Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Noa, pelo menos leva o meu filho!

Quando Deus trovejou sobre a Terra, atravéz do Noa, pela Sua voz terrificante, dizendo a todos que O ouviam e a todos que não O ouviam e a todos que não queriam ouvi-Lo, que viria um delúvio jamais visto e nunca ouvido falar, há uma mulher – entre muitos homens e mulheres e velhos – que disse a Jehová: “Vai à fava”.

– Desde que eu nasci, desde que nasceram os meus avôs e meus bisavôs e outros meus antepassados, nunca ouvi falar de dilúvio que engole casas e árvores e montanhas e tudo. Como é que agora, depois desta Existência toda, há-de vir um dilúvio para engolir a terra? Mesmo que venha essa hecatombe, estou pouco me lixando porque eu sei nadar. Para começar, não tenho família, para além da minha filha, que posso levar no colo e percorrer todas as milhas que for necessário percorrer.

Deus voltou a bramir: “Noa, diz a todos para construírem as suas arcas. Levem um animal de cada espécie para recolher nessas arcas. Acondicionem uma sementa de cada planta que vos dá alimento. Aconcheguem-se aos vossos filhos. Protejam os velhos, porque os dias que estão para vir são babilónicos”.

Noa ouviu a Palavra. Transmitiu-a repetidamente ra todos, enquanto construía, madeira a madeira, a sua arca, que viria a saber-se robusta e contra todos os desastres, mesmo contra aqueles desastres que Deus enviava para mostrar, sobretudo aos ímpios, a Sua devastadora força. Noa foi convertido, pela fé que tinha em Deus, em calafate de primeira água. Construía e falava, para todos aqueles que o queriam ouvir e para aqueles que não o queriam ouvir: “Vem aí o Dilúvio, construam as vossas arcas, juntem-se aos vossos filhos, preparem os vossos animais, acondicionem as sementes das plantas que vos vão dar alimento. Oiçam a Voz de Deus, porque os dias que hão-de vir serão funestos.

A mulher marimbou-se para Deus. Continuou a levar a sua vida normalmente, como se Deus fosse maluco, porque ela dizia: “Que dilúvio é esse que vai engolir casas e árvores e montanhas?! Porventura, esse Deus que diz ser de Jacob e de David e de Abrahama, sabe o que está a dizer? Ademais, eu sei nadar. Estou pouco me lixando”.

Deus abriu as comportas da desgraça. A chuva começou a cair sobre a terra que Ele próprio construiu. Chove devegar, para dar tempo a que as pessoas, que construiram as suas arcas, se dirigissem a elas e esperassem. A terra foi chupando as águas até se fartar e, quando já não podia mais, abdicou disso, deixando que tudo ficasse por conta da superfície. A mulher, que ignorava a Palavra, dizia: isto vai passar, isto vai passar!

Chove mais e a superfície da terra começou a desaparecer. O chão das casas também. Chão esse que a mulher pisava com os pés que iam sendo engolidos até aos tornozelos, fazendo lembrar o dia em que Damboia, que também pensava que nenhum mal lhe podia acontecer, viu a sua mestruação não acabar, alagando a terra e os seus tornozelos.

Deus já tinha dado ordens para a chuva cair sem cessar. E chovia. Em torrentes. Chove que chove. As casas começaram a ser engolidas e a mulher subiu para o tecto. As árvores começaram a ser engolidas e a mulher subiu para a copa. As montanhas começaram a ser engolidas e a mulher subiu para o cume. Até que já não havia mais nada para engolir. O horizonte visual era tudo água e, ao longe, via-se a arca do Noa, flutuando, leve, bela e sagrada.

Ela ajeitou o seu filho no colo e disse: “Eu sei nadar. Vou ao encontro do barco do Noa”.

Lançou-se à água, nadou de bruços, de mariposa, de costas, até que chegou perto da construção que tinha sido feita, madeira a madeira, pelo calafate de Deus e pediu:

– Noa, leva pelo menos menos o meu filho. Sei que não te ouvi, não quis acreditar no que dizias. Posso sucumbir agora à minha pouca fé, mas leva pelo menos o meu filho!

– Não posso abrir a porta, está trancada.

– Por favor, leva pelo menos o meu filho.

– A chave não está comigo.

– Onde está?

– está aí fora.

– Com quem?

– Com a Pessoa que não quiseste ouvir.

– Noa!

– Mesmo que eu quisesse abrir não o faria.

– Porquê?

– Porque o teu filho mamou do teu leite impuro e ele está contaminado e, se entrasse aqui, contaminaria os filhos de Deus.

– Noa! Noa! Noa!

 

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts