Em 2012, Fernando Amélia Nhaca era um desconhecido. Viveu três anos sem salário devido às suas “preferências partidárias”. Ainda assim intensificou as suas actividades políticas e agora vê a sua abnegação compensada ao ser indicado como candidato do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) ao município de Inhambane. No dia 18 de Abril enfrenta a maior batalha da sua vida…
Nunca lhe aconteceu o pior: desistir dos seus ideias por causa da pressão da política. Numa das zonas mais inóspitas para a oposição, as preferências partidárias pagam-se com o emprego, e o professor Fernando Amélia Nhaca prova, há três anos, o sabor dessa escolha. Único professor na cidade sem salário, Nhaca garante, porém, que a perseguição não lhe rouba um minuto dos seus pensamentos. “Nem sequer me passa pela cabeça o que me possa acontecer pelas minhas escolhas”.
Se admite que a carga emocional se torna maior quando um filho pede um caderno, estando ele desempregado, também não deixa de sublinhar que ser militante do MDM foi a sua escolha. “Isto é a minha vida”.
Guarda ainda as fotografias de uma infância passada na Ilha de Inhaca, onde nasceu há 46 anos. Porém, considera Morrumbene o seu berço. Até porque ter nascido em Inhaca foi apenas uma fatalidade da profissão do seu pai, funcionário da administração. Foi, aliás, por isso, que saiu da terra onde nasceu com dois anos para Tete. Depois para Chókwè.
Cumpridas as formalidades à entrada da sede do MDM, num bairro da periferia de Inhambane, é num gabinete austero que Fernando Amélia Nhaca nos recebe, vestido de uma camiseta de riscas e calças de ganga. Afável, sorridente, conversador, quem com ele se cruze não advinha que vive há três anos privado do seu salário.
Devido à profissão do pai, Fernando Nhaca não teve muito contacto com a terra. Pousava muito pouco nos lugares para poder criar grandes afinidades com a terra. Recorda-se muito pouco de Inhaca, Chókwè e Tete.
Embora tenha sido uma criança viajada, as lembranças de Nhaca enquanto pessoa começam e acabam em Morrumbene. Apenas na adolescência e na juventude é que fez contactos mais duradouros e que perduram na memória com outros pontos do país. Por isso, Nhaca é mais de Morrumbene do que de Inhaca. Nasceu num lugar, mas ganhou consciência da sua existência noutro.
Andou de um lado para outro até ‘76 ano da reforma do pai. Assim a família Nhaca regressou para Morrumbene onde o actual candidato ao município de Inhambane começou a estudar. Foi na Escola Primária de Foruvela, em 1976, que iniciou a sua carreira estudantil.
Em ‘81 concluiu a quinta classe em Cambine. Dois anos depois mudou-se para Inhambane onde fez o ensino secundário na Escola Emília Daússe. Porém, o destino levou-o para Maputo, precisamente para a Faculdade de Educação onde fez um curso de dois anos.
Juventude
Nhaca foi sempre um jovem multifacetado. Praticou futebol no Desportivo de Inhambane a par do teatro e da pintura. “Tivemos um grupo cultural designado Aurora”, conta. Contudo, não investiu mais nestas áreas porque “na altura da guerra era complicado singrar em duas ou três actividades”. Teve, portanto, de optar pelo carreira de professor na Escola Secundária Emília Daússe. Para trás, diz, ficaram os anos em que o grupo Aurora fazia furor na cidade e província de Inhambane.
O futebol no Desportivo de Inhambane, onde só jogou até aos juniores, também ficou pelo caminho ainda que lhe augurassem um futuro brilhante. Mas não foi só isso, a pintura também teve de ceder espaço ao professor de Desenho.
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Pai de sete filhos
Nhaca nunca se casou, mas vive em união de facto e tem sete filhos. O mais novo tem um ano. Engana-se, porém, quem pensa que o político se confunde com o chefe de família. “Não fujo das minhas responsabilidades de chefe de família. Mesmo sem salário faço tudo para sustentar os meus filhos. Por isso dói-me quando pedem um caderno a um pai que não recebe. Ainda assim nunca lhes faltou nada” garante.
“Ser pai de sete filhos não é fácil. Sobretudo num lugar onde não há muitas oportunidades para a juventude. Penso nisso à medida que os meus filhos crescem e eu tenho de ter em conta o que o destino lhes reserva. Em Inhambane, na forma como está, não posso infelizmente ter grandes expectativas”.
Ainda assim, “penso que os jovens devem ter muita esperança. O futuro não está aí ao virar da esquina para todos compreenderem o que mais precisam. Ou pretendem continuar na situação em que se encontram, ou querem ter uma vida melhor. Não é preciso dar muitas voltas. A escolha é dos jovens”.
Três anos sem salário
Se para muitos pode ser um milagre sobreviver sem salário, Nhaca contraria dizendo que “não é quando temos amigos de verdade”.
