A cidade de Nampula, em particular, e a província no geral, está a registar uma significativa proliferação de doentes mentais que têm as ruas como a sua segunda casa, abandonando as residências por razões socio-familiares, níveis de pobreza, fragmentação das famílias, entre outros motivos.
Alguns cidadãos entrevistados pelo @Verdade afirmaram que a maioria das pessoas que padecem de doenças mentais é vítima de feitiçaria realizada por indivíduos de má-fé que decidem alterar o funcionamento psíquico de um parente porque lhe foi roubado algum bem ou porque existem problemas sociais entre os familiares.
O recrudescimento de casos de criminalidade com destaque para o assalto a residências, acto praticado, principalmente, por adolescentes e jovens, é resultado de problemas relacionados com a mente. Ou seja, esta camada social está a ser afectada por demência, contribuindo para a redução dos níveis de produção na sociedade, pois os doentes mentais quando se dirigem à rua ficam totalmente indiferentes aos acontecimentos da comunidade e das famílias.
O director do Centro de Saúde Mental de São João de Deus, localizado na cidade de Nampula, José Paulo, disse que o maior número de doentes mentais que procura abrigo na rua é vítima de desamparo por parte dos seus familiares que têm a responsabilidade de lhe prestar um cuidado especial. Nem todos que vão residir na rua têm problemas psicológicos tão graves que não lhes permitem conviver com as outras pessoas, mas tal deve-se ao mau tratamento que recebem no ambiente familiar.
“Esse caso está relacionado com as pessoas que vivem nas ruas da cidade. Não são todos doentes mentais. É como as crianças da rua que procuram a segunda casa para levarem uma vida sem regras, onde ninguém lhes pode mandar lavar os pratos, limpar o pátio ou ir à escola, por exemplo”, explicou o nosso entrevistado referindo que em relação aos adultos o caso é diferente porque todos eles têm problemas psicológicos dependendo da situação clínica de cada um.
Paulo afirmou ainda que os doentes mentais necessitam de um tratamento especial no sentido de se evitar que se dirijam à rua, local onde facilmente podem piorar o seu estado e abrir um espaço para o recrudescimento de doenças. Eles devem ser encaminhados para o hospital para receberem cuidados sanitários. Por exemplo, referiu-se aos doentes que permanecem em casa beneficiando de um tratamento de familiares (higiene individual e uma alimentação adequada).
Doentes internados no centro de saúde mental
O director do Centro de Saúde Mental São João de Deus, José Paulo, disse que aquela unidade sanitária psiquiátrica acolhe diversas pessoas que padecem de várias patologias e que são internadas mediante a realização de uma consulta externa, actividade que é levada a cabo todas as segundas, quartas e sextas-feiras, para se diagnosticar a existência de indivíduos que sofrem de esquizofrenia (cujas características principais são: falar sozinho e sofrer de delírios mentais) para uma posterior administração de medicamentos.
José Paulo acrescentou que depois de o paciente ser medicado e não registar melhorias, é encaminhado aos serviços de Urgência do Hospital Central de Nampula onde o médico deverá decidir se pode ou não ficar internado.
Aquele responsável deu a conhecer que a instituição que dirige funciona à semelhança das unidades sanitárias do Estado, que recebem financiamento do Governo moçambicano que, igualmente, aloca os seus recursos humanos oriundos dos centros de formação de saúde distribuídos um pouco por todo o país.
Explicou que o internamento dos doentes mentais no Centro de Saúde Mental São João de Deus é gratuito, cobrando-se apenas um metical por cada receita prescrita.
Em relação ao acolhimento de doentes mentais que residem nas ruas da cidade de Nampula, a nossa fonte disse que a actividade é grátis por se tratar de um trabalho de âmbito social, mas frisou que os doentes mentais que residem na rua são pessoas que precisam de tratamento diferente do prestado a outros dementes porque têm a particularidade de lhes faltar a higiene, a socialização, a debilidade física e a identificação da respectiva família.
Para o efeito, afirmou que o colectivo de direcção do Centro de Saúde Mental São João de Deus elaborou um projecto de criação de um espaço comum para o acolhimento de indivíduos que padecem de doenças mentais e que residem na rua para serem submetidos a cuidados que se relacionam com a sua condição.
