Andry Rajoelina, o ex-presidente do município de Antananarivo, a capital de Madagáscar, nunca fez tanto jus à sua alcunha de “TGV” como agora: em três meses, este contestatário de 34 anos, fez cair o Presidente eleito, Marc Ravalomanana e, desde a noite de terça-feira, assumiu o poder na Grande Ilha do Oceano Índico.
Tudo ficou resolvido ao fim da tarde de terça-feira quando os generais a quem Ravalomanana entregou o poder depois de se demitir, decidiram, sob pressão do Exército, transmitir esse mesmo poder ao líder da oposição, Andry Rajoelina, que já há cerca de um mês e meio se tinha auto-proclamado presidente da “Alta Autoridade de Transição”. Entrincheirado no seu palácio de Iavoloha, nos arredores de Antananarivo, e abandonado pelo Exército, Marc Ravalomanana não teve outra hipótese que não resignar, apresentando a sua demissão do cargo presidencial na terça-feira à tarde. “Após maturada reflexão, decidi dissolver o governo e entregar o poder a um directório militar”, declarou numa alocução transmitida pela rádio nacional. E acrescentou: “Esta decisão foi uma difícil e muito dura, mas era necessário tomá-la. É só na calma e na serenidade que nós conseguimos desenvolver o país.” Ainda no Domingo, o Presidente assegurava que nunca iria ceder o poder a golpistas da oposição que organizava há várias semanas manifestações para denunciar o autoritarismo e a corrupção do chefe de Estado. O conflito, que já durava há 3 meses, fez qualquer coisa como 135 mortos. Reunidos na sede do episcopado, a equipa de Rajoelina, os líderes das igrejas, os responsáveis militares e os diplomatas, leram a ordenação presidencial trazida pelo emissário das Nações Unidas, Tiébilé Drame. Esta precisava que o directório militar deveria ser presidido pelo militar mais antigo e de mais alta patente”, ou seja o vice-almirante Hippolyte Rarison Ramaroson. Segundo uma testemunha, Rajoelina deixou então a sala, antes de afirmar que recusava a decisão presidencial. Nessa mesma manhã, no centro da cidade, o presidente deposto do município, entrou, sob aplausos de uma enorme multidão, no palácio de Ambohitsorohitra, a sede do Governo, tomado na véspera pelos militares.
Presente na reunião, o vice-almirante Rarison, acompanhado por dois generais e do presidente da Igreja reformada, foi então levado pelos militares para a caserna onde se deram os primeiros motins a 8 e Março. “Nós prendemo-los porque não queríamos que os militares tomassem o poder”, explicou o tenente-coronel Philibert Ratovonirina, porta-voz do Exército. “O poder deve ser entregue a Andry Rajoelina, a única solução para se ultrapassar a crise actual.” Pouco tempo depois, Hippolyte Rarison anunciava, desde o quartel-general, que transferia o poder para a oposição. No regresso a casa ao fim do dia, contactado telefonicamente, o vice-almirante rejeitou a tese do envolvimento militar nos acontecimentos: “Os militares limitaram-se a proteger a população de uma multidão em fúria”, acrescentando que a decisão tomada tinha sido de uma forma livre. “O Presidente Ravalomanana quando me chamou ao meio-dia (terça-feira) já tinha tomado a sua decisão.”
Solução do mal menor
Do lado da oposição, tem sido tudo feito para preservar ao máximo as aparências legais. O presidente do Supremo Tribunal Constitucional foi recebido por Rajoelina na quarta-feira para o aconselhar no plano jurídico. Trata-se de um golpe de Estado? “Não”, garante Hasina Andriamanjato, ministro dos Negócios Estrangeiros nomeado por Rajoelina. “O Presidente Ravalomanana transmitiu o poder aos militares e estes, por sua vez, transmitiram-no a Rajoelina, por isso estamos perante um poder legal”, concluiu. Mas a presidência do “TGV” é legítima sem eleições? “Não há necessidade de se efectuar eleições. 90% do povo apoia-nos”, afirmou.
Professor de Direito Constitucional, Jean-Eric Rakotoarisoa diz tratar-se de um golpe de Estado, estimando, contudo, que “esta insurreição é finalmente um mal menor.” Embora a comunidade internacional esteja inquieta – a União Africana não reconheceu a tomada do poder por Rajoelina –, por esta tomada ilegal do poder, este analista político julga que “procurando a legalidade a todo o preço, os mediadores internacionais contribuíram para o bloqueio de uma solução malgaxe extra-constitucional, que sempre prevaleceu em crises anteriores.”
Nos próximos dias, o novo Presidente deverá instalar o seu Governo de transição, tendo os ministros já sido em grande parte nomeados. Está prevista a redacção de uma nova Constituição para uma IV República. Andry Rajoelina já prometeu eleições daqui a dois anos. O “TGV” malgaxe tem, desta vez, tempo para não fazer tudo a correr.