O ténis, conotado como uma modalidade de elites, em Moçambique, é aparentemente esquecido. Os investimentos a si direccionados pouco se mostram à altura de estimulá-lo e estão concentrados apenas nas grandes cidades (Maputo e Matola). Porém, o país tem sido palco de provas internacionais. Vezes sem conta temse falado de tenistas que atravessam fronteiras à procura de meios para singrar neste tipo de desporto e, daí, orgulhar a pátria. Contudo, são raros os casos em que conquistam medalhas. Esta semana, o nosso entrevistado foi o vicepresidente da Federação Moçambicana de Ténis (FMT), Virgílio Tivane. Abriu-nos as portas e esclareceu-nos que apesar de não ser uma modalidade sustentável, ela é levada a sério, sobretudo na componente de formação nas escolas primárias do país.
@Verdade – Qual é o actual estado da Federação Moçambicana de Ténis?
Virgílio Tivane – A federação está bem. Aumentou o número de associados. Apesar de ter um baixo orçamento, tem recebido apoio por parte do Governo através do Fundo de Promoção Desportiva e de alguns patrocinadores. Porém, depois de o ano passado termos organizado no país os Décimos Jogos Africanos, registamos um ligeiro abrandamento nas nossas actividades como forma de recuperar as energias. Praticamente, no presente ano começamos a trabalhar há já três meses.
@V – O desgaste de que se refere foi só pela participação no evento?
VT – Não. Os Jogos Africanos para nós não foram só para competir, até porque nesse aspecto passámos despercebidos. Refiro-me à dura missão como federação de tratar da logística para a organização exemplar daquele evento.
@V – Quanto recebe do FPD?
VT – É confidencial.
@V – Mas tem cabido para desenvolver as actividades programadas pela federação?
VT – Dá para fazer alguma coisa, sobretudo na componente da massificação, que é neste momento o foco. Com isso não estou a querer dizer que o fundo não é direccionado para as outras áreas, como as de formação de treinadores e de árbitros, expansão da própria modalidade bem como capacitar as associações provinciais em matérias de gestão desportiva.
@V – E onde é que reside a dificuldade?
VT – O pouco dinheiro que recebemos não nos permite formar treinadores e árbitros tal como desejamos. Limita-nos por exemplo nas deslocações às associações provinciais e na capacitação dos próprios intervenientes no ténis.
@V – Tem patrocinadores e qual tem sido a relação com eles?
VT – Temos patrocinadores e a relação é saudável. Posso dizer que é positiva a forma como nos relacionamos com todos eles visto que sempre tem havido retorno.
@V – Muitas federações reclamam a falta de patrocinadores e aqui a FMT diz que não tem razões de queixa. Há algum segredo?
VT – Tudo o que um patrocinador precisa é ser visto. As federações precisam de perceber que tem de haver sempre retorno em tudo que é investimento, porque não basta só dar dinheiro. Tudo passa necessariamente por uma boa organização, pela seriedade, pela visão e pelo compromisso com o trabalho. É preciso haver ambição, algo que contenta os patrocinadores na hora de investir no desporto.
@V – Falando do ténis como desporto, o que se pode dizer?
VT – O ténis em Moçambique é uma modalidade que está muito mal.
@V – Porquê?
VT – Porque temos realizado poucos torneios e há poucos eventos a acontecerem. Tudo se deve à má gestão a que está entregue esta modalidade.
@V – Má gestão por parte da federação?
VT – Não. A dinâmica do ténis depende, em primeiro lugar, dos clubes e das respectivas associações. São estes os organismos responsáveis pela movimentação do ténis no país muito antes da federação.
@V – E qual é o papel da federação?
VT – A nosso nível nós temos organizado regularmente os campeonatos. Mas tudo tem de partir das bases. Repare que dos muitos clubes que temos, não temos um número superior a cinco que organizam torneios de ténis no país.
@V – E quais são os desafios desta modalidade?
VT – A formação.
@V – E a que nível estamos na formação?
VT – Nunca estivemos tão bem como hoje. Atingimos um nível satisfatório que era o desejado.
@V – Sobre quais indicadores?
VT – Movimentar o ténis a nível das escolas. Temos um projecto denominado “Play and Stay” que visa ensinar, pela primeira vez, o ténis às crianças com uma idade não superior a 10 anos em todas as escolas primárias do país. É um projecto que não precisa de campos próprios para o ténis, apenas de um espaço estável que nos permita colocar a rede de ténis e pôr as crianças a jogar.
