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Boxe: precisa de mais dinheiro

Boxe: precisa de mais dinheiro

João Luís Caldeira, há sensivelmente quatro anos na presidência da Federação Moçambicana de Boxe, abriu as portas do seu “gabinete” ao Jornal @Verdade para falar da saúde da modalidade a nível do país. Dos vários assuntos abordados na entrevista, Caldeira deixou bem claro que o boxe em Moçambique, infelizmente, ainda constitui uma miragem devido a vários factores, dentre eles a falta de vontade política para potenciar financeiramente as federações desportivas.

O preconceito de que é vítima esta nobre modalidade, por ser considerado um meio “gratuito” de violência, tem sido o grande calcanhar de Aquiles para a federação visto que não só espanta os novos praticantes, mas também os patrocinadores.

(@Verdade) – Qual é o estágio actual do boxe moçambicano? E a que se deve?

(João Caldeira) Estou em condições de afirmar que o boxe em Moçambique está razoável, devido a factores ligados a limitações económicas bem como à falta de um dirigismo efectivo capaz de desenhar projectos ambiciosos para a modalidade.

(@V) – Falando da Federação, como instituição, ela goza de boa saúde?

(JC) – A saúde da Federação é sofrível. Poucos dirigentes se dedicam com afinco ao boxe, contudo, orgulhamo-nos de ter conseguido conceber, aprovar e reconhecer o nosso estatuto legal.

(@V) – O boxe recebe apoio do Fundo de Promoção Desportiva (FPD)? Se sim, quanto?

(JC) – Sim, o FPD apoia a nossa federação através de contratos-programa que envolvem dinheiro, sendo que, no ano passado, devido aos Jogos Africanos, o apoio foi bastante significativo. Este ano mal chegou para realizar o campeonato nacional.

(@V) – Mas quanto é que recebe?

(JC) – Por uma questão de elegância prefiro não avançar números, mas o valor é exíguo.

(@V) – E esse valor é suficiente para suportar a federação?

(JC) – Não. O valor alocado não sustenta a federação. É um fundo unicamente dividido entre as participações internacionais, apesar de poucas, e a preparação interna da nossa selecção. Nada mais do que isso.

(@V) – E de quanto é que a FMB precisa para desenvolver o boxe no país?

(JC) – Se o orçamento anual da federação fosse igual ao alocado também anualmente aos distritos, juro que o boxe teria pernas para andar neste país. Olha, qualquer projecto precisa de tempo e dinheiro.

(@V) – Sete milhões de meticais não é muito dinheiro, tendo em conta a situação económica do país?

(JC) – Não fica bem estar a estabelecer comparações. Mas ciente de que cada país é um país, o Botswana investiu sete milhões de dólares norte-americanos no boxe e em apenas cinco anos teve três campeões africanos. Em 2011, quando recebemos o “bolo” por causa dos Jogos Africanos, vimos os resultados ao longo de um ano: 11 medalhas no total.

(@V) – Pretende dizer que com sete milhões de meticais teríamos campeões africanos?

(JC) – Com o dinheiro podemos desenhar um projecto cujos objectivos, claros e concretos, podem vingar em apenas quatro anos. Nós temos capacidade para colocar o nome deste país na nata do desporto mundial.

(@V) – Para além da falta de dinheiro, quais são para já os principais desafios que se colocam?

(JC) – Os desafios são vários. Mas os que os principais são a formação de árbitros e juízes, a preparação condigna das nossas selecções e a massificação do boxe nas províncias. Há que ter também um pavilhão próprio, ou seja, para treinos e jogos contínuos.

(@V) – O boxe moçambicano já teve referências, tais como o Sinóia. Hoje, receosamente, podemos falar de Máquina. Que factor estará por detrás disto?

(JC) – Devia haver também Mapepas, Matias dos Santos, Machezes e mais Máquinas. Motivos? Temos falta de meios para alavancar o boxe bem como a própria sensibilidade para com esta modalidade olímpica. As pessoas tendem a distanciar-se do boxe porque o acham violento.

(@V) – Muitos pugilistas são militares e/ou treinados por militares. Há correntes de opinião que problematizam este detalhe. O que tem a dizer?

(JC) – Permita-me dizer que é um casamento perfeito senão vejamos: os militares são por norma jovens voluntários e com espírito de combate. O boxe é uma modalidade disciplinada, acima de tudo dinâmica e sem restrições para quem quiser participar.

