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A transformadora de mentes

A transformadora de mentes

Volvidos pouco mais de 30 anos de docência, tempo durante o qual dedicou a sua vida à transmissão de conhecimentos científicos e não só, Perpétua Gonçalves vai à reforma. Mas promete não parar de moldar mentes através do ensino.

Perpétua Gonçalves, de 65 anos de idade, nasceu em 1947 na então Vila de Manica, província do mesmo nome, no centro de Moçambique. Obteve o grau de doutoramento em Lisboa, Portugal, na área de Linguística Portuguesa e detém o título de Cátedra de “Português Língua Segunda e Estrangeira”.

Coordena há mais de 30 anos projectos de investigação sobre a aquisição e ensino do português como língua não materna em Moçambique.

A sua carreira como docente começou em 1972, em Bruxelas, e nessa altura não cogitava a hipótese de regressar à sua terra natal, uma vez que o país estava mergulhado numa instabilidade política. Dois anos depois, isto é, em Abril de 1974, ela retorna a Moçambique e lecciona, primeiro no ensino secundário e depois no superior.

Foi neste último que, durante 32 anos, deu tudo de si em prol da transmissão de conhecimentos aos seus estudantes. Tal como ela diz, “sempre gostei de transformar as mentes das pessoas e investi muito no processo de ensino e aprendizagem”.

O país aposta mais na quantidade que na qualidade

Em relação à qualidade de ensino no país, a nossa entrevistada considera que a mesma deixa muito a desejar. O surgimento de inúmeros estabelecimentos de ensino em quase todos os subsistemas é desproporcional à qualidade, mas “este é um problema que pode ter derivado do passado histórico de Moçambique, nomeadamente a colonização e as guerras que se registaram nas últimas décadas”.

Perpétua Gonçalves afi rma ainda que o Governo se esforçou na expansão da rede escolar, empregando professores sem formação, o que concorreu para uma qualidade de ensino aquém do desejado.

“Na educação, um mau professor não mata ninguém como um médico mal formado mataria um doente. Mas que um mau professor mata o país a médio e longo prazos disso não há dúvidas”, assegura. “As pessoas preocupam-se mais em abrir estabelecimentos de ensino descurando a formação do capital humano, o qual é indispensável para o desenvolvimento do país”, diz.

No entanto, a nossa interlocutora refere que o Governo tem estado a trabalhar no sentido de reverter o cenário, apontando o encerramento de algumas instituições de ensino superior como uma das medidas para alcançar esse desiderato e a realização de auditorias para aferir a qualidade de ensino nas escolas, institutos e universidades.

50 anos de uma herança pesada

Paralelamente à celebração este ano do 50 aniversário do ensino superior em Moçambique,Perpétua Gonçalves diz que nem tudo foi ou é um mar de rosas, pois ainda há muito por se fazer para restaurar a dignidade e o valor que devem caracterizar o ensino superior.

“Foram abertas muitas universidades e outras instituições de ensino superior, mas este ritmo não foi acompanhado pela qualidade. Mais vale termos poucas escolas e universidades, mas com uma qualidade de ensino desejável e que nos permitam fazer face aos desa fios que o mundo de hoje nos impõe”, defende.

Para ela, os 50 anos do ensino superior em Moçambique não devem ser unicamente vistos como um motivo de júbilo. Há que se repensar no fardo pesado que foi herdado do passado e que se vai repercutir a médio ou longo prazo no país.

O português de Moçambique

Pepé, como também é carinhosamente tratada pelos seus estudantes, amigos e colegas, é uma professora investigadora da língua portuguesa, sobretudo do português de Moçambique. Trata-se de uma variante do português típica e especí fica do nosso país.

Da mesma maneira que os cabo-verdianos, angolanos e santomenses têm um português típico e carregado de marcas linguísticas próprias, também Moçambique tem o seu, o que faz a nossa entrevistada usar o lema “A minha pátria, o português de Moçambique” nas suas investigações, em alusão à especifi cidade da língua portuguesa em Moçambique.

“Quando falamos do português deste ou daquele país, referimo-nos às variedades que a língua portuguesa tem, e também serve de uma diferenciação do português europeu do dos outros países ou continentes”, explica. Questionada sobre se estas variantes linguísticas do português seriam boas, Perpétua respondeu nos seguintes termos:

“No mundo não existem línguas melhores ou piores que as outras. O que acontece é que elas são diferentes umas das outras. Nós, como investigadores e linguistas, temos é que procurar perceber em que aspecto é que uma variante linguística é diferente da outra. Devemos identificar as propriedades do português europeu e do moçambicano assim como dos outros países falantes da língua portuguesa”.

“A reforma não vai mudar nada”

Formalizada a reforma, há quem possa pensar que Perpétua Gonçalves vai abdicar das áreas de docência e investigação, mas a verdade é que ela garante que não vai mudar nada, “eu tenho muitos projectos de pesquisa, vou continuar a fazer a supervisão de teses de mestrado e doutoramento. Desengane-se quem pensar que a minha reforma é sinónimo de repouso”.

Uma homenagem devida

Por ocasião da celebração do seu 65º aniversário natalício e da passagem à reforma, os seus colegas dos Departamentos de Línguas e de Linguística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Letras e Ciências Sociais organizaram uma cerimónia de homenagem a Perpétua Gonçalves.

O evento, que decorreu na passada sexta-feira (10) no Átrio do Centro de Estudos Africanos, no Campus Universitário da UEM, contou com a presença de pouco menos de 50 convidados, dentre os quais amigos, familiares, colegas de serviço e não só. Alguns convidados abordados pela nossa reportagem foram unânimes em afi rmar que render homenagem à professora catedrática Perpétua é mais do que um dever, tendo em conta os seus feitos e o contributo que deu ao ramo académico.

Pequena síntese dos dados da professora Perpétua Gonçalves

Grau académico:

1991- Doutoramento em Linguística Portuguesa, Universidade de Lisboa.

1971- Licenciatura em Filologia Românica, Universidade de Lisboa.

Profi ssão:

Professora Catedrática

Áreas de investigação:

Linguística do Português

Aquisição de L2

Contacto de línguas

Mudança linguística

Actividade docente:

Programas de licenciatura (Universidade Eduardo Mondlane)

Áreas de ensino:

Linguística Descritiva do Português

Morfologia e Sintaxe

Linguística Geral

Metodologia de Investigação

Português

Programas de mestrado (Universidade Eduardo Mondlane/ Universidade de Coimbra)

Áreas de ensino:

Linguística do Português – Sintaxe

Metodologia de Investigação em Linguística Aplicada

Actividades de investigação

2008-2010: Consultora do projecto “Estudo Comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias”. Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ 2008-2009: Investigadora principal do projecto “A Competência em Português dos Estudantes Universitários em Moçambique” – (Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane). 2006: Consultora do projecto “Recursos Linguísticos para o Estudo das Variedades Africanas do Português”. Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

2005: Assessora principal do projecto “Introdução da Disciplina de Português nos Institutos do Magistério Primário (IMAP)”. 2004-Assessora principal do projecto “Diagnóstico Linguístico-Comunicativo dos Alunos do Ensino Secundário Geral”, integrado no projecto geral Avaliação Educacional (Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação). 2002-2003: Investigadora principal do projecto “A Expressão do Espaço e do Movimento no Português de Moçambique”, (Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane). 2003: Investigadora principal do projecto “Melhoria Qualitativa do Ensino-Aprendizagem do Português como Língua Segunda”, integrado no projecto geral da Avaliação Educacional (Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação).

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