas. As diferentes sinergias que fizeram com que a MUODJO existisse, directa ou indirectamente, foram uma junção de diferentes forças que se uniram para um único objectivo.
É como se eu pegasse dez grãos de feijão e desse a uma criança de quatro anos na comunidade para contar. Ela vai contar até dez e depois vai apresentar ao educador. Depois digo-lhe para separar e ela vai separar em duas metades.
De uma forma directa ou indirecta ela está nas noções elementares de matemática, mas na vertente intelectual, social e moral nós estamos a falar da situação da guerra dos 16 anos no país em particular. A fonte da alimentação das comunidades por causa da guerra estavam no feijão, na ervilha e, sobretudo, no repolho. Portanto, estamos a falar de um misto de coisas.
Mas quando as pessoas ouvem falar de Casa/Escola “Molho de Feijão que a nossa Mãe Preparou” pensam que é uma loucura. Não se aproximam para compreender as coisas. Nós temos uma missão muito grande aqui na terra como seres humanos e obras divinas. Uma das coisas é tentar mostrar solidariedade ainda que passemos por dificuldades.
É preciso transformar o pequeno espaço onde vivemos para mostrar que, mesmo com dificuldades, é possível fazermos alguma coisa na comunidade. Uma das coisas que nos deu forças para estabelecer ao nível de Matendene a Casa/Escola “Molho de Feijão que a minha Mãe Preparou”, em 2000, foi o problema de linchamentos nos bairros e o facto de ter encontrado nas zonas circunvizinhas crianças que viviam acorrentadas.
Fizemos um estudo sobre a situação da criança ao nível do bairro e tivemos de criar um espaço também ao nível do bairro onde eles pudessem interagir e conhecer os seus direitos e deveres.
(@V) – É fácil liderar uma associação que lida com meninos de rua? Onde é que a MUODJO vai buscar apoios para desenvolver as suas actividades?
(OJL) – É difícil liderar uma associação como MUODJO. Temos agora dez anos de existência e durante este percurso tivemos colegas que não acreditaram e ficaram pelo caminho.
Os outros agora começaram a vir porque estão a ver as coisas a acontecer. Construímos duas salas de aulas para apoiar 60 crianças na escola. Estamos a dar oportunidades aos jovens para beneficiarem de formações. Acredito que a MUODJO está ainda numa fase de construção.
Ainda estamos a alinhar blocos. Temos o grande desafio de construir o Centro de Meninos de Rua. Porém, temos o básico. Construímos duas salas de aulas com o apoio da União Europeia. Às vezes aparecem organizações com muito dinheiro e como têm dinheiro querem subverter os nossos princípios e deveres e nós fincamos pé porque estamos bem assentes naquilo que é a nossa visão e missão.
O nosso papel, muitas vezes, é o de purificar e orientar esses parceiros. Fazemos isso também com os nossos colegas para sairmos das dificuldades para os momentos de avanço. Uma das coisas que talvez faça com que continuemos unidos é o facto de sermos artistas. Nós tocamos instrumentos tradicionais e não ficamos à espera que os parceiros tragam alguma sustentabilidade para o MUODJO.
Tocamos em casas de pasto e é assim como mantemos as nossas actividades até ao momento. Porém, não deixamos de escrever projectos. Temos estado a escrever para várias organizações e estamos à espera das respostas.
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(@V) – Da última vez que @Verdade foi visitar a associação cultural MUODJO encontrou crianças que foram tiradas da rua. Quantas crianças nestes 10 anos saíram das ruas pelo trabalho da MUODJO?
(OJL) – Nesses dez anos um dos grandes desafios que tivemos foi o facto do Ministério da Acção Social ter determinado que devíamos encerrar com as actividades e criar condições para receber meninos da rua. O que nós fizemos foi reintegrar aquelas crianças em orfanatos.
Até que apareceu um parceiro que nos ajudou na construção de duas salas. Porém, durante este percurso tivemos de capacitar os colegas para perceberem a missão. Por outro lado, estávamos a legalizar a associação. Ou seja, funcionávamos com o despacho da ministra da Justiça e só agora é que publicaram os nossos estatutos no BR.