Os problemas de Nhaca começaram, conta, quando se filiou no Movimento Democrático de Moçambique, em 2009. “O director da Escola em que leccionava não gostou da minha escolha partidária e transferiu-me para Funhalouro. Recorri ao governador da província que anulou a transferência. Quando pensava que tudo ia voltar ao normal, eis que chega às minhas mãos uma guia assinada pelo punho de Itae Meque.”
“O estranho, no meio desta história, é que fui transferido para o distrito de Funhalouro como consequência de uma medida disciplinar. O que é, no mínimo espantoso, num país em que a Constituição da República permite que eu tenha uma escolha partidária pessoal e estranha aos interesses do Governo e, quiçá, dos seus agentes.”
O mais grave, contudo, nem foi a transferência em si, “mas o facto de a mesma ter sido passada para leccionar numa escola fantasma”. Sem contar que “os alunos da 10a, 11a e 12a classe, da Escola Secundária Emília Daússe ficaram privados de professor, sem aulas de desenho, porque eu era a única pessoa qualificada”. “Não podia, portanto, envolver-me tal aberração. Recusei-me e, por via disso, cancelaram os meus salários e até hoje ainda não os recebi”.
Voltar ao negócio de frangos para sobreviver
Enquanto docente na Escola Secundária Emília Daússe, Nhaca foi um dos maiores criadores de frango da cidade de Inhambane. Parou devido aos preços mais competitivos do frango importado. “Não podíamos competir com o frango brasileiro que chegava ao mercado 10 meticais mais barato do que o nosso”.
Esse determinismo económico ditou o fim do negócio. Porém, o desemprego e os seus desígnios insondáveis levaram Nhaca a voltar atrás na decisão. “Tive de voltar ao negócio para sobreviver. Não podia cruzar os braços e esperar que o sustento da minha família caísse do céu.”
“Conheço muita gente que largou este negócio por causa das políticas do Governo. O nosso frango deve ser protegido. Não se trata de querer vender mais caro, mas de garantir que possamos competir em igualdade de circunstâncias com o frango que vem de fora”.
Acrescenta: “podiam ser criados mecanismos que protegem o criador nacional, ma tendo em conta o poder de compra do consumidor. Uma norma que não prejudicasse nem um e nem outro. Não acredito que as pessoas gostam do frango congelado durante muito tempo. As pessoas não têm alternativas”, explica.
“O que se perde em ração, medicamentos, água e energia torna o criador nacional vulnerável. Portanto, o que leva pessoas como eu ao negócio não é o lucro, mas a luta pela sobrevivência”.
Problemas do município de Inhambane
“Nós temos problemas graves no que diz respeito às vias de acesso e ao parcelamento. Na cidade de Inhambane são poucos os bairros que passaram ao lado deste problema. Talvez nenhum bairro”, aponta.
É por isso que Nhaca acredita que “Inhambane precisa de mudar”. A razão é simples: “a cidade é um referência em termos de turismo, mas se formos à procura dos benefícios que esta actividade trás não encontramos quase nada”.
Há, por outro lado, o problema da corrente eléctrica e do acesso à água “que ainda não é uma realidade para grande parte dos inhambanenses”. Outro problema que afecta, segundo Nhaca, a juventude é o nível de desemprego.
Visão para Inhambane
A visão de Nhaca passa por colocar o município como uma referência mundial do turismo. Mas para isso é preciso, primeiro, “resgatar os princípios da nossa cidade”. Como? “Resgatando a dignidade dos inhambanenses”. Ou seja, “tornar a praia acessível a todos é um desses princípios. Há famílias que educaram os filhos com os recursos do mar, mas agora não podem ter acesso ao mesmo porque alguém obstruiu o caminho e não permite que ninguém passe por ele. Os bens de Inhambane têm de ser de todos e não de alguns”. Por outro lado, “é preciso compreender e respeitar as nossas riquezas. De que vale pescar um tubarão e ganhar 100 dólares se podemos investir, por exemplo, no turismo marítimo e com o mesmo tubarão ganhar três mil dólares num mês?”, questiona.
“Vamos lá ver, portanto, se consigo transformar o meu pensamento e aquilo que é o desígnio do meu partido em relação ao município de Inhambane, de modo a que esta cidade seja realmente para todos”, aponta, sem, contudo, olhar para a questão do tempo como uma grande barreira. Ou seja, “temos um ano e meio o que torna complicado atacar alguns problemas. Mas vamos, se vencermos, colocar os mesmos como prioridades. Estou a falar concretamente da questão das arruamentos e do problema da construção nas dunas”.
Perfil
76/80 concluiu o ensino primário na Escola de Foruvela
81 concluiu a 5a classe na Escola de Cambine 82 concluiu a 6a classe na Escola da Maxixe
83/85 concluiu o ensino secundário na Escola Emília Daússe
86/88 curso de Tecnologias Educativas na Faculdade de Educação
Como docente
– Professor na Escola Secundária Emília Daússe
– Professor na Escola Secundária da 4a Unidade Especial de Intervenção Rápida
– Director pedagógico e docente do Seminário Médio Diocesano São Lucas