No roldão de um infundado conflito armado que, logo depois da conquista da independência nacional, se instalou no seu país, as pernas de Natércia Lopes* foram amputadas. Com efeito, semelhante à guerra, um fenómeno social e humano que não possui nenhuma regra, justiça, senão a desestabilização e luto, a partir daquela data, a vida e o futuro desta cidadã tornaram-se uma incerteza.
Nos escombros provocados pela guerra, com destaque para uma locomotiva paralisada, encontram-se Samuel e Júlio, dois petizes nascidos um pouco antes do Acordo Geral de Paz, em 1992. Eles cresceram num ambiente condenado pelo impacto do conflito mas, como não tiveram uma participação directa, sonham com um futuro radiante.
Entretanto, do outro lado, noutra foto, para Carlos – um jovem que diariamente é obrigado a fazer longos trajectos para ter acesso a água potável – a ideia de um risonho não passa de uma ilusão.
Na verdade, na série de fotos que o conceituado fotógrafo moçambicano, Sérgio Santimano, expõe na sua mostra “Karingana wa Karingana” é possível apreciar ainda ícones de cidadãos moçambicanos, de ambos os sexos e de todas as idades, em ramos como a indústria artesanal, pesqueira, em muitos lugares do território nacional, em que milhares de moçambicanos realizam longas marchas em busca da água potável.
Uma prova exacta de que a arte de viver é sempre um desafio. Além da sua beleza, que prende a vista dos visitantes na tela, as fotografias de Santimano revelam os argumentos do povo moçambicano – em diversos espaços, com enfoque para os rurais e suburbanos – enfatizando as actividades através das quais cada um, no seu sector, com a sua acção, e reforçando a ideia de que a pobreza não é uma herança mas uma realidade que carece de transformação. Eles lutam, trabalham e, à sua maneira, modificam o meio.
É desta forma que Santimano – na sua crónica fotográfica, “Karingana wa Karingana”, o “Era uma Vez” – narra a vida dos moçambicanos. As obras podem ser apreciadas na galeria do espaço Kulungwana, na estação central dos Caminhos-de- Ferro, em Maputo. *Os nomes são fictícios