(@V) – Em que nível estamos em termos de formação de novos talentos?

(JC) – Na formação de novos talentos para o boxe, devo dizer que ela ocorre com dificuldades dentro dos clubes existentes e nas academias da especialidade. A nível da federação destacamos a contratação de um técnico cubano que, para além de preparar, lecciona aspectos básicos do boxe, algo que muitos atletas da nossa selecção não tiveram durante a formação.

Infra-estruturas

(@V) – Qual é o estado das infra-estruturas para a prática do boxe no país?

(JC) – Não temos infra-estruturas próprias. Vivemos de aluguer e, ainda, dependemos do pavilhão do Clube Estrela Vermelha para a realização de combates bem como de um espaço existente na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) para as sessões de treino da nossa selecção.

(@V) – Aquando dos Jogos Africanos, algumas modalidades ganharam infra-estruturas próprias. O que falhou para que o boxe não fosse contemplado?

(JC) – Nem sequer fomos ouvidos. Olha, nós somos o único país a nível mundial que não dá atenção ao boxe. Neste aspecto somos incomparáveis.

Competições internas

(@V) – São organizadas poucas provas de boxe, não sendo as mesmas regulares. Porquê?

(JC) – Tudo gira à volta do que já referi anteriormente: falta de instalações próprias e fundos. Se a nível da federação já se sente isso, imagine então nas províncias. É muito complicado desenvolver o boxe neste país.

(@V) – Temos registado também poucas participações em competições internacionais. A que se deve isso?

(JC) – Internacionalmente? Não precisamos de aprofundar muito este detalhe. Olha apenas para o custo das passagens aéreas para depreender à primeira que esse é o detalhe que agrava a nossa situação. É um facto que nós não temos dinheiro.

(@V) – Mas recebemos convites?

(JC) – Que sobram!

Patrocínios

(@V) – O boxe queixa-se muito da falta de patrocínios e de fundos. Porque acha que não tem recebido apoio?

(JC) – Há pouca sensibilidade para o boxe por parte da camada empresarial, sobretudo a nacional. Ainda anda na mente das pessoas por detrás das empresas uma espécie de preconceito por se confundir esta nobre arte com a violência gratuita.

(@V) – Há solução para tal?

(JC) – Claramente, mas tudo parte do nível macro, onde é necessário que o país ou o próprio governo defina quais devem ser as modalidades desportivas prioritárias em função do potencial que cada uma oferece.

Jogos Olímpicos

(@V) – Porque é que só levámos o Máquina aos Jogos Olímpicos, e não mais pugilistas de outros escalões?

(JC) – Permita-me esclarecer que levámos à fase de qualificação para as olimpíadas de Londres três pugilistas. Nessa prova participaram grandes boxistas de reconhecido mérito internacional e, dos moçambicanos, apenas o Juliano Máquina conseguiu a qualificação.

(@V) – E o que deve ser efeito para, por exemplo, levarmos muitos pugilistas ao Rio de Janeiro em 2016?

(JC) – Eu não digo apenas levá-los ao Rio de Janeiro. Temos de ir ao Rio e conquistar medalhas!

(@V) – O que deve ser feito para que tal aconteça?

(JC) – Investir seriamente no boxe e arrancar desde já com a preparação dos pugilistas capacitados para dignificarem o país.

(@V) O que esteve por detrás do nosso desaire nos Jogos Olímpicos de Londres?

(JC) – Não diria desaire. Nós (digo nós porque era o país a competir) estivemos muito acima do nível e das expectativas. Surpreendemo-nos a nós mesmos.

(@V) – Não percebo…

(JC) – Não tivemos sorte no próprio sorteio. O nosso adversário, que curiosamente conquistou a medalha de bronze, em comparação com o nosso, é extremamente experiente. O Juliano Máquina, num período de um ano até à sua ida a Londres, não fez mais de 10 combates enquanto o opositor vinha de cerca de 15.

(@V) – Mas fala de estar acima do nível. O que é que quer dizer com isso?

(JC) – É que se dependesse do actual cenário do boxe moçambicano, o Máquina teria levado um KO dos valentes ou mesmo desistido a meio do combate, mas não, ele foi até ao último segundo.

(@V) – Significa que podemos futuramente voltar a estar acima do nível?