Não precisamos das bolas originais da modalidade, apenas aquelas de esponjas e fáceis de manusear. A Escola Primária de Bagamoyo na Matola é o exemplo mais prático e de sucesso. Neste momento temos um total de 500 crianças inscritas e a participar do “Play and Stay”. Podemos iludir-nos e dizer que temos o futuro para o ténis.
@V – Esta nova forma de “atacar” a formação, acaba com o mini- -ténis ou depois desta fase segue-se para aí?
VT – O mini-ténis é um sistema antigo de formação e em decadência.
@V – Por causa dos custos?
VT – Não. Tem a ver com os procedimentos pedagógicos, onde é fácil ensinar o “Play and Stay” com aquele material fácil de manusear, do que necessariamente o mini-vólei onde são usadas as bolas originais e é necessário um campo próprio para a prática desta modalidade. Neste caso, o centro de ténis seria uma espécie de escola
@V – E porque não temos essa escola?
VT – Aquando dos Jogos Africanos ficou decidido que nós teríamos na Zona Olímpica do Zimpeto um centro de ténis com seis campos, isso ao lado da piscina. Infelizmente engavetou-se esse projecto e cá está o ténis entregue à sua própria sorte e com o risco de perder muitos talentos por falta deste centro que nos iria beneficiar e muito.
@V – Voltando à pergunta da formação: há garantias de que estas 500 crianças que estão a ser formadas vão continuar no ténis para sempre?
VT – Não. Vamos perder estes talentos pelas circunstâncias do ténis a nível do continente africano.
@V – Quais são as regiões do país onde se pratica com regularidade o ténis?
VT – Pemba, Lichinga, Tete, Chimoio, Beira, Nampula, Maputo cidade e província.
@V – E qual é a situação dos outros locais não mencionados: Gaza, Inhambane e Zambézia?
VT – Honestamente, não sei. Não entendo o que se está a passar nestes locais sobretudo com Gaza e Inhambane, dois pontos tão próximos da capital do país.
@V – Mas como vice-presidente não é estranho responder assim, que pura e simplesmente não sabe?
VT – Nós anualmente recebemos quatro mil bolas e um número não especificado de raquetes. Temos distribuído às escolas que movimentam o “Play and Stay” e sem escolher a região. Porém nestes três pontos não temos registado sucessos, nem na base e muito menos nos escalões superiores.
@V – E a federação já se aproximou para inteirar- se dos verdadeiros motivos?
VT – Tem a ver também com a própria cultura desportiva. Porém em primeiro lugar é preciso que haja vontade por parte dos locais em praticar o ténis, o que falta neste momento.
@V – A nível de associados, quais destas regiões têm associações provinciais?
VT – Cabo Delgado, Niassa, Tete, Sofala, Manica, Maputo cidade e província. Nos outros pontos ainda se estão a envidar esforços para que tenham associações e creio que brevemente já estarão criadas.
@V – A este passo podemos dizer que o ténis tem futuro em Moçambique?
VT – Futuro para o ténis existe, acreditamos nós. Neste momento estamos a fazer contactos nos Estados Unidos da América através de um tenista nosso, no sentido de capitalizar e profissionalizar o ténis moçambicano, o que está prestes a acontecer.
@V – As competições internas são regulares?
VT – São. Internamente temos o campeonato nacional e o torneio “Os Mestres”, no qual participam os oito melhores da prova nacional.
@V – E a nível internacional?
VT – Moçambique é anualmente anfitrião de duas provas: a Taça os “Presidentes”, outrora Taça “Joaquim Chissano”, e o Opel da Matola, destes eventos participam entre oito a dez países oriundos da África Austral e Oriental, com uma média de cinco jogadores por cada delegação. Temos também participado regularmente nos campeonatos africanos de juniores.
@V – E como tem sido a nossa prestação?
VT – Nos seniores a nossa participação tem sido nula. Já nos juniores temo-nos qualificado sempre para os africanos. Neste momento nós estamos no quadro das elites de África como um dos melhores países do escalão. Aliás, estamos no topo da região Austral. Muito recentemente conquistámos a medalha de bronze nos Jogos da CPLP que decorreram em Mafra.
@V – Falou dos seniores, porque eles passam despercebidos?
