No que é descrito como uma vitória da liberdade de imprensa, o Presidente sul-africano, Jacob Zuma, confirmou na última segunda-feira a sua desistência da batalha judicial de quatro anos contra o cartoonista Jonathan Shapiro, que nos meandros do humor é conhecido por Zapiro, por este ter desenhado Jacob Zuma prestes a violar a “Senhora Justiça”.
No cartoon, Zuma, que em 2006 foi acusado de violar sexualmente uma activista da luta contra o HIV e SIDA, aparece a baixar as suas calças enquanto o destituído líder da Liga Juvenil do ANC, Julius Malema, o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da África do Sul (Cosatu), Zwelinzima Vavi, o secretário-geral do Partido Comunista, Blade Nzimande e o secretário-geral do ANC, Gwede Mantashe, imobilizam no chão a “Senhora Justiça” de olhos vendados, diziam: “ Vá em frente, patrão.”
“O Presidente Zuma fez a coisa certa ao retirar o caso. Esse gesto é um bom sinal para a liberdade de imprensa. Espero que ele rapidamente retire os 12 outros casos que envolvem os meios de comunicação”, declarou o advogado do jornal Sunday Times, Dario Milo.
O periódico Sunday Times, também acusado neste caso, destacou o alcance de um acordo com os advogados de Zuma para o fim de todas as batalhas judiciais em volta dos cartoons de Zapiro.
“O Presidente gostaria de se distanciar de todos procedimentos judiciais que poderiam afectar o exercício da liberdade de expressão, que abalariam os nossos media, os comentadores públicos e os nossos cidadãos”, lê-se no comunicado da Presidência.
O caso, que deveria continuar na última segunda-feira, chega assim ao fim mas, segundo o comunicado presidencial, o cartoon é ainda tido como um atentado à dignidade do Presidente. Zuma aceitou arcar com metade dos custos subsequentes desta batalha judicial que o opunha a Zapiro e ao periódico Sunday Times.
Esta medida é considerada um golpe de Zuma aos seus oponentes na corrida à liderança do partido no poder, o Congresso Nacional Africano, ANC, marcado para Dezembro próximo em Mangaung.
Os rivais de Zuma alegam que ele está a usar a justiça para calar os media e os seus oponentes. Se o caso tivesse continuado, Zuma teria dado matéria suficiente aos seus oponentes no seio do partido, que continuamente o acusam de tentar silenciá-los com recurso ao abuso de poder.
Zuma exigia quatro milhões de randes, cerca de 462. 300 dólares norte-americanos, ao grupo Avusa Media e um valor adicional de um milhão de randes ao antigo editor do Sunday Times, Mondli Makhanya, por ter publicado o cartoon de Zapiro em 2008.
Sobre o assunto, Ray Hartley, actual editor do jornal, afirmou que “por muito tempo e dinheiro proveniente dos impostos foi gasto numa doentia vontade de querer cortar a liberdade de expressão”.
Já Jonathan Shapiro, que assina os seus cartoons com o pseudónimo Zapiro, disse ao Sunday Times que tinha “percepções e análises confusas” em torno do abandono da batalha judicial por parte de Zuma e acredita que venceria a batalha judicial.
Zuma e as suas batalhas judiciais
O cartoon de Zapiro foi publicado numa altura em que Zuma era acusado de corrupção, um caso que poderia ter gorado a sua caminhada à presidência.
Em 2006, um tribunal inocentou-o da acusação de violação sexual a uma amiga familiar portadora de HIV e activista na luta contra esta doença. Este caso ganhou uma grande repercussão na medida em que o Presidente assumiu ter mantido relações sexuais com o consentimento da activista e sem protecção, mas que no fim teria tomado um banho de chuveiro.
No início deste ano, o ANC abriu um processo contra uma galeria em Joanesburgo e convocou protestos de rua devido à exposição de um quadro intitulado de “ A Lança”, que retratava Zuma com os seus genitais à mostra.
O ANC apelidou o quadro de um acto racista e que visava difamar o Presidente Zuma. Os seus críticos alegaram que o quadro retratava a sua vida pessoal uma vez que este faz parte da tribo maioritária da África do Sul, a tribo Zulu, que pratica a poligamia. Aliás, Zuma conta actualmente com quatro mulheres e mais de 20 filhos, e os media já reportaram casos de relações extraconjugais.
Media exigem que Zuma retire os restantes 12 casos
A comunicação social sul-africana apela para que Jacob Zuma retire os outros 12 casos movidos contra eles e acreditam que este gesto iria constituir um importante sinal de que ele reconhece e respeita o direito de a imprensa levantar críticas contra a sua conduta.
Recentemente, Zuma reduziu as suas exigências contra o cartoonista Zapiro, ao baixar de 5 milhões para 100 mil randes e um pedido de desculpas público. Com o congresso de Mangaung a aproximar-se, Zuma faz de tudo para que não entre em choque com o artista, no caso da violação à “Senhora Justiça”.
Esta mudança dramática acontece depois de, por dois anos, os advogados de Zuma terem solicitado o adiamento do julgamento.
“O julgamento estava agendado para a quinta-feira (passada) e foi adiado para Fevereiro. Eles usaram uma táctica antiga, que passa por abrir um processo no tribunal e a seguir fazer ajustamentos e mudanças ao caso. Estava claro que eles não queriam comparecer perante o tribunal devido à conferência de Mangaung”, destacou Zapiro ao Mail and Guardian, tendo acrescentado que “nós confiamos em nós e sempre afirmámos que estávamos dispostos a comparecer perante o tribunal e estamos cientes do nosso caso”.
Os analistas políticos acreditam que este não seja o tempo propício para Zuma travar uma batalha judicial contra Zapiro. Numa altura em que os órgãos de informação têm reportado casos de rivalidade entre o Presidente e o seu vice, Kgalema Motlantle, na corrida à presidência do ANC, Zuma depara com o mesmo obstáculo que o de há quatro anos: as batalhas judiciais, que, se ele não abrisse mão delas, criariam uma imagem negativa e teriam efeitos devastadores no seio do eleitorado.
