No bairro onde Mohamed Merah cresceu, e onde foi visto pela última vez rindo com os amigos dias antes de matar três soldados franceses em dois ataques, a mensagem para os forasteiros é clara: ele era um dos nossos, não importa o que tenha feito.
O autointitulado militante islâmico abriu uma ferida no frágil senso de comunidade da França, ao matar os soldados, filhos de imigrantes de famílias norte-africanas como a dele próprio, e depois um rabino e três crianças judias – tudo em nome da Al Qaeda.
Durante dias, Toulouse viveu com medo do “assassino da mota”, que viria a ser identificado, cercado e morto nos dias que se seguiram ao último crime, na semana passada. Mas em Les Izards, conjunto habitacional da década de 1960 onde Merah viveu a maior parte dos seus 23 anos, a reação ao massacre foi de preocupada contestação aos forasteiros que tentam espiar no que parece ser um mundo fechado, separado da Toulouse elegante pela pobreza, pela criminalidade e, segundo os moradores, pela discriminação racial.
“Vou lhe dizer uma coisa: ele era um garoto deste bairro, e apoiamos a sua família não importa o que as pessoas digam na TV”, afirmou uma mãe de meia-idade, de origem argelina, que disse conhecer Merah desde criança. “Ele era um dos nossos, e nunca vamos ter certeza do que realmente aconteceu.”
A exemplo de outros moradores dessa área de prédios baixos e praças bem arrumadas, a 15 minutos de metro do centro, ela não quis dizer seu nome. Conversas com dezenas desses moradores revelam um retrato de Merah como um rapaz “frágil” e “emotivo”, que falava constantemente do pai ausente, e que nas últimas semanas de vida parecia ansioso.
Essas 5.000 pessoas – a maioria de famílias chegadas há uma ou duas gerações das ex-colônias francesas no norte da África – demonstram uma sensação de alienação em relação ao resto da sociedade francesa. Oficialmente chamada de “zona urbana sensível”, devido a seus elevados índices de pobreza, desemprego e criminalidade, Les Izards representa uma janela para os encraves urbanos onde os acadêmicos francesas afirmam que a exclusão está se agravando, e onde cada vez mais netos de imigrantes norte-africanos se voltam para o Islão como uma forma de protesto social.
O temor é de que muitos outros Merahs ainda surjam na maior comunidade muçulmana da Europa, com cerca de 5 milhões de pessoas em toda a França – preocupação que pode explicar parcialmente a detenção na sexta-feira de 19 suspeitos de serem militantes islâmicos, num momento em que o governo de Nicolas Sarkozy, candidato à reeleição em abril, se empenha em demonstrar pulso firme na questão da segurança.
Mas, em Les Izards, há sinais de que outras políticas deram errado, em especial os esforços de Sarkozy para conter a raiva e o ressentimento que alimentaram uma explosão de distúrbios sociais em toda a França em 2005, e que ainda parece estar latente.
Moradores contaram que, num confronto entre jovens locais e autoridades no bairro depois da morte de Merah, um rapaz foi detido depois de gritar para os policiais: “Meu amigo Merah é um homem de verdade – que pena que ele não tenha conseguido terminar o trabalho!”.
Hatem Ben Ismail, que dirige vários centros comunitários no bairro e se descreve como “o cara a procurar em Les Izards”, diz que simplesmente hesita em discutir publicamente o ambiente entre os jovens que ele tenta ajudar: “A situação com os jovens é simplesmente explosiva demais”, concluiu.