(JC) Claro. Com mais tempo e recursos, podemos até fazer história. Mas há que dar mérito ao talentoso Juliano Máquina como também ao seu treinador que trabalharam afincadamente para competir em Londres.

Encontro entre o Presidente e os desportistas

(@V) – Na quinta-feira, dia 6 de Setembro, houve um encontro entre o Presidente da República e os desportistas nacionais (do qual a FMB fez parte). O mesmo visava ouvir dos próprios fazedores as razões do actual estágio do nosso desporto. O que tem a dizer sobre o encontro?

(JC) – Aquele encontro motivou os desportistas a trabalharem mais. Mas sem querer desvalorizar, creio que não devia ser o Presidente a ter este tipo de iniciativas, apesar de o momento para tal ser bom.

(@V) – Pode ser claro?

(JC) – As pessoas que lidam directamente com o desporto nacional deviam permanentemente reunir-se com os seus fazedores. É necessário que neste país haja um pensamento colectivo. Até diria mais: este encontro foi um verdadeiro puxão de orelhas quer para o ministério de tutela, quer para os próprios dirigentes desportivos, uma vez que não estamos a trabalhar com afinco para o desenvolvimento das nossas modalidades desportivas.

(@V) – Nesse contexto, o que é que está a falhar?

(JC) – Comunicação e sensibilidade. Não há profissionalismo por parte dos que deviam manter este tipo de encontros frequentemente.

(@V) – A quem se refere exactamente?

(JC) – Ao ministro e aos directores nacionais.

(@V) – O boxe, em particular, reclamou da falta de infra-estruturas bem como da componente “formação”. O que querem que se faça concretamente?

(JC) – Temos que ter um pavilhão e o devido apoio financeiro em função das nossas necessidades, mas dentro das condições do país. Algumas modalidades recebem avultadas somas em dinheiro em detrimento das outras, algo que deveria ser em função dos resultados que cada uma apresenta.

(@V) – E acha que o Presidente da República vai solucionar o problema?

(JC) – Temos fé que sim. Se o Presidente manteve o encontro é porque quer dar o seu contributo ao desporto nacional e vamos esperar que tal aconteça.

(@V) – O Presidente da República disse no referido encontro que um dos grandes problemas do desporto moçambicano está ligado à própria gestão desportiva. O que tem a dizer sobre esta constatação?

(JC) – Realmente. Eu até diria mais, que é um grave problema. Como é que um secretário-geral, o “servidor” de uma federação nacional (entenda-se, do país inteiro) pode trabalhar ou sentir-se estimulado a receber apenas cinco mil meticais? Quando alguém é mal pago é claro que haverá também problemas sérios de gestão.

(@V) – Caso o actual estágio se mantenha, o que será do boxe moçambicano no futuro?

(JC) – Apagado!

(@V) – E a FMB não tem um plano para tornar esta modalidade sustentável, uma espécie de plano B?

(JC) – Sem fundos é impossível montar um sistema. Continuaremos apenas a gerir confiando nos fenómenos. Sem recursos, nós não podemos fazer nada senão lutar para manter este cenário!

Projectos

(@V) – Quais são os projectos da federação?

(JC) – Massificar o boxe, sobretudo nas províncias, garantir a nossa presença nos Jogos Olímpicos, tornar sólida a nossa selecção nacional, e trazer mais um treinador cubano que se vai encarregar da componente formação (dos pugilistas e treinadores a nível nacional). Queremos, no próximo mês de Outubro, organizar o campeonato nacional em Inhambane bem como lutar para que o Juliano Máquina beneficie de uma bolsa olímpica para estudar e competir fora do país de modo a aumentar o seu rendimento.

(@V) – Falando em massificação, a quantas anda o boxe nas províncias?

(JC) – Muito fraco. Apenas sete das onze províncias é que praticam o boxe, nomeadamente Niassa, Nampula, Sofala, Manica, Inhambane, Gaza e Maputo cidade.

(@V) – Porquê?

(JC) – Reina nas províncias um grande equívoco: as associações provinciais acham que é tarefa da federação canalizar dinheiro para que o boxe ande naqueles pontos do país. E porque não temos e, não sendo nossa tarefa, as coisas estão como estão. Não há regularidade nos campeonatos. As associações provinciais precisam de saber que podem recorrer aos fundos desportivos alocados às províncias.

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