Os que residem na via pública precisam de um trabalho mais aturado e profundo, e o Centro carece de recursos humanos, materiais (espaço comum para acolher todos os doentes mentais a serem recolhidos das ruas da cidade) e financeiros visando suportar as despesas daí decorrentes.
Entretanto, a nossa fonte revelou que o projecto foi já submetido à Direcção Provincial de Saúde de Nampula para avaliação, aprovação e posterior implementação, cujos fundos serão solicitados aos parceiros da instituição através de apoios externos, apesar de estar a funcionar com orçamento do Executivo moçambicano.
A nossa reportagem tentou, sem sucesso, contactar o director provincial de Saúde de Nampula, Mohamed Riaz, no sentido de apurar o estágio actual do processo de análise do projecto que visa, essencialmente, a reinserção social dos doentes mentais eventualmente rejeitados a nível das comunidades.
“Para recolher os doentes mentais que se encontram nas ruas e cuidar deles, necessitamos de condições adicionais porque quando os trazemos para o nosso centro eles desestabilizam o ambiente de trabalho, pois trata-se de um espaço físico diferente da rua”, frisou o director do Centro de Saúde São João de Deus, salientando o trabalho que a sua instituição tem levado a cabo que consiste em acolher três doentes mentais por dia para serem submetidos a um banho, à mudança de roupa, incluindo o fornecimento de alimentação, actividades que são realizadas todos os dias sendo, posteriormente, restituídos à rua.
Acrescentou que o Centro de Saúde acolhe apenas pessoas com alterações mentais que passam pelo processo de consultas externas, cuja sanidade mental é avaliada pelo médico do Hospital Central de Nampula para o seu posterior internamento após ser feito o diagnóstico.
Perigo que os doentes mentais causam na via pública
O director do Centro de Saúde Mental São João de Deus deu a conhecer que a presença de doentes mentais na via pública tem contribuído para a sua degradação psíquica, porque, como seres humanos, eles ficam privados dos principais direitos que lhes assistem, como, por exemplo, abrigo, família, alimentação, entre outros.
No que diz respeito ao perigo que podem causar aos utentes da via pública, a fonte disse que os doentes mentais não fazem mal aos transeuntes, mas se alguém proferir uma palavra insultuosa eles são capazes de reagir e provocar danos enormes, dependendo da sua sanidade mental. Esta reacção é resultado da falta de cuidados que a sociedade não tem vindo a prestar aos seus membros que enfrentam problemas sociais.
Intervenção das estruturas da sociedade e do Governo
Embora não tenha avançado com o período da sua materialização, José Paulo disse que a sua instituição dispõe de um projecto em carteira que consistirá na criação de uma psiquiatria comunitária que será composta por equipas móveis, as quais irão deslocar-se aos distritos da província no sentido de disseminar mensagens de sensibilização da população sobre a necessidade do seu envolvimento nas actividades referentes aos cuidados dos doentes mentais a nível local, sem, no entanto, ter de deslocar-se à cidade de Nampula para receber tratamento do pessoal sanitário, uma vez que pode ser feito um acompanhamento por parte das autoridades comunitárias e técnicos de saúde locais.
“Nem sempre há necessidade de se encaminharem os casos para o centro de saúde mental localizado na cidade de Nampula, pois a situação pode ser controlada a nível local”, frisou a fonte.
A iniciativa designada psiquiatria comunitária vai levar pelo menos três anos a ser implementada nas províncias de Nampula, Cabo Delgado, Niassa e norte da Zambézia. A mesma visa reduzir os internamentos no centro de saúde mental. “Queremos reformular a rede social para potenciar as comunidades de ferramentas que vão ajudar na prestação de apoio e acompanhamento dos doentes mentais, evitando-se o abandono no seio da família”, disse.
O nosso entrevistado revelou, por outro lado, que a instituição que dirige debate-se com diversos problemas relacionados com a falta de quadros capacitados, medicamentos e outros constrangimentos enfrentados por outras unidades sanitárias da província.
Importa referir que o Centro de Saúde Mental da Faina está adstrito à instituição São João de Deus, organização não governamental orientada pela igreja católica e trabalha em coordenação com o Estado que aloca os seus recursos humanos oriundos dos institutos de formação de saúde existentes em todas as províncias do país.