VT – O ténis para os seniores custa muito dinheiro. Ademais, muitos tenistas desistem a meio do caminho por questões meramente pessoais como a continuação com os estudos, os compromissos profissionais e os próprios custos de despesas que devem ser os próprios atletas a arcar visto que esta modalidade não é financeiramente viável. Porém, isso não é só problema do nosso país. É um problema de África no geral onde o ténis é um desporto sem retorno dos seus investimentos.
@V – Por mais que seja um problema global, a FMT não tem um projecto com vista a contrariar isso?
VT – A federação não tem orçamento suficiente para reverter essa situação. A nossa luta neste momento é fazer o que nós podemos, como por exemplo, lutar para que os nossos tenistas consigam emigrar para países onde esta modalidade é mais profissional, tal como aconteceu com a nossa campeã africana Laura Nhavene que ganhou uma bolsa para os EUA.
@V – Em termos de infra-estruturas, como está o edifício do ténis moçambicano?
VT – Não temos infra-estruturas próprias. Infelizmente a federação ainda é dependente dos clubes. Porém, devo dizer que ao longo do país temos cerca de 200 campos de ténis. Felizmente temos uma sede própria e vamos continuar a trabalhar nestas condições.
@V – Que implicação tem a falta de campos próprios da federação?
VT – Já me referi anteriormente que a falta de campos próprios dificulta-nos na formação, daí termos de recorrer às escolas, que é uma forma descentralizada de massificar a modalidade. Em casos de campeonatos por exemplo, somos obrigados como organizadores a pagar pelos campos e os valores nunca são poucos, apesar de os clubes tomarem parte das provas. E também é preciso entender a dinâmica dos clubes que são privados e sem nenhuma ligação seja com o Estado ou com empresas públicas, o que na minha óptica iria reduzir os custos.
@V – E não há nenhuma solução à vista?
VT – Felizmente temos um grande parceiro chamado Conselho Municipal da Matola, que nos tem ajudado na expansão do ténis. O presidente Arão Nhacale antes de assumir a nobre missão de conduzir os destinos do município da Matola, foi nosso presidente e agora, é o nosso presidente honorário.
@V – E o que visa essa parceria?
VT – Criar um centro de ténis no país e tornar a Matola na capital desta modalidade. Neste momento estamos a espera da palavra do Município que nos vai indicar o espaço para onde vamos destinar o centro.
@V – Há dinheiro?
VT – Sim. Basta a palavra do Município que nós vamos lá construir.
@V – O anterior ministro da Juventude e dos Desportos, o Pedrito Caetano, era muito criticado e sobretudo algumas federações não nutriam simpatia por ele, é o mesmo que aconteceu com a FMT?
VT – Não. Nunca tivemos problemas com o Pedrito Caetano.
@V – E o que é que a FMT achou da recente remodelação do governo onde foi nomeado o Fernando Sumbana para o cargo de ministro da Juventude e dos Desportos?
VT – O Sumbana é uma pessoa experiente e conhecedora da casa (Ministério). Penso que tudo estará em boas mãos, mas não vai mudar nada.
@V – Como assim?
VT – Repare que a base é mesma. Só mudamos o topo ou seja, os directores nacionais continuam os mesmos e conhecedores dos velhos problemas – de sempre.
@V – Tem queixas contra o ministério?
VT – Não, e como disse sempre gozamos de bom relacionamento. Pelo contrário, temos que elogiar o trabalho que está sendo feito pelo Instituto Nacional do Desporto (INADE), que é um órgão constituído por pessoas visionárias e sempre abertas a ouvir e a atender as necessidades das federações.
@V – E com o FPD?
VT – A relação tem sido boa também e agradecemos pelo apoio que nos tem disponibilizado.
@V – O ténis é um desporto para as elites?
VT – Deixou de ser. Agora todo mundo pode praticar este desporto. Nós levamos até às escolas para quebrar esse tabú e estamos a conseguir.
@V – Esta direcção tomou posse em Maio de 2010. De lá para cá o que vos enche de orgulho?
VT – Organizamos os Jogos Africanos; Fomos readmitidos à Federação Internacional de Ténis e com direito ao apoio em termos de material bem como de participar das reuniões magnas; Termos formado mais pessoas em matérias ligadas ao ténis desde os atletas até aos árbitros;
@V – O que falta fazer?
VT – Profissionalizar o ténis em Moçambique bem como lutar para passar do Grupo C para o B na hierarquia de membros da federação internacional ainda neste ano, factor que nos possibilitará participar da Taça Davis.