Isso foi graças ao Ministério da Juventude e Desportos. Agora podemos desenhar projectos grandes. Temos 15 meninos que voltaram para as suas próprias casas. Tivemos casos de outros miúdos que voltaram para Moamba, inclusive os que estão aqui perto beneficiam da formação que temos com o Ministério do Trabalho.
(@V) – Efectivamente, quantas crianças que saíram da rua estão a ser assistidas pela MUODJO?
(OJL) – No que diz respeito aos meninos devido à exiguidade de espaço lutamos para reintegrar as crianças na família. Ou seja, depois de fazermos uma orientação, fazemos a reintegração por via da acção social. Alguns vão para centros como Chiango.
Isso acabou por dar abertura para estas 60 crianças que estão a beneficiar do programa pré-escolar. O que estamos a fazer agora é levar as crianças que regressaram para casa e formar. Outros estão a ser formados pela Acção Social para ajudar outras crianças que passam por algo que eles viveram.
Portanto, nestes 10 anos podemos dizer que 15 crianças regressaram para as suas casas. Agora que estão nas suas casas não deixamos de visitá-los e dar acompanhamento. Por isso é que beneficiam dessas formações. Agora estamos a formar câmara-man porque um dos objectivos que a MUODJO tem no seu plano estratégico é desenvolver um programa de turismo comunitário barato. Nesse turismo comunitário os meninos de rua vão fazer a tradução em inglês para os turistas das histórias dos bairros.
Temos miúdos que aprenderam a falar inglês nas ruas. Esse turismo comunitário nós pretendemos documentar. Por isso é que estamos a fazer essa formação em imagem audiovisual. No próximo ano, se tivermos oportunidade de sair do país, queremos trazer câmaras semi-profissionais para desenvolver esta ideia.
Contudo, temos alguns documentários sobre a MUODJO. Porém, agora pretendemos ter os nossos próprios meios. Esse é um dos nossos grandes sonhos. Até porque é, na verdade, uma terapia ocupacional que faz com que aquele menino que estava na rua volte para si mesmo e acabe percebendo que é útil na sua sociedade. Só assim ele volta para a sua casa.
Temos casos de pais que estão em Moamba que dificilmente aceitam acolher o seu próprio filho. Esses estão sob a responsabilidade da MUODJO. É o caso do Sadique que foi recusado pelo pai. Ficou connosco e agora está a beneficiar da formação e está integrado. Portanto, está a ganhar conhecimentos para poder inserir-se na comunidade e ser alguém.
Vitórias da MUODJO
(@V) – Quais são as grandes vitórias da MOUDJO?
(OJL) – Uma das vitórias é termos sido reconhecidos pelo Estado moçambicano através do Boletim da República. Por outro lado, o reconhecimento do nosso trabalho pelo Conselho Nacional do Voluntariado. Uma das grandes vitórias e que nos fez ver que vale a pena continuar a lutar pelas crianças foi a construção de duas salas de aulas dentro da MUODJO onde acolhemos 60 crianças que têm actividade pré- -escolar no âmbito do projecto “Crianças do Amanhã”.
É uma vitória porque construímos salas, vedámos o espaço e mobilámos. Temos voluntários que são pessoas da terceira idade que apoiam as actividades. Também somos apoiados por jovens universitários e outros da Alemanha. O grande ganho que nós temos é agradecer a Deus porque de forma directa ou indirecta tudo aparece de forma natural. É este valor que nós temos de impregnar na sociedade que é preciso trabalhar para mudarmos este Moçambique. Este país não depende só dos nossos líderes que estão no topo.
Alguns aceitam descer às bases e outros não descem, mas para nós construirmos os alicerces da MOUDJO ou do país é preciso existir essa união de esforços até envolver o próprio menino da rua. Portanto, nós estamos numa fase em que temos de capacitar e orientar estas crianças. O facto de as crinças aceitarem regressar aos seus lares é a nossa maior vitória.
Maior frustração
A maior frustração nestes dez anos é saber que se está a fazer um trabalho com grande impacto e que, ainda assim, temos dificuldades de receber apoios para melhorar os nossos serviços, tomando em consideração que todos os que estão envolvidos nas actividades são voluntários.
Já passam cinco anos que, no Pavilhão do Estrela Vermelha, entregámos o nosso plano estratégico ao chefe de Estado, Armando Guebuza, e esperava que um dia fossemos chamados para conversar e falarmos mais daquilo que é o nosso trabalho e a nossa missão.
Isto ainda não aconteceu. Às vezes tenho a oportunidade de encontrar-me com o Presidente em conferências. Esteve em Nampula naquele encontro do Conselho Nacional da Juventude e eu fiquei 30 minutos a conversar com o Presidente e a explicar mais uma vez aquilo que é a missão e a visão.
O Presidente citou o nosso trabalho como exemplo em plena reunião do Conselho Nacional da Juventude como excelente e percebeu que aquilo que nós fazemos é empreendedorismo social. Mas o que queríamos era a comparticipação do Estado nos projectos sociais que nós como jovens estamos a fazer sem nenhum apoio.
Outro grande sonho, nós sabemos que a primeira-dama, Maria da Luz Guebuza, anda pelo país a trabalhar e a apoiar organizações. Nós não sabíamos que o Gabinete da Esposa do Presidente da República apoia alguns projectos.
Agora, quando houve a visita da primeira-dama à província de Maputo tivemos a oportunidade de interagir e explicámos o nosso trabalho. Até levamos um ex-menino de rua que estava connosco há nove anos que é o Gaipo Sadique. Entregámos às assistentes da primeira-dama o nosso plano estratégico e o projecto Magazine cultural. Já passam semanas. Não sei se ainda estão a planear ao nível do Gabinete da primeira-dama um encontro. Há três anos que peço sempre uma audiência para falar directamente com a primeira-dama.
Isto eu gostaria que acontecesse. Que nós tivéssemos um encontro onde levo o meu material e uma parte da minha equipa e, sobretudo, o subsídio do nosso trabalho que são aqueles meninos que voltaram às suas casas para nós mostrarmos o que estamos a fazer e deixar claro que esperamos que contribuam com coisas muito concretas. Queremos que visite o que fizemos neste percurso de dez anos.
(@V) – Que tipo de apoio é que esperam do Estado e do Gabinete da primeira-dama?
(OJL) – Um dos grandes apoios que eu espero do Estado, no caso daqueles meninos que a MUODJO ajudou a tirar da rua seria o apadrinhamento na sua formação educativa e socioprofissional. O outro apoio do Estado que gostaríamos de ter é a comparticipação no desenvolvimento daquilo que são os projectos que a MUODJO tem.
Eu acredito que o Estado tem condições de arranjar padrinhos para apoiar aquilo que é a iniciativa MUODJO. Portanto, este seria o papel do Estado porque ele já sabe que nós existimos, já sabe que estamos a fazer trabalho concreto e naqueles work shops nos quais nos encontramos com os nossos líderes questionamos o facto de não aparecerem onde as coisas realmente acontecem.
A nossa preocupação com o Estado é que nos apoiem na construção dos nossos sonhos. Um deles é a construção do Centro de Meninos de Rua onde pensamos ter serralharia, carpintaria, corte e costura e aulas de informática. É um sonho que temos, é uma forma de resgatarmos esses meninos que andam nas ruas sem fazer nenhum.
O importante é sentarmos, desenharmos um projecto e avançarmos. Nós já temos aquilo que são as nossas perspectivas de trabalho, mas se conseguirmos um terreno ao nível de Matendene, um espaço que seja 50 por 40 metros seria bom.
Eu sou membro do Conselho Consultivo do bairro e conheço espaços onde há terrenos. Nós podemos indicar e se o Governo quiser apoiar em dar esse espaço é possível que nós, como MUODJO, não esperando apenas pelo Governo, procurarmos parcerias para a construção do Centro de Meninos de Rua.
Nós queremos sentir esse envolvimento do Estado e também do Gabinete da esposa do Presidente da República. Se olharmos para o nosso lema: ninguém vive para si mesmo, usa a terra para salvar vidas, usa a terra sem magoar ninguém, estamos fazer ver que a nossa acção social não depende de uma pessoa, mas de um conjunto.
Campanha de Natal
Se tudo der certo, no dia 15 de Dezembro, a Associação Cultural MUODJO, vai organizar o Natal das crianças desfavorecidas de Matendene. Para o efeito, aceitam doações em material escolar, livros infantis e bens alimentares. As doações podem ser canalizadas para o Conselho Nacional do Voluntariado ou para a Associação Cultura MUODJO no bairro de